Sexta 19 de Abril de 2024

Internacional

QUEDA DE YANUKOVICH NA UCRÂNIA

Aonde vai a Ucrânia?

28 Feb 2014   |   comentários

Depois de semanas com violentos enfrentamentos, que deixaram um saldo de quase 100 mortos, entre eles vários policiais, a 23 de fevereiro o parlamento ucraniano destituiu o presidente Víctor Yanukovich, nomeou Alexandr Turchinov (do principal partido opositor liberal) como presidente provisório, e chamou a eleições antecipadas para o dia 25 de (...)

Depois de semanas com violentos enfrentamentos, que deixaram um saldo de quase 100 mortos, entre eles vários policiais, a 23 de fevereiro o parlamento ucraniano destituiu o presidente Víctor Yanukovich, nomeou Alexandr Turchinov (do principal partido opositor liberal) como presidente provisório, e chamou a eleições antecipadas para o dia 25 de maio.

O processo que levou à queda do governo estourou em novembro do ano passado, quando o então primeiro ministro da Ucrânia anunciou que não assinaria o acordo de Associação com a União Européia, um tratado de livre comércio que o próprio governo vinha negociando há anos. Yanukovich voltou a sua aliança tradicional com a Rússia, aparentemente por uma combinação de pressão e oferta de dinheiro fresco por parte de Moscou e rebaixamentos no preço do gás para que a Ucrânia se integrasse à União Aduaneira Euroasiática, um bloco comercial dominado pela Rússia, do qual formam parte a Bielorrússia e o Cazaquistão. Este anúncio disparou uma onda de mobilizações, fundamentalmente de setores das classes médias, com um programa pró União Europeia e uma direção reacionária, formada por uma aliança entre as forças políticas liberais e os partidos nacionalistas da extrema direita, cujo emblema foi a ocupação durante três meses da praça Maidán (praça da Independência) na capital, Kiev. Depois de tentar diversas vias para desmontar as manifestações, como a votação de leis que restringiam o direito de mobilização, Yanukovich decidiu romper o impasse com uma violenta repressão que terminou precipitando sua queda.

Ainda que as potências ocidentais que mediaram na crise tenham auspiciado uma trégua entre Yanukovich e a oposição, que entre outras coisas previa que este permanecesse em seu cargo até dezembro, ante os fatos consumados rapidamente saudaram esta saída e já estão na Ucrânia negociando com o novo governo provisório as condições para eventuais “ajudas” financeiras do FMI ou a União Europeia em troca de futuras “reformas” econômicas, ou seja, mais ajustes. Como fizeram há uma década, durante a chamada “revolução laranja” que substituiu o governo pró-russo (também encarnado por Yanukovich) por outro mais afim aos interesses imperialistas, Berlim, Washington e Bruxelas viram a oportunidade de operar na crise interna para implementar uma “mudança de regime” e, em sua batalha geopolítica, avançar em atrair a sua órbita países da ex-União Soviética, que tradicionalmente estiveram sob influência russa – seja via acordos comerciais ou militares, como a integração à OTAN. Dificilmente Putin se resignará a perder posições estratégicas como a Ucrânia, considerada vital para seus interesses, ademais de alojar a principal frota russa no Mar Negro.

A crise está longe de haver-se resolvido, já que tem suas raízes em questões estruturais, como a profunda fratura econômica e cultural do país entre o leste industrial, ligado à Rússia, e o oeste nacionalista e pró-ocidental, o que alguns analistas já consideram que pode levar ao separatismo, por exemplo, da península da Crimeia, de maioria russa.

Para além do caráter das mobilizações, o que a crise pôs a descoberto é que os governos dominados por oligarcas (os novos burgueses que ficaram com as principais empresas com a restauração capitalista), sejam pró-russos ou pró-ocidentais, levaram o país à ruína. Segundo dados do Banco Mundial, o PIB per capita ainda está abaixo de seu nível de 1989 e em média corresponde a 10% do PIB da UE. A situação piorou com a crise capitalista que diminuiu a demanda de aço, a principal exportação ucraniana, e desde 2009 a economia oscila entre a recessão e a recuperação anêmica. Segundo a União Europeia, necessitaria como mínimo um empréstimo de 35 bilhões de dólares imediatamente. O novo governo será encarregado de fazer com que, como na Grécia e no Estado Espanhol, sejam os trabalhadores e setores populares os que pagarão por esta “ajuda” com ajustes, desvalorização e quitação de subsídios ao consumo popular, o que augura mais crises e convulsões sociais.

Dois campos reacionários

As mobilizações da praça Maidán, ainda que se dirigissem contra um governo corrupto, repressor e defensor dos interesses de um setor dos oligarcas, por sua base social, seu programa e as direções que se puseram à cabeça, não representam uma saída operária e popular para a crise ucraniana. Apesar de que o pano de fundo das manifestações seja o descontentamento produto da deterioração das condições de vida, as mobilizações tiveram seu epicentro em Kiev e no setor ocidental do país, enquanto que o leste, onde está concentrada a classe operária industrial, praticamente não participou.

As ilusões na integração à União Europeia, apesar de que a UE venha aplicando brutais planos de ajuste para descarregar a crise sobre os trabalhadores, levaram a levantar um programa coincidente com os partidos oligarcas proimperialistas, como o partido Pátria de Yulia Timoshenko, e com a extrema direita nacionalista anti-russa, os principais referentes da oposição e interlocutores de Merkel e Obama. As milícias de autodefesa da praça Maidán estiveram formadas fundamentalmente por grupos de choque de reconhecidos partidos neonazistas agrupados no chamado Setor de Direita (Pravy Sektor). Estas direções, a serviço dos interesses das classes dominantes, imprimiram seu selo ao movimento.

Por isto, apesar de que o governo tenha caído, o resultado, longe de ser uma “vitória democrática” para as massas, como diz por exemplo a Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT, cujo principal partido é o PSTU do Brasil), é uma mudança de camarilha capitalista por outra.
O governo que assuma terá como tarefa aplicar os planos que exigem os representantes da UE e do FMI, enquanto que os oligarcas seguirão fazendo seus negócios. A extrema direita nacionalista aguça o ódio anti-russo a serviço desta mesma política pró-imperialista. A classe operária não pode enfrentar estes planos subordinada ao campo de Yanukovich e da Rússia, que já demonstrou que defende os interesses daqueles que enriqueceram saqueando a propriedade estatal. A única saída progressiva à crise é que a classe operária levante um programa independente dos dois campos burgueses em disputa, que defenda expropriar os oligarcas pró-ocidentais ou pró-russos, nacionalizar os bancos, expulsar o imperialismo e lutar por um governo operário e popular.

Chaves

Partido das Regiões: partido do ex-presidente Víctor Yanukovich, sua principal base eleitoral está no leste e no sul, regiões russoparlantes.

Pátria: partido neoliberal, o mais importante da oposição pró-ocidental (tem 25% do parlamento). Sua principal figura é Yulia Timoshenko, que fez fortuna ficando com a companhia de distribuição de gás depois da queda do regime stalinista. Foi condenada em 2011 por corrupção e liberada a 22 de fevereiro de 2014.

Aliança Democrática Ucraniana para a Reforma: partido de orientação similar a Pátria, dirigido Vitali Klitschko, famoso por ser um ex-campeão de boxe. Tem ao redor de 15% do parlamento.

Svoboda (Liberdade): partido nacionalista de extrema direita dirigido por Oleg Tiahnibok. Entrou no parlamento em 2012.

Pravy Sektor (Setor de Direita): rede de organizações de extrema direita que protagonizaram os enfrentamentos na praça Maidán, são anti-russos mas também estão contra a UE.

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