Sábado 20 de Abril de 2024

Juventude

COTAS RACIAIS

Aos negros, só um pouquinho de cotas

02 Nov 2012   |   comentários

Em agosto desse ano, Dilma aprovou no Senado as cotas raciais e sociais para serem implantadas nas universidades federais. A medida aprovada pelo governo conseguiu estar abaixo do básico.

A politica de cotas de Dilma: muito menos que o mínimo, o básico pela metade

Em agosto desse ano, Dilma aprovou no Senado as cotas raciais e sociais para serem implantadas nas universidades federais. A medida aprovada pelo governo conseguiu estar abaixo do básico, pois em lugar dos 32% de vagas para negros que deveriam existir nas federais de São Paulo, que corresponde ao percentual de negros no estado, teremos direito à metade disso.

Para uma universidade como a Universidade Estadual Norte Fluminense, que conta com 25% de cotas para negros, de acordo com a lei deveria ter apenas 22,5%, já que a população negra no RJ é de 45%. A UFABC, que hoje destina 28,3% de suas vagas para negros terá que diminuir esse percentual para 16%.

O PT vem reforçando as medidas de precarização do trabalho através dos planos de obras do PAC – entre eles as obras da Copa e das Olimpíadas – e reprimindo todos os setores que se colocam em luta contra a precarização de suas vidas. Esses trabalhadores dividem a mesma cor de pele dos cotistas das universidades. A diferença entre eles é que os negros que trabalham precariamente nas obras do PAC continuam e continuarão sendo assassinados pela polícia em todo o país e pelas UPPs (veja artigo sobre conflitos nas favelas de São Paulo neste mesmo jornal) - apoiadas pelo governo Dilma, pelo lulismo e pelo petismo - em nível muitíssimo superior ao dos que se veem hoje com portas “abertas” à universidade pública.

O “PT das origens” localizou a luta do povo negro no marco das demandas alcançáveis sem mobilizações, passíveis de acordos em suas espúrias alianças burguesas, que viam com maus olhos a possibilidade da população negra se colocar em luta, que já fez quilombos, Canudos, revoltas da Vacina e da Chibata. Em sua “Carta de Princípios”, publicada no 1º de maio de 1979, assim como em seu “Manifesto de Fundação” de 10 de fevereiro de 1980, o PT não faz menção alguma à luta contra a opressão histórica ao povo negro.

Essa adaptação ao regime levou o PT a ser um representante dos interesses da burguesia, cumprindo um papel ilusório para os trabalhadores e o povo pobre de que esse é o governo que nos representa. Não é esse o partido que irá responder definitivamente às históricas aflições do povo negro.

Cotas raciais: mínimo, mas reivindicável

Quando se trata de cotas raciais, o mínimo a ser exigido é a proporção direta, dissociada da cota social, em relação à população negra de cada estado, como um direito universal, sem vestibular.

Não se pode economizar esforços em denunciar o caráter elitista das universidades públicas, onde para cada negro, são milhares os que seguem sendo assassinados pela polícia antes mesmo de terminarem o 1º grau. A luta pela aplicação das cotas deve ser a luta pelo fim do vestibular, pela educação pública e gratuita desde o nascimento e sempre a serviço da maioria da população. Queremos a estatização das universidades privadas sem indenização, assim como o direito a universidades dedicadas ao estudo aprofundado da história dos negros.

Uma burocracia apodrecida

Ainda com essa migalha, setores reacionários da burguesia e da pequena burguesia esperneiam. Diz-se que as cotas farão decair a qualidade das universidades brasileiras, ou mesmo que trarão a violência da escola pública para dentro delas. Esse discurso é advindo do “racismo científico” do século XIX, que se baseia em aspectos culturais e anatômicos para alegar que os negros supostamente somos seres emotivos, raivosos e inabilitados para o pensamento científico. O que justificaria a dominação imperialista dos territórios negros e o processo “civilizatório” que nos entregou ao trabalho escravizado.

Para outro setor, tal debate “reacende uma chama de discórdia em nosso país, que já superou suas diferenças raciais e hoje vive sob uma admirável democracia racial”. Somando-se a Gilberto Freyre, fortemente reivindicado pela ditadura civil-militar de 1964 a 1985, fazem ressoar um dos mais asquerosos mitos já inventados na história do pensamento brasileiro, que num dado momento desenvolve sua ideologia para dizer que depois de anos de relação entre negros e brancos, é impossível determinar quem é negro e quem é branco no Brasil, sendo toda uma raça brasileira.

Um olhar atento sobre a realidade nacional verá claramente uma diferença de cores de pele entre os que vivem nas favelas e os que vivem nos casarões, entre trabalhadores efetivos e terceirizados, estudantes universitários e jovens assassinados pela polícia.

Uma burguesia como a brasileira se utiliza de tais argumentos porque é historicamente temerosa de qualquer posição alcançada pelo povo negro. Viu-se espremida entre o imperialismo nascente e a população negra. Sem a repressão e o racismo, a luta do povo negro poderia passar ao questionamento do próprio capitalismo.

Nos colocamos resolutamente ao lado de todos os setores que reivindicam as cotas raciais quando esses são atacados por esses argumentos reacionários, sabendo, entretanto, que à burguesia só podemos ser responder de maneira independente pelos negros e pela juventude, com os métodos da luta de classes, da classe trabalhadora, única classe capaz de alcançar qualquer vitória definitiva para si própria e para todos os povos oprimidos.

Cotas raciais são reparação histórica?

Defendemos os sem terra do campo; os desempregados, viciados, prostitutas, mendigos, trabalhadores precarizados das cidades; os mortos pela polícia e as vítimas do toque de recolher do tráfico de drogas; defendemos os analfabetos. Reparar historicamente o negro só pode se dar, então, pela via da reforma agrária e titularização das terras quilombolas; de emprego, moradia, saúde e educação digna para todo o povo negro, com salário mínimo do Dieese e incorporação dos terceirizados como efetivos, com direitos iguais; com o fim da violência policial. As cotas raciais na universidade ou em cargos públicos caracterizam-se, longe disso, como demandas de ações afirmativas, que visam a conformação de uma elite negra e que devem ser, para os revolucionários, o campo de debate com o negro para que se dedique a lutar por demandas democráticas estruturais mínimas que de fato abarquem o conjunto do povo negro [1].

As alas jovens do governismo, como o Levante Popular da Juventude, que comemoram a PLC como se fosse uma grande conquista dos negros, se alinham à demagogia do governo. Geram ilusões de que sob o capitalismo é possível transformar a vida dos trabalhadores e dos oprimidos. Num outro aspecto desta politica, o PSOL também se alinha, querendo humanizar o capitalismo e esconder os grandes ataques que os trabalhadores e os povos oprimidos seguem sofrendo diariamente.

O caso do PSTU é também bastante grave. Não mobiliza suas bases para a efetivação dos terceirizados, para uma luta consequente contra a polícia, para unirem-se aos movimentos por reforma urbana e rural e em uma forte aliança, pelos métodos da luta de classes, iniciar movimentos para alcançar essas importantes demandas democráticas. Quanto às cotas, o PSTU, ao não defendê-las ligado ao fim do vestibular e à estatização das universidades privadas, se adapta ao caráter elitista da universidade. Em nota escrita por um de seus principais dirigentes negros [2] , ao limitar-se a defender a ampliação e a melhoria das ações afirmativas como políticas públicas, adapta-se à estratégia reformista de luta contra a opressão ao povo negro.

O Movimento Negro Unificado (MNU) em todas as declarações que faz sobre as cotas para as universidades, em nenhum momento coloca a necessidade de se lutar, por exemplo, pela equiparação salarial dos negros, trabalhadores precários, ao salário dos trabalhadores brancos, efetivos, através da efetivação de seus cargos. Também não se coloca decididamente a organizar um setor nas periferias que lute contra os constantes assassinatos cometidos pela polícia.

Num país racista como o Brasil, a luta pelas demandas estruturais só são efetivas se organizadas de maneira independente da burguesia. Enquanto nos dizem que por hora só podemos exigir cotas, dizemos que é tempo de se organizar contra a polícia, de expropriar o latifúndio, confiscar os imóveis utilizados para a especulação, e dividir as terras para aqueles que queiram nela trabalhar, sem nenhum tipo de indenização e sob controle dos trabalhadores; implementar um plano de obras públicas que proporcione empregos massivos e resolva o problema da moradia, além de frentes de trabalho coletivo no campo que resolvam o problema da fome, tudo isso financiado com o não pagamento da dívida pública. Esse programa, que busca responder verdadeiramente às demandas democráticas mais sentidas do país, só poderá ser plenamente realizado no marco da luta por um governo dos trabalhadores e do povo explorado e oprimido, baseado em organismos de democracia direta das massas em luta.

[1Sobre a relação entre as ações afirmativas aqui e sua importação do movimento pelos direitos civis norte americanos, ler “O fracasso das ‘ações afirmativas’ nos EUA”, Jornal Palavra Operaria nº083 de maio de 2012, acessível em www.ler-qi.org; e o artigo “A Questão negra nos Estados Unidos hoje”, de Eva Guerrero e Gustavo Dunga, publicado na revista Estratégia Internacional n 6, de 1996.

[2Wilson da Silva: “Cotas: trinta anos de luta e uma vitória parcial “; in: http://www.pstu.org.br/opressão._materia.asp?id=14457&ida=0

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