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Internacional

SÍRIA

As guerras de nossa época e a política dos revolucionários

11 Dec 2013   |   comentários

A guerra é uma instituição a mais (a mais cruenta e sangrenta) das sociedades de classe e muito em particular do sistema capitalista e de seu regime de domínio.

A guerra é uma instituição a mais (a mais cruenta e sangrenta) das sociedades de classe e muito em particular do sistema capitalista e de seu regime de domínio. Será também uma instituição inevitável da época de transição ao socialismo, época de crises, guerras e revoluções, até que a derrubada do imperialismo acabe com as bases que a provocam. Em Estratégia Internacional nº19 de 2003 escrevíamos que para Trotsky “A ‘política militar proletária’ (PMP) foi um guia para intervir ativamente na guerra, na mais reacionária das ‘instituições’ burguesas, mas uma instituição ao fim tão utilizável pelos revolucionários, segundo o definia, como era o parlamento.” Por isso, os revolucionários não podemos nos posicionar de antemão sobre se uma guerra é progressista ou reacionária, da mesma forma sobre qualquer um dos bandos em luta, sem distinguir previamente o caráter da guerra particular frente à qual nos encontramos. E isto só se pode fazer definindo que classe a dirige e com que objetivos. Como dizia Lênin em plena Revolução Russa, “desde o ponto de vista do marxismo, ou seja, do socialismo científico contemporâneo, o fundamental, para os socialistas que discutem como julgar a guerra e como enfocá-la, consiste em esclarecer os fins desta guerra, que classes a prepararam e a dirigem. Nós, os marxistas, não pertencemos ao número dos inimigos incondicionais de toda guerra. (…) Há guerras e guerras. É necessário discernir de que condições históricas surge a guerra, que classes a sustentam e em nome de que.” (A guerra e a revolução, maio de 1917).

Em inumeráveis ocasiões, as classes dominantes utilizaram a guerra para enfrentar os povos uns contra os outros, por seus intereses de classe e evitando que dirijam sua luta contra os verdadeiros opressores em seus próprios países. O chamado à guerra, a agitação do chauvinismo e do patriotismo, serviram não poucas vezes para amortizar temporariamente os antagonismos de classes e permitir à burguesia encabeçar “uma grande empresa nacional” desviando seus problemas ao exterior. Foi utilizada a favor dos interesses das burguesias imperialistas pra disputar territórios e mercados, utilizando as massas trabalhadoras como bucha de canhão em grandes e brutais matanças [1].

A guerra se converte neste caso em uma instituição reacionária e o proletariado não tem nenhum interesse nela, pelo contrário, deve opor-se decididamente. Sua vanguarda mais consciente explicará às massas exploradas e oprimidas onde está seu verdadeiro inimigo, sua própria burguesia, e onde seus aliados de classe, os trabalhadores e o povo pobre do outro lado das fronteiras. Assim, os revolucionários durante a Primeira Guerra Mundial, agrupados como ala esquerda da Segunda Internacional, entre eles Lênin, Trotsky e Rosa Luxemburgo, lutaram primeiro contra o advento da guerra denunciando os objetivos e planos reacionários de cada burguesia "nacional". Depois, quando as burguesias desataram a carnificina mundial, levantaram a posição de princípios do "derrotismo revolucionário", baseado na ideia de que o verdadeiro inimigo estava no próprio país, ou seja, nos capitalistas franceses, alemães, ingleses ou na aristocracia russa, pelo que se tratava do objetivo estratégico de "transformar a guerra imperialista em guerra civil (dos explorados contra os exploradores, NdA)", ou seja, em revolução.

Décadas mais tarde, e frente ao iminente estouro da Segunda Guerra Mundial, Trotsky elaborou junto aos fundadores da IV Internacional três "Manifestos sobre a Guerra" nos quais denunciava a nova carnificina humana que perpetravam os exploradores em todo o mundo. Neles desenvolveu, sobre a experiência anterior do "derrotismo revolucionário" e levando em consideração o fenômeno novo do fascismo e do nazismo, a "Política Militar Proletária". Ela colocava que "Os triunfos e bestialidades de Hitler provocam naturalmente o ódio exasperado dos operários de todo o mundo. Mas entre este ódio legítimo dos operários e a ajuda a seus inimigos mais débeis mas não menos reacionários há uma grande distância. O triunfo dos imperialistas da Grã-Bretanha e da França não seria menos terrível para a sorte da humanidade que o de Hitler e Mussolini. Não se pode salvar a democracia burguesa. Ajudando suas burguesias contra o fascismo estrangeiro os operários só acelerarão o triunfo do fascismo em seu próprio país. A tarefa colocada pela história não é apoiar uma parte do sistema imperialista contra outra mas terminar com o conjunto do sistema" (Manifesto de maio de 1940). E continuava defendendo lutar para que o proletariado, através de suas organizações (sindicatos, etc.), se instrua militarmente e se arme sob o objetivo estratégico de que "Ao mesmo tempo, não nos esquecemos nem por um momento de que esta guerra não é nossa guerra. Diferentemente da Segunda e da Terceira Internacionais (socialdemocracia e stalinismo, NdA), a Quarta Internacional não constrói sua política em função dos aparatos militares dos Estados capitalistas, mas da transformação da guerra imperialista em uma guerra dos operários contra os capitalistas, da derrubada da classe dominante em todos os países, da revolução socialista mundial." (idem). Ao mesmo tempo esta política para que o proletariado pudesse intervir revolucionariamente na guerra dava resposta aos novos problemas colocados na arena internacional, como era a defesa incondicional do estado operário da URSS erguido a partir a grande revolução de Outubro, sem por isso subordinar-se no mais mínimo à política e estratégia de Stalin.

Outros tipos de guerra que não apoiamos

Tampouco o proletariado tem interesse ou "toma partido" em guerras fratricidas entre países semicoloniais ou coloniais das quais podemos citar a Guerra do Chaco (1932-1935) entre Bolívia e Paraguai, que expressavam os interesses dos imperialismos ianque e inglês, a guerra entre Peru e Equador de 1995 e outros casos similares. Ali, claramente, longe de optar por um ou outro bando correspondia lutar contra a guerra, com um programa revolucionário, em ambos os lados.

Da mesma maneira, os revolucionários nos opomos às guerras civis fratricidas entre etnias ou minorias, por exemplo de vários países e regiões da África, a menos que expressem a luta de uma nacionalidade ou minoria subjugada (como sucedeu na Guerra dos Bálcãs na década de 1990, onde apoiamos bósnios e albano kosovares, e decididamente estivemos contra a opressão Grã-Sérvia) ou que algum imperialismo ou potência opressora esteja por trás de algum dos bandos em luta. Não servem aos interesses do proletariado nacional e internacional, por exemplo as guerras civis religiosas, como a desatada no Iraque entre sunitas e chiítas durante a ocupação norteamericana, que foi funcional a discutir a partilha do poder pós-ocupação e não parte, ainda que seja muito distorcida, de uma resistência nacional ao ocupante imperialista.

Guerras justas e progressistas

Como definiu Lênin, por sua vez existem guerras justas e progressistas como podem ser as guerras de libertação entre países semicoloniais e o imperialismo, ou de estados operários frente ao imperialismo como no caso da invasão norteamericana na Bahia dos Porcos, em abril de 1961, contra a Cuba revolucionária.

Também pode haver guerras revolucionárias, por exemplo, de um país onde os operários tomaram o poder, em ajuda aos operários insurretos de outro país, onde se luta pelo poder, ou para derrotar a agressão contrarrevolucionária de países vizinhos agentes do imperialismo, ou outras variantes, onde não só "apoiamos" o campo progressista, senão que "é" definitivamente o nosso campo: o do proletariado revolucionário em armas.

Outro tipo de guerras nas quais os revolucionários não podemos ser "neutros" são aquelas em que os povos oprimidos enfrentam o imperialismo, onde sem dúvida nos situamos no capo militar dos oprimidos contra os opressores, sem que isto implique qualquer compromisso ou apoio político a sua direção. Ademais do grande exemplo histórico do Vietnã (contra os imperialismos japonês, francês e norteamericano desde a Segunda Guerra Mundial até 1975), está o caso da guerra civil na Nicarágua (1978) que derrotou o ditador Somoza (1979) na revolução nicaraguense, e o caso da guerra civil salvadorenha nos anos ’80, onde nos situamos claramente do lado da FSLN [2] e FMLN militarmente. Assim também nas guerras de libertação nacional como a da Angola (1961-1975) e de Moçambique (1964-1974) contra o imperialismo português (ou mais tarde no caso da Angola contra a África do Sul do apartheid), a da Argélia (1954-1962) contra o imperialismo francês. Também é o caso da justa e progressista resistência palestina à opressão israelense, apesar de suas direções nacionalistas burguesas ou islâmicas.

Da mesma maneira nos situamos sem dúvida no campo militar da nação oprimida em caso de agressão militar imperialista, como no caso da Guerra das Malvinas (1982), a Guerra do Golfo contra o Iraque (1991), ou as invasões ianques ao Afeganistão e ao Iraque (2001 e 2003). Os revolucionários lutaremos com um programa completamente independente da direção (nestes casos, de sangrentas ditaduras), que aponte a varrê-la ao calor da própria luta contra o imperialismo, mas não duvidamos do campo militar em que nos situamos.

Por isso os revolucionários devemos avaliar cada guerra em particular de forma marxista e evando em consideração que é a "continuação da política por outros meios" para determinar a situação concreta e a política e o programa a levantar, de acordo com os interesses do proletariado e da revolução socialista internacional.

[1Secundariamente, para as classes dominantes é um grande negócio: tanto para os fabricantes e traficantes de armas e para a indústria militar ou ligada à fabricação de armamento (eletrônica, siderurgia, aeroespacial, etc.), como para os provedores que lucram com o equipamento, vestimenta e alimentação dos exércitos. Um caso emblemático se deu com a recuperação da economia norteamericana a partir do crescimento da indústria militar (que recebeu enormes investimentos e gerou dezenas de milhares de postos de trabalho) prévia a sua entrada na Segunda Guerra Mundial.

[2A corrente dirigida por Nahuel Moreno chegou inclusive a organizar uma brigada internacional (Brigada Simón Bolívar) com voluntários de distintos países da América Latina que combateu sob o comando central da FSLN, exemplo que reivindicamos no essencial.

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