Sexta 19 de Abril de 2024

Internacional

A um ano da reeleição de Bush: crise no coração do império

30 Nov 2005   |   comentários

Há um ano Bush fora reeleito para mais um mandato, que deve se encerrar em 2009. Sua vitória significou conjunturalmente um voto favorável de grande parte da população norte-americana, sobretudo um setor reacionário cristão radical junto à pequena-burguesia branca, à ofensiva de ocupação do Iraque. O resultado das eleições levava a crer que a estratégia dos neoconservadores de tentar impor um “novo século norte-americano” a partir de uma política externa belicista, que se combina a uma política interna de ataques aos direitos dos trabalhadores e do povo, contaria com o apoio da maioria da população daquele país. Entretanto, hoje o governo de Bush já entra para a história recente dos EUA como um dos mais impopulares.

Nas últimas semanas o governo reacionário de Bush amargou o aumento de seu desgaste, resultante de sua política assassina e de privilégios à burguesia imperialista. Enquanto buscava se recuperar da crise aberta após a passagem do furacão Katrina, que escancarou aos olhos do mundo inteiro a política racista de Bush, os índices de aprovação ao seu governo alcança apenas 39%, o mais baixo desde que Bush filho se fez presidente. Esta queda se deve aos escândalos envolvendo a alta cúpula dos Republicanos, e a derrotas políticas impostas por sua própria base, na mesma semana em que o número de soldados norte-americanos mortos no Iraque chegou a 2000, enquanto 25.000 iraquianos

O fato deste governo - que encarna os setores mais reacionários da burguesia norte-americana - já vir sendo odiado há tempos pelos povos de todo o mundo, sobretudo das semicolonias que vivem oprimidos sob sua bota, já é há tempos amplamente conhecido.

Porém, o desgaste interno que este vêm enfrentando é um elemento que pode levar à aceleração das contradições que o imperialismo norte-americano tem enfrentado para garantir sua localização como principal potência hegemónica.

Iraque: guerra por fora da correlação de forças transforma cada avanço tático do imperialismo em uma nova contradição

A guerra do Iraque, deflagrada pelo governo Bush há dois anos e meio baseou-se na situação reacionária aberta mundialmente após os atentados de 11 de Setembro, que o governo dos EUA buscou utilizar para efetivar sua política de guerras preventivas, inaugurando a era das ofensivas “unilateralistas” em detrimento do “multilaterialismo” de Clinton na década de 90. Os EUA buscavam invadir o Iraque para mudar o mapa do Oriente Médio de modo a favorecer seus interesses na região e, sobretudo para reafirmar sua liderança frente aos demais imperialismos, como França e Alemanha, num momento marcado pela falta de consenso sobre qual papel cada uma destas potências teria mundialmente.

Porém, esta guerra tem lançado os EUA num mar de contradições, mostrando ter sido uma ofensiva por fora da real correlação de forças. Apesar da rápida vitória militar, o imperialismo tem que se enfrentar até hoje com a resistência iraquiana, e com a dificuldade em estabelecer aí um regime relativamente estável. Isto faz com que cada vitória tática do imperialismo no Iraque, seja acompanhada por novas contradições de difícil resolução.

A recente aprovação do referendo à constituição do Iraque é um dos exemplos. Apesar de ter sido indubitavelmente uma vitória tática do imperialismo, já que dias antes do referendo havia dúvidas se este realmente se realizaria tendo em vista as manifestações da insurgência e a falta de acordo entre as frações iraquianas, o resultado deste é contraditório. O texto da constituição fortalece o Iraque como um estado federal, e enfraquece o poder central. Assim aos xiitas, maioria numérica que fora oprimida durante a ditadura do Partido Baath, corresponderia importantes regiões do país, enquanto os curdos ficariam com o norte, região rica em petróleo. Já os sunitas seriam a única fração à qual restaria uma região pobre em petróleo, sendo por isso um setor que tem tido rusgas constantes com as forças de ocupação. Isso pode levar ao aumento das tensões internas.

O imperialismo tem buscado se apoiar nas divisões entre as frações iraquianas, para através do governo dócil de Jalal Talabani criar as bases que permitam salvaguardar seu poder sobre o país e a região. Porém, este intento se vê dificultado justamente pelo simples fato de que será muito difícil contentar todas as frações iraquianas.

Ainda que o imperialismo tenha conseguido cooptar as direções dos xiitas, como o aiatolá Ali Al Sistani que utilizou sua autoridade para acabar com a resistência xiita contra a ocupação, e pactuar com a burguesia curda o controle sobre os postos de petróleo já existentes em sua região, as contradições não se fecham. A resistência armada sunita continua atuando, e inclusive aumentou suas ações. Segundo o general norte-americano Peter Pace [1]os ataques à bomba aos comboios das tropas de ocupação aumentaram ao longo do mês de outubro. As mortes dos soldados norte-americanas têm aumentado, o que está levando à desmoralização das tropas e ao questionamento sobre qual o sentido da continuidade da ocupação.

Por outro lado, a própria retirada das tropas resultaria problemática para o governo Bush. Como bem assinala o sociólogo Immanuel Wallerstein “Ele gostaria de retirar-se de forma digna, dando alguma aparência de vitória. Mas se tenta fazer isto, se confrontará com o desprezo e descontentamento ferozes pelo partido da guerra. Se não o faz, confrontará o feroz repúdio daqueles que pensam que há que se retirar. Ao final não poderá satisfazer a ninguém, perderá força precipitadamente e as pessoas o recordarão com ignomínia” . [2]

Manifestações nos EUA: descontentamento popular avança

O sentimento de repúdio à Bush tem aumentado nos EUA, trazendo um novo elemento de instabilidade: as manifestações que acontecem nas principais capitais do império. Cada dia se torna mais claro aos olhos de amplos setores da população norte-americana que a guerra do Iraque foi realizada com base em mentiras. O pânico das massas norte-americana, matéria-prima disseminada e capitalizada por Bush e sua cúpula após os atentados de 11 de Setembro para justificar suas guerras preventivas, agora cede lugar ao descontentamento com a ocupação.

Um grande movimento se iniciou tendo à frente Cindy Sheehan, mãe de um soldado morto no Iraque, que acampou durante meses na porta do rancho de Bush, exigindo que este cessasse a ocupação naquele país. Em questão de semanas centenas de pessoas se somaram a ela, exigindo o fim da ocupação e a retirada imediata das tropas. Manifestações cada vez mais massivas têm se realizado a partir de então em Washington, e demais capitais dos EUA exigindo o fim da ocupação imperialista no Iraque, e questionando o tratamento despendido aos prisioneiros de Abu Gharib e da base de Guantanamo.

Ainda que os democratas possam capitalizar politicamente alguns destes setores, há a possibilidade de que outros se radicalizem e avancem no sentido de constituir uma nova vanguarda no seio do principal imperialismo, a exemplo de outros movimentos como o antiglobalização. Por outro lado, o repúdio à guerra do Iraque transcende inclusive os setores que estão mobilizados, expressando-se em fatias cada vez mais maiores da população, e, sobretudo da importante classe nédia.

A crise na cúpula dos falcões de Washington

Mas além de ser cada vez mais questionado e repudiado junto a setores cada vez maiores da população norte-americana, o governo Bush passa também a enfrentar disputas entre os conservadores que integram sua própria base de apoio.

Nas últimas semanas Bush sofreu uma derrota importante, com a renúncia forçada de Harriet Miers, assessora particular do presidente norte-americano, para a Suprema Corte de Justiça. O recuo de Bush, e de sua indicada, foi o resultado de uma ofensiva campanha de alguns senadores do próprio Partido Republicano contrários a esta nomeação. De acordo com as leis dos EUA todos os que são indicados a cargos altos podem ser submetidos a uma avaliação do Senado para serem “aprovados” . Se Bush ou Miers insistisse nesta nomeação, documentos relacionados aos conselhos prestados pela advogada ao presidente poderiam vir à tona, criando uma situação de pressão ainda maior sobre ambos.

Dessa forma, Bush foi obrigado a nomear Samuel Alito ’ juiz reconhecidamente conservador ’ para conseguir pacificar as frações do Partido Republicano. Esta constitui uma importante derrota política de Bush, na medida em que foi fruto da ação da base de seu próprio partido, cujos setores opositores acabaram questionando a própria autoridade de Bush, ao colocar em dúvida a competência de sua favorita para o cargo mais importante do poder judiciário. Neste sentido, este episódio explicita uma falta de consenso que começa a ter expressões mais claras entre as alas que compõem o Partido Republicano. Não está descartada a tendência de que frente à crescente queda na popularidade de Bush, esta disputa se intensifique ainda mais, inaugurando um cenário de crise entre os conservadores, no qual algumas de suas alas busquem se diferenciar de Bush atuando de maneira a isola-lo politicamente.

Soma-se a isto um dos mais importantes escândalos ocorridos desde a reeleição de Bush, envolvendo a alta cúpula do governo: Karl Roove, conselheiro especial de Bush, e Lewis “Scooter” Libby, chefe do gabinete do vice-presidente Dick Cheney. Eles são apontados como os responsáveis pela divulgação do nome da espiã da CIA, Valerie Plumer, a um jornalista em represália às declarações feitas por seu marido, o embaixador Joe Wilson, em 2003. Nestas declarações Joe Wilson atacou a política do governo de deflagrar a guerra do Iraque, afirmando ser mentira a existência de armas de destruição de massas naquele país. O escândalo forçou Libby a pedir a renúncia de seu cargo, sendo o primeiro funcionário do alto escalão da Casa Branca a ser indiciado em 130 anos. Já Karl Rove apesar de não estar sob investigação será obrigado a pelo menos se desculpar publicamente. O problema é que ele insiste em sua inocência, enquanto provas substanciais já foram reunidas pelos promotores do caso, nas quais se atesta a sua participação no vazamento do nome da espiã.

Estes acontecimentos têm exercido uma enorme pressão ao governo Bush, agudizando ainda mais o repúdio popular em relação ao governo, e desnudando as mentiras propagadas pelos falcões para garantir sua política. Além disso, o escândalo traz novamente à tona o debate sobre as razões e as justificativas mentirosas de Bush e suas aves de rapina para invadir o Iraque, debate indigesto para a cúpula do governo.

Segundo o jornal The Washington Post a maioria dos norte-americanos reagiu às denúncias apontando que existem problemas “éticos” profundos em relação ao governo Bush. Esta é opinião de cerca de 67% dos entrevistados em uma pesquisa realizada pela ABC News no dia seguinte ao estouro do escândalo, ao passo que 68% acreditam que o país está mal encaminhado.

Estes dados mostram que a desaprovação da política neoconservadora de Bush está moldando cada vez mais as posições da poderosa opinião pública norte-americana, enfraquecendo por sua vez a margem de manobra do presidente norte-americano para seguir com seus ataques tanto externos, como a política de guerras preventivas, como internos com as políticas económicas que privilegiam a burguesia imperialista, cortando os impostos destes para lançá-los sobre as costas dos trabalhadores e povo pobre do país. Este processo inaugura uma situação que pode se desenvolver em favor dos trabalhadores e do movimento de massas, nos EUA e no mundo.

Nós que nos manifestamos contra o governo reacionário de Bush, e da política imperialista na América Latina, devemos nos unificar aos setores do povo norte-americano que começa a se manifestar.

[1Agência AFP 04/10/05

[2Página 12 ’ www.pagina12.com.ar

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