Terça 16 de Abril de 2024

Internacional

Alemanha e Rússia: um nó difícil de desatar

02 Mar 2015 | Desde a restauração capitalista na URSS e o fim da cortina de ferro, a relação produtiva da Europa oriental tem se dividido entre a histórica dependência com a Rússia e o avanço do imperialismo, sobretudo o alemão. A Alemanha reunificada transformou seu parque produtivo utilizando a União Europeia (UE) como meio de submeter o leste da Europa em regiões industriais suplementares à sua indústria e simultaneamente em um grande mercado consumidor.   |   comentários

Desde a restauração capitalista na URSS e o fim da cortina de ferro, a relação produtiva da Europa oriental tem se dividido entre a histórica dependência com a Rússia e o avanço do imperialismo, sobretudo o alemão. A Alemanha reunificada transformou seu parque produtivo utilizando a União Europeia (UE) como meio de submeter o leste da Europa em regiões industriais suplementares à sua indústria e simultaneamente em um grande mercado (...)

Por outro lado a Rússia, na extinta URSS, nos últimos 20 anos, teve seu parque industrial reduzido, se transformando em uma grande exportadora de energia para a Alemanha e o leste europeu enquanto sócia menor no capitalismo.

Desde então, ambos os países disputam influência sobre os países do leste europeu, tendo, hora ou outra os EUA como um adversário de igual ou maior importância. A guerra civil na Ucrânia tem sido palco mais evidente destas duras disputas.

Mas o que é mais turvo nas análises dos grandes jornais são as relações de interdependência econômica entre os dois países, e como os fios desse nó econômico entrelaçam os países do leste.

A dependência energética da Alemanha e da Europa

O governo alemão têm desatado políticas energéticas pesadas para eliminar sua dependência energética da Rússia, aprovando um programa de substituição da matriz energética nuclear e fóssil para energia renovável limpa (solar e eólica especificamente). Esse plano capitalista, entretanto, foi pago pela sobretaxação nas contas que tem custado 380 bilhões de dólares a mais aos lares dos trabalhadores alemães até então, enquanto as indústrias pesadas tiveram direito a subsidio em suas contas.

O preço da energia triplicou de 0,2 euros por quilowatt-hora em 2010 para 0,6 euros em 2014. Nos EUA esse preço está por volta dos 0,4 euros. Isso foi um motor inflacionário e redutor do consumo por longo período.

Existe uma pressão dos EUA, França e Itália através do FMI e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico que Alemanha mude sua politica fiscal para ampliar o consumo interno como forma de auxiliar a recuperação dos mercados centrais da recessão econômica, sua taxa de investimento interno é menor que de 17%, abaixo do acordado entre o Banco Mundial e os países imperialistas.

Essa pressão dos demais países imperialistas, sobretudo os EUA, se dá porque, dentre eles, a Alemanha é um país que não segue o mesmo caminho de se projetar na economia mundial através do capital financeiro, mas mantêm a posição de segundo maior exportador mundial atrás da China somente, e sua política de investimentos não pressupõe ampliar o consumo interno para garanti uma balança de transações internacionais favorável, sobretudo com o leste europeu. Por isso a resistência de Merkel em baixar a guarda e aceitar um maior endividamento de seu país.

A disputa da Alemanha com as demais superpotências capitalistas limita portanto a capacidade do país em se enfrentar com a Rússia, pelo contrário, pressiona Berlim a buscar maneiras pactuadas e a uma difícil semicolonização da Rússia sob seus interesses.

Rússia e expansão energética

A Rússia está em uma grave crise econômica, motivada principalmente pela política norte-americana de valorização do dólar e, indiretamente, de depreciação do preço do barril de petróleo e derivados, o que interferiu diretamente na balança de pagamentos de países dependentes da exportação de petróleo e energia e de investimentos estrangeiros como Rússia e Venezuela.

A Gazprom, maior estatal de gás e petróleo da Rússia, que controla 15% das reservas mundiais de gás e uma considerável quantidade das reservas de petróleo, seguida pela Rosneft. Ela está no eixo desta crise de desvalorização de suas commodities e de fuga de capitais para investimentos. Além disso, grande parte de seus sistemas de abastecimento atravessam os países do leste europeu alvo das disputas de zonas de influência entre Rússia, Alemanha e EUA.

Mas apesar desta crise, a Gazprom possuía planos de conclusão e abertura de construções de expansão da sua oferta energética totalizando investimentos de 300 bilhões de dólares. Devido à crise que reduziu seu orçamento em 20%, abriu mão da construção dos dutos de gás ao sul do país e dos campos de Yamal que ampliariam o fornecimento à Europa e preferiu centrar força na construção do duto de gás e os campos de extração da Sibéria que levará gás até a China. A Gazprom fechou acordos de financiamento de petróleo com a China que envolvem cerca de 400 bilhões de dólares com a promessa de abastecimento de 60 bilhões de metros cúbicos até 2019 com a China.

Isso confirma que a Rússia está buscando fontes de clientes alternativos ao mercado europeu, assim como faz a Alemanha em buscar fontes alternativas à energia russa. Entretanto, o mercado financeiro, dependente de uma economia pujante, pode não ser uma garantia desde o oriente, muito mais frágil neste tabuleiro que a União Europeia. Além disso, Putin está com grandes problemas políticos depois do assassinato de Boris Nemtsov, que pode ser motivo para que se canalize um descontentamento com a inflação e queda do poder de compra dos trabalhadores, fortalecendo uma oposição no país que altere o rumo da política internacional Russa para uma postura menos ofensiva e mais subserviente. Assim, antes da gigante energética Rússia se curvar às políticas de Washington, uma mediação pela via alemã será muito mais funcional pelos fortes laços de dependência com este país.

Conflito na Ucrânia: os limites dos adversários

Esta interdependência entre Alemanha e Rússia, por ora, "limita os objetivos" dos dois países: a Alemanha, que apóia o governo de Kiev contra os militantes pró-russos na guerra civil da Ucrânia, não quer escalar o conflito com a Rússia (foi terminantemente contra as ameaças dos EUA de enviar armas aos ucranianos contra a Rússia) e se limita a aplicar sanções contra a oligarquia russa. Putin, por sua vez, limita-se a defender a zona ocupada pelos rebeldes pró-russos (Lugansk e Donetsky) sem avançar para retomar controle completo sobre a Ucrânia, antiga zona de influência da ex-URSS.

Entretanto, os desequilíbrios com as duas frentes abertas para a Alemanha (Ucrânia e Grécia) e a crise econômica russa (que pode elevar a tensão depois do assassinato do opositor Nemtsov) tendem a instabilizar o cenário de ambos os adversários.

Artigos relacionados: Internacional









  • Não há comentários para este artigo