Sexta 29 de Março de 2024

Nacional

QUESTÃO AGRÁRIA

As anti-propostas de Dilma e Serra para os trabalhadores rurais

18 Sep 2010   |   comentários

Existe uma realidade de miséria e privações entre os pobres do campo a qual não é alcançada - sequer como promessa – pelo programa agrário de Dilma Roussef ou de José Serra.

Parte importante dos pobres da periferia das grandes e médias cidades é de origem rural, são massas expulsas pela falta de condições de vida no campo (pela falta de terra e emprego). Outra parte, milhões, permanecem no campo no nível de subsistência e de sobrevivência miserável, sem oportunidade e dependentes do Bolsa Família e, em parte, do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Alguns milhões praticam a pequena agricultura de sobrevivência, às vezes como arrendatários, às vezes como pequenos fornecedores de grandes multinacionais do fumo, da soja, do frango etc. E um outro tanto de pobres do campo compõem a massa de assalariados rurais e precarizados das usinas de açúcar, das propriedades do agrobusiness. Em nenhum ponto do programa desses candidatos existe qualquer proposta para combater aquele problema pela raiz: são representantes da burguesia. Todos cantam loas ao agronegócio e Dilma tem se tornado figurinha carimbada em eventos de latifundiários (“ruralistas”), onde critica a ocupação de terras...

No entanto são aquelas massas exploradas as que sustentam a chamada modernidade ou produtividade do agronegócio, amplamente baseada no trabalho semi-escravo, escravo ou mal pago. E que tentam sobreviver lutando pela terra, no meio de uma absoluta concentração de terras e na absurda condição de pobres do campo.

Contra essas massas está também o programa do Serra, coordenado pelo reacionário e entusiasta do agronegócio Xico Graziano, formulado contra a reforma agrária. Não existe, para ele, a necessidade da reforma agrária. Xico Graziano diz com todas as letras que a reforma agrária já foi realizada pelo agronegócio e que hoje só existe agricultura produtiva no âmbito dessas grandes empresas; ataca frontalmente toda a pequena agricultura. Em nome dessa ficção reacionária eles criminalizam todo movimento pela terra, toda luta pela terra e ao MST em particular.

Na outra ponta, Dilma é fraseologia: admite a reforma agrária (até para receber o apoio, como no dia 13/7, da burocracia da Contag, Confederaçao Nacional dos Trabalhadores da Agricultura, que diz representar os “agricultores familiares”) ao mesmo tempo em que, com empresários, faz discursos contra as invasões de terras e em defesa da “legalidade”. Mas sua ambivalência se revela não apenas por ser cria de um governo que reprime ocupações de terras e sob o qual aumentaram os assassinatos de agricultores que lutavam por terra para nela trabalhar, como também por conta de que nada propõe de qualitativamente diferente do que seja a atual política agrário-camponesa do governo Lula.

Notório governo do agronegócio apesar de discursos a favor do homem do campo, Lula se vangloria (assim como sua candidata Dilma) de ter reduzido a pobreza no país, de ter desenvolvido políticas de inclusão social. A hipótese/proposta de governo de Lula/Dilma é a de ir reduzindo gradualmente a miséria social no campo e na cidade através da promoção do agrobusiness – estrela das exportações brasileiras – e do que eles chamam apoio ao pequeno agricultor. A primeira parte dessa proposição vem sendo levada à risca. Banqueiros e grandes proprietários rurais ganham bilhões e bilhões de reais a cada safra. A segunda parte funciona mais como propaganda. Em troca do apoio político e da passivização das direções do MST o governo tem feito concessões em um ou outro aspecto, mas a miséria rural e a continuidade dos assassinatos no campo e da criminalização dos que lutam pela terra falam mais alto. São bilhões de reais de dinheiro público drenados para os grupos financeiros através da dívida pública e outro tanto para a elite do agronegócio, enquanto faltam recursos para os assentamentos e para uma efetiva e maciça política agrícola em favor do pequeno produtor. Em 2009, foram 93 bilhões de reais ofertados ao agronegócio (Plano Safra do Ministério da Agricultura) contra 15 bilhões para a chamada agricultura familiar.

O crescimento da massa de pobres no campo atesta o vazio dessa política agrária do governo Lula. A quantidade de camponeses assentados idem. Se ignorarmos o Bolsa Família - que evidentemente não é uma solução estrutural para desemprego ou falta de terra – e se também não levarmos em conta a enorme massa de pobres de origem rural e que estão “ocultos” nas grandes periferias urbanas, ou seja, se ignorarmos essa pseudo-reforma agrária preventiva, ainda assim, a clamorosa miséria rural salta aos olhos nos canaviais, nas grandes plantações e nos casebres onde milhões de trabalhadores rurais sobrevivem sob fortes privações.

O não-programa ou o jogo duplo (concessões pontuais mais repressão) da Dilma é a continuidade e reprodução desse quadro. Por exemplo: Dilma (da mesma forma que Serra) foge o quanto pode da polêmica ruralistas versus ambientalistas, a todo custo evita explicitar seu compromisso com as madeireiras e os barões anti-ambietalistas do agronegócio. Ao mesmo tempo, antes de registrar seu programa de governo no TSE (dia 5/7), ela mandou retirar taxação de grandes fortunas e também a proposta de revogar dispositivo legal criado por FHC que exclui terras invadidas da reforma agrária. Ou seja: mostrou de que lado está. E depois foi ao encontro com lideranças rurais e pôs o boné do MST na cabeça...

Na verdade, com os desdobramentos previsíveis da crise internacional o projeto Dilma será o agravamento desse quadro, temperado com mais repressão às lutas no campo na medida em que o agronegócio em crise se lance a cortar mais “custos de produção”.
Os dados de assentamentos rurais que a Dilma vem recitando nos encontros eleitorais são “patéticos” como argumenta Joao Pedro Stédile: 50% de todas as famílias que Lula diz ter assentado no primeiro mandato, se encontram na Amazônia ou seja não afetam o latifúndio, são projetos de colonização, bem precários e feitos em terras públicas. E a Folha de São Paulo já denunciou (19/2/07) que dos 243 mil trabalhadores rurais assentados por Lula naquele mandato, metade são assentamentos “contábeis” (foram criados em governos passados). Por outro lado, os grandes grupos capitalistas do agronegócio controlam como nunca o comércio e todo o processo produtivo. Segundo o Censo Agropecuário de 2006, apenas 0,91% das fazendas ocupam a maior parte do solo nacional (44,4%) enquanto a maioria das propriedades (2,4 milhões) só contam com 2,3% do território nacional. Somos o segundo país do mundo em concentração de terras (só perdemos para o Uruguai), numa sociedade com uma das mais injustas distribuições de renda do mundo e com quase 40% das famílias rurais vivendo abaixo da pobreza.

Serra é, obviamente, o governo da reação em toda linha e para o seu programa de governo não existe crise no campo e nem milhões de trabalhadores sem terra. Mas nos dois casos salta aos olhos a necessidade, que se colocou ao longo dos dois governos Lula, de se levantar um programa de lutas no campo que não se limite a apenas pressionar às instituições burguesas por uma ou outra concessão (estratégia política do MST). O plebiscito pelo “limite da terra” é bem uma amostra de como a esquerda (como o PSOL e PSTU) assume qualquer atalho (como este patrocinado pela CNBB) para evitar a estratégia de luta necessária. Nesse plebiscito propriedades de menos de mil hectares se convertem em “pequenas propriedades” e ainda por cima faz-se a aposta equivocada nas leis, no parlamento, nos plebiscitos, em um contexto de classe que não vai além de Estado de Direito para alguns – como diz o Gilmar Mauro – e Estado de Miséria e dificuldades para a maioria da população.

O crescimento exponencial da dívida pública (turbinado por juros altos concedidos pelo governo aos agiotas) mais a insustentabilidade do boom de exportações (montado na demanda chinesa) tendem a minar concessões agrárias seja de qual for o governo. De parte dos assalariados agrícolas e do conjunto dos pequenos agricultores pobres se trata de articular e unificar suas lutas, em frente com os sindicatos urbanos mais combativos para que cada ocupação de terra, cada conquista no campo se torne um foco a partir do qual seja levantado o programa de um governo dos trabalhadores que estatize as multinacionais de adubos, de equipamentos e insumos agrícolas e, com base em planos, dirigidos pelas massas, ponha-se fim à miséria rural e urbana e realize uma reforma agrária radical.

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