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As lições de junho no movimento estudantil

11 Dec 2013   |   comentários

Em meio ao debate sobre as “lições de junho”, a ausência do movimento estudantil nacional como sujeito político durante o evento mais importante dos últimos vinte anos da história do Brasil precisa ser profundamente compreendido.

Em meio ao debate sobre as “lições de junho”, a ausência do movimento estudantil nacional como sujeito político durante o evento mais importante dos últimos vinte anos da história do Brasil precisa ser profundamente compreendido. Nesse sentido se coloca a questão: qual o real alcance do movimento estudantil e qual o sentido estratégico de atuar nas universidades?

O movimento estudantil nos “centros de excelência”

Atualmente, a estrutura do ensino superior no Brasil cria uma divisão principal entre, de um lado, os centros de excelência, representados por universidades públicas elitizadas como a USP, UNICAMP e UNESP em São Paulo, mas também as federais em outros estados como a UFRJ e a UFMG; e, por outro, as universidades particulares, nas quais está matriculada a imensa maioria dos universitários do país e que têm como objetivo principal gerar altas taxas de lucro para grandes monopólios da educação privada.

No início, os centros de excelência foram criados para formar os principais representantes da burguesia brasileira. Depois de algumas modificações ao longo do século XX, teve sua composição ligeiramente ampliada e passaram a ser majoritários os setores mais abastados da pequena-burguesia. De resto, foi mantido o caráter elitista e racista. Tais universidades cumprem função essencial na reprodução da acumulação capitalista no Brasil. Por elas passam o grosso da formação de conhecimento e do desenvolvimento tecnológico utilizados pelas empresas brasileiras, assim como o conjunto do espectro ideológico de dominação de classes, que passa também pela criação de “verdades” indispensáveis na área das ciências humanas.

A importância desses centros para a reprodução da dominação de classe se expressa também na quantidade de quadros burgueses por eles formados. Neste quesito, a USP se destaca por ter formado figuras como Delfim Netto, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, Fernando Haddad, Marilena Chauí, William Bonner. Da UNICAMP saíram a atual presidente, Dilma Rousseff, José Serra, Luiz Gonzaga Beluzzo, Marcio Pochmann e outros. Nas federais, da UFRJ surgiram quadros como Carlos Lacerda, Oscar Niemeyer e Carlos Lessa. Neste mesmo contexto, mas com objetivos inversos, ganhar quadros do movimento estudantil que rompam com sua classe de origem e se tornem intelectuais orgânicos dos interesses da classe trabalhadora e dos setores oprimidos passa ser uma tarefa estratégica para a revolução brasileira. Na história da esquerda brasileira, não são poucos os exemplos de estudantes que começaram a militar na universidade e depois cumpriram de maneira heroica a tarefa de abrir trabalhos clandestinos em fábricas, abrir relações e fazer política revolucionária nos meios operários, em plena a ditadura militar e sob o jugo permanente da ditadura patronal.

Justamente por ser um dos principais bastiões da burguesia, os acontecimentos ocorridos nas principais universidades públicas acabam tendo uma repercussão “privilegiada” e um papel de destaque na mídia burguesa e na conjuntura política nacional. Por isso, o movimento estudantil universitário torna-se um aliado estratégico para a classe operária no complexo tabuleiro de xadrez da luta de classes e pode influenciar, em alguns contextos, decisivamente a opinião pública em defesa dos interesses dos trabalhadores.

Refletindo a partir das experiências de junho para cá, o que mudaria se entidades como os DCE’s da USP e UNICAMP, que estavam em greve, se ligassem com as entidades da UFRJ e UERJ e fizessem um chamado à construção de greves, paralisações e cortes de rua em solidariedade a histórica greve dos professores do Rio de Janeiro dizendo que não aceitariam a repressão e o corte de ponto? Poderia se mudar a correlação de forças de um tema que influenciava a conjuntura nacional. No mesmo sentido, poderíamos dizer que o movimento estudantil faria história se colocasse em todas as suas mobilizações, particularmente em universidades com grandes greves como USP e UNICAMP, um chamado a toda a sociedade a parar as principais avenidas do país contra o leilão de Libra, a maior privatização da história do país (de um setor estratégico) promovida pelo PT (a qual os petroleiros resistiram sozinhos)! Quando dizemos que o movimento estudantil pode fazer diferença na luta de classes, acreditamos que essa não é uma tarefa para um momento em que a revolução já esteja batendo a porta. É uma tarefa para os primeiros meses de 2014.

A importância estratégica cada vez maior de impulsionar o ME nas universidades privadas

O boom das universidades particulares no Brasil começou por volta de 1994, no primeiro governo FHC. No entanto, o mundo dos sonhos para os grandes capitalistas da educação só se concretizou durante os mandatos de Lula. Dos cerca de 50% de aumento no número de vagas no ensino superior presencial desde o início da década de 2000, o que representa algo em torno de 2 milhões de novas vagas, aproximadamente 80 % foram criadas nas universidades particulares. Esse crescimento do ensino pago não teria ocorrido se não fossem projetos do governo federal como o PROUNI, o FIES e o REUNI, que cria mecanismos de transferência de renda aos capitalistas da educação. O maior exemplo dessa política veio no começo deste ano com a fusão dos grupos kroton Educacional e Anhanguera, criando o maior monopólio privado de educação do mundo.

Não há dúvidas que grupos como o Kroton-Anhanguera, que possuem capital aberto da bolsa de valores e são controlado majoritariamente por acionistas estrangeiros, tem como objetivo apenas espoliar e saquear os milhões de jovens que pagam as altas mensalidades em troca de uma péssima educação. Ainda que sejam compostas também por setores médios e baixos da pequena-burguesia, muitas destas universidades têm composição majoritária de jovens trabalhadores que não conseguem ultrapassar o filtro social do vestibular e estudar nos elitizados centros de excelência. Para manter-se na universidade, quase a totalidade destes jovens são obrigados a trabalhar durante o dia em estágios e empregos precários e muitos acabam abandonando o curso antes de concluí-lo.

Os jovens que estudam nas particulares compõe um setor novo e importante da classe trabalhadora brasileira, chamado pelos ideólogos burgueses de classe de “classe C” para tentar mascarar a contradição fundamental entre as classes. Nas poucas universidades onde há entidades e mínima organização do movimento estudantil, este está na maioria dos casos dirigido pela burocracia governista da UNE. A importância de ganhar quadros e construir frações revolucionárias aqui assume função distinta e ainda mais estratégica porque se trata de organizar diretamente setores da juventude trabalhadora que irão estar à frente das lutas em seus locais de trabalho e bairros de composição proletária, enfraquecendo diretamente a influencia do petismo. Ademais, não existe como garantir educação pública de fato para todos por fora de acabar com esses monopólios da educação e estatizar as universidades particulares, uma luta em que todo o movimento estudantil nacional deve tomar como sua.

Avançar num novo movimento estudantil: superar as velhas tradições e buscar um ME que faça diferença na realidade nacional

A ausência do movimento estudantil em junho é, em primeiro lugar, responsabilidade das direções majoritárias das entidades estudantis, em especial da burocracia estudantil encastelada na UNE. A UJS/PCdoB e a juventude do PT já mostraram que estão a serviço de frear as lutas dos estudantes e garantir de qualquer forma os interesses dos capitalistas da educação. Também é responsável o setor da esquerda antigovernista que, na direção de importantes entidades como os DCE´s da USP e da UNICAMP, não é capaz de ser uma alternativa pela esquerda ao projeto de educação e de país que prima hoje. Da atuação da juventude das diversas correntes do PSOL organizadas na Esquerda da UNE, mas também da juventude do PSTU como força política majoritária da ANEL, podemos incialmente concluir duas lições principais.

Primeiro, de que a adaptação às demandas mínimas, a uma lógica reformista que sempre se pauta pela miséria do possível do que está ao alcance imediato, educa um setor da vanguarda estudantil numa atuação corporativista e rotineira que é contrária a unificação das lutas em curso, que apenas constrói a passividade e a prática parlamentar da atuação nos gabinetes. A outra lição nos mostra que, apesar do discurso de querer dialogar com a totalidade dos estudantes, estas correntes estão moldadas pelo mesmo “modo petista de militar”: encaram as entidades estudantis como mera correia de transmissão das políticas de suas organizações e concentram toda a sua militância no período das eleições estudantis para “ganhar” as entidades a qualquer custo. Quando há luta, tentam controlar as assembleias para que não escapem de suas posições e boicotam os instrumentos de auto-organização dos estudantes, como os comandos de greve com delegados eleitos nas assembleias de base.

A prática burocrática levada adiante pelas direções governistas e, com objetivos distintos, pelas antigovernistas, acabam alimentando o rechaço de muitos jovens ao papel das entidades estudantis. O autonomismo e o antipartidarismo se expressaram com força em junho e vem ganhando espaço também nos locais de ensino. Neste fenômeno há uma ala esquerda formada por jovens estudantes que são totalmente sensíveis as lutas e demandas da maioria explorada da população, que foram ativos em todas as manifestações de junho, mas que, ao questionar as práticas das burocracias estudantis e sindicais, acabam negando a própria necessidade básica de organização dos estudantes. Argumentam que sem as entidades e os sindicatos a massa dispersa em junho foi capaz de barrar o aumento. No entanto, nossas tarefas são imensamente maiores. Como solucionar as demandas de junho e garantir saúde, educação e transporte de qualidade e gratuitos? Quais setores sociais serão a linha de frente desse processo e que ao se mobilizarem mais ameaçam a burguesia?

Só será possível garantir transporte e educação de qualidade para todos quando estes serviços forem estatizados e geridos pelos trabalhadores e usuários! É necessário agitar uma campanha nacional pela estatização dos transportes em meio aos atos contra os efeitos da copa, fazendo com que dezenas de milhares de trabalhadores compreendam o significado dessa proposta, a única saída possível e viável para resolver o problema concreto da mobilidade nas grandes cidades. Para concretizar tal proposta será preciso uma luta abnegada e muito bem articulada entre sindicatos, entidades, organizações políticas e populares. Com ações como essa o movimento estudantil avançaria para tornar-se um aliado estratégico da classe operária e contribuiria para o questionamento da propriedade privada e para a necessidade de superação do capitalismo.

É para ligar a luta pelas demandas mais imediatas dos estudantes com estes objetivos superiores que atuamos junto com dezenas de independentes na Juventude às Ruas e que nos propomos a estar na gestão de importantes entidades como o Centro Acadêmico de Ciências Humanas (CACH) da UNICAMP e no Centro Acadêmico de Filosofia (CAFCA) na UFMG. Por entidades militantes e uma juventude revolucionária que façam diferença na luta de classes!

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