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Teoria

TEORIA

Apresentação do livro COMUNA

15 Jul 2011   |   comentários

Este livro reúne – pela primeira vez em português – os principais textos onde Lenin recupera os ensinamentos revolucionários da Comuna de Paris.

Excertos de livros mais conhecidos de Lenin (O Estado e a revolução e A ditadura do proletariado e o renegado Kautski) são acompanhados de textos mais antigos (1905; 1908; 1911) nos quais Lenin se ocupa especificamente da Comuna de Paris e dos seus ensinamentos que continuavam atuais em todo debate estratégico (inclusive militar, clausewitziano) em torno da luta do proletariado moderno pelo poder, pela construção do socialismo.

Trata-se de textos imperdíveis, tomados – todos eles – por uma coerente e profunda preocupação com a luta por uma república proletária; coerente com os ensinamentos de Marx e Engels nos marcos de uma perspectiva que vinha sendo perdida pela esquerda hegemônica de então – a social-democracia da II Internacional – e profunda no sentido teórico e prático da palavra. Na Comuna de Paris o proletariado vai ao poder político como classe dominante, armada e adotando métodos revolucionários, inaugura (ou “encontra por fim”, nas palavras de Engels) a forma política como classe dominante, como governo dos trabalhadores, a ditadura do proletariado. E, por essa via, começa imediatamente a demolir o Estado burguês.

Este elemento crucial, seminal do marxismo de Marx e Engels maduros, será progressivamente abandonado pela II Internacional , mas também pelo conjunto da esquerda depois de Lenin e Trotski – e que tentam “superar” Lenin e Trotski – ao longo do século XX.

Aquilo que Lenin denuncia nos textos aqui publicados (de que a maioria dos leitores do Manifesto Comunista não chegam a compreendê-lo) continuou sendo uma trágica verdade, um lamentável déficit na estratégia do marxismo proletário do século passado e que segue imperando hoje.

Lenin, nos textos aqui publicados – e, ao lado de Trotski, na condição, de um dos mais conseqüentes estudiosos da Comuna de Paris – vai retomar aquele argumento de Marx e Engels de que a experiência prática da Comuna de Paris permitiu finalmente corrigir uma lacuna do Manifesto, permitiu sanar um elemento no qual o Manifesto se tornara obsoleto, ou seja, a noção de que mais que apoderar-se da máquina do Estado e governá-la (“como ela é”) se trata, acima de tudo, de começar imediatamente a demoli-la, destruí-la.

Esta correção é explicitada já no prefácio ao Manifesto escrito por Marx e Engels em 1872. A Comuna de Paris, argumentaram estes autores, mostrou que os trabalhadores devem forjar um novo poder e, a partir da ação revolucionária (e desde antes da revolução) desde os seus partidos e organismos de auto-atividade, devem quebrar o aparelho burocrático e militar do Estado. E devem fazê-lo, sob pena de serem derrotados, sob pena de não se transitar ao socialismo, um processo que vai ter que contar com a expansão mundial da revolução proletária, que requer, portanto, o internacionalismo proletário ativo, a Internacional revolucionária.

A Comuna de Paris foi tão marcante, portanto, que – como experiência política, proletária - permitiu aos autores do Manifesto a sua atualização, sua precisão em um aspecto estratégico que depois a esquerda marxista foi perdendo de vista. De uma maneira geral este vem a ser o fio condutor de Lenin nesses cinco textos aqui publicados.

Desde o texto inicial, Lenin trata de mostrar que muito se lê sobre a Comuna de Paris, mas os seus ensinamentos mais atuais, as noções político-estratégicas mais criticamente atuais, ainda continuam no campo das “páginas esquecidas do marxismo”, como diz ele.
E aqui se refere, por exemplo, à crítica frontal ao parlamentarismo e à defesa da luta pela democracia proletária.

Nas palavras de Lenin: “os ensinamentos de Marx baseados no estudo da Comuna de Paris acham-se tão profundamente esquecidos que o social-democrata contemporâneo (leia-se: o renegado contemporâneo do socialismo) é incapaz de conceber outra crítica do parlamentarismo que não seja a crítica anarquista ou reacionária”. E prossegue: “o meio de sair do parlamentarismo não é, certamente, anular as instituições representativas e a elegibilidade, mas sim transformar esses moinhos de palavras que são as assembléias representativas em assembléias capazes de, verdadeiramente, ´trabalhar´. A Comuna devia ser uma assembléia, “não parlamentar, mas proletária”, e “ao mesmo tempo legislativa e executiva”.

Em outro momento, analisando na mesma direção, Lenin destaca que Marx e Engels fizeram “uma análise muito profunda da Comuna de Paris, mostrando que seu mérito consistiu na tentativa de despedaçar, de destruir a ´máquina de Estado existente´”. O Manifesto não traz este argumento e por isso estava, em 1871, parcialmente envelhecido, e por isso, como foi dito acima, foi prefaciado (em nova edição um ano após a Comuna de Paris) com este novo foco, ou seja, na reiteração de Lenin: depois da experiência da Comuna, em 1872, Marx e Engels “mostram que a Comuna de Paris liquidava o exército e o funcionalismo, punha fim ao parlamentarismo, destruía esse ´cogumelo parasita que é o Estado´ e assim por diante”. Aqui está o conteúdo de classe do novo poder. Aqui se dá o primeiro passo prático para a extinção do Estado.

O parlamentarismo vulgar e podre da sociedade burguesa – continua Lenin – é substituído pela Comuna “por instituições onde a liberdade de discussão e exame não degenera em tagarelice; os próprios mandatários devem trabalhar e eles mesmos fazer executar as suas leis, verificar os resultados obtidos e responder diretamente perante os seus eleitores. As instituições representativas são mantidas, mas já não há parlamentarismo como sistema especial, como divisão do trabalho legislativo e executivo, como situação privilegiada para os deputados”.

Os elementos da estrutura do Estado que ainda continuem de pé (imediatamente após a tomada do poder e por um tempo) passam a subordinar-se , no argumento de Lenin – e seguindo Marx e Engels – “à vanguarda armada de todos os explorados e de todos os trabalhadores, ao proletariado”. Os fiscais, os contadores, os funcionários se subordinam à democracia operária. Eis o significado prático, sem qualquer sombra de utopia (marca registrada do anarquismo) da “demolição” imediata – ou que começa imediatamente – do aparato de Estado.

Os textos de Lenin aqui publicados abarcam o período que vai de julho de 1905 (antes da insurreição armada e proletária de dezembro de 1905) até 1919; com especial destaque ao texto elaborado pouco antes da tomada de da tomada de poder na Revolução Russa e dois anos depois um outro texto, agora em aberta polêmica com o revisionismo reformista de Kautski; neste caso Lenin polemiza com as visões, tanto da Comuna de Paris quanto da Revolução Russa, que se adaptam ao cretinismo parlamentar, que renunciam à violência revolucionária (dos escravos contra os senhores) para a tomada e manutenção do poder dos trabalhadores, que, enfim, adotam uma visão não apenas antimarxista no sentido da leitura correta de Marx mas anti-operária, preparadora de derrotas para a classe trabalhadora e de degeneração política do novo poder.

Por isso mesmo Lenin reitera, em seu texto de 1919, contra Kautski, a mesma lição pontuada nos escritos anteriores: “A Comuna, eis a forma ´enfim encontrada´ pela revolução proletária, sob a qual se efetuará a emancipação econômica do trabalho. A Comuna é a primeira tentativa da revolução proletária para demolir a máquina de Estado burguesa; é a forma política que pode e deve substituir o que foi demolido. Mais adiante, veremos que as revoluções russas de 1905 e 1907, num quadro diferente e em outras condições, não fazem senão continuar a obra da Comuna, confirmando a genial análise histórica de Marx”.

Uma vez que a Revolução Russa degenerou, e o Estado avançou – sob o tacão da burocracia stalinista – para formas ainda mais tirânicas e totalitárias de Estado, uma vez que os trabalhadores sofreram golpes amplos e históricos do capital, nestas três últimas décadas, e o legado de Marx (“as páginas esquecidas do marxismo” a que se refere Lenin) foi sendo remetido para a penumbra da política, nada é mais criticamente atual que a retomada daquele legado, do que a assimilação dos ensinamentos da Comuna de Paris.

Caso contrário pode-se estar reduzindo Marx, com a melhor das intenções, a um liberal vulgar ... de esquerda. Que deixa de enxergar a Comuna como a forma “positiva” de república proletária, de governo do proletariado em armas caminhando para o socialismo, da dissolução da polícia, do exército permanente, da instauração do mandato revolucionário político revogável a qualquer momento, do salário não maior que o de um operário especializado e assim por diante.

A experiência das revoluções contemporâneas, que degeneraram ou que já nascem deformadas, no sentido de que ao invés de enfraquecerem a máquina de Estado a reforçam, torna ainda mais atual os ensinamentos da Comuna de Paris. Em todos os sentidos em que aqueles ensinamentos revelem-se estrategicamente e programaticamente atuais.

O próprio sentido clausewitziano e leninista, dos ensinamentos da Comuna de Paris deve ser retomado. Leninista, por exemplo, quando se pensa que embora o governo proletário da Comuna tenha retido em suas mãos por mais de dois meses o governo da capital do mundo de então, Paris, os communards se ressentiram da falta do partido, em meio a escassas condições objetivas (capitalismo ainda desenvolvendo forças produtivas, proletariado ainda não preparado). Careceu de um partido que expropriasse aos grandes capitalistas, tomasse o banco, que não vacilasse contra a burguesia. A Comuna de Paris, no argumento de Lenin, era a ditadura do proletariado sem o partido. Sem a organização política independente da vanguarda dos trabalhadores, hegemonicamente fundida ao proletariado e ao movimento de massas revolucionário e sem qualquer concessão estratégica à burguesia.

O sentido clausewitziano que deve ser retomado inclui, por exemplo, a noção de que uma vez deflagrada a guerra de classes, não se trata mais de menosprezar a importância que possuem, na guerra civil, as ações puramente militares (Lenin destaca que a Comuna de Paris em vez de assegurar sua vitória em Paris com uma ofensiva resoluta sobre Versalhes, demorou e deu o tempo suficiente para o governo de Versalhes – a burguesia – reunir suas tenebrosas forças para desfechar a semana sangrenta de maio de 1871 que varreu, a ferro e fogo, à Comuna). O proletariado se deteve na metade do caminho, completa Lenin.

Concluímos com um chamado à leitura e ao estudo atento dos textos de Lenin aqui publicados, mas também chamando a atenção para um texto fundamental e que tem tudo a ver com o que aqui foi exposto (sobre estratégia proletária, sobre o marxismo e o proletariado nos tempos atuais) e que sairá nos próximos dias em português pelas Edições Iskra , intitulado Nos limites da restauração burguesa, que é chave – ao procurar compor uma visão profunda da paisagem dos dias atuais e das últimas décadas – para o mais atual e o mais prático aprofundamento da leitura dos textos que vocês terão oportunidade de ler a seguir, de Lenin.

Gilson Dantas, Salvador, 11/7/11

PS – Este livro traz como Apêndice, um excerto de Engels, que na verdade pode ser lido como se fosse um breve histórico, uma linha do tempo, do que foi a Comuna de Paris. Trata-se de um excerto do seu Prefácio de 1891 ao livro de Marx, A guerra civil na França e que recomendamos veementemente como uma síntese histórica mas também teórica da Comuna de 1871 e, ao mesmo tempo, um marco definitivo para a compreensão do significado daquela experiência para o proletariado dos dias atuais.

1- Este texto, de autoria de Matias Maiello e Emilio Albamonte (Nos limites da ´restauração burguesa´- sobre a atualidade do legado de Leon Trotski e da IV Internacional ) sai publicado pelas Edições Iskra, SP, na revista Estratégia Internacional –Brasil n. 5, de julho 2011, que pode ser solicitada diretamente aos seus editores ou, se preferir, pelo email [email protected].

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