Sexta 29 de Março de 2024

Internacional

IV Conferência da Fração Trotskista

A situação internacional

24 Mar 2007 | Uma sessão da Conferência esteve dedicada a aprofundar a análise da situação internacional, partindo dos aspectos apontados no artigo "A débâcle no Iraque e a decadência da hegemonia norte-americana", no marco mais geral da análise apresentada no Manifesto da III Conferência da FT-QI. Apresentamos aqui as principais conclusões, redigidas com base em um informe elaborado por uma comissão especial de delegados.   |   comentários

1. O fato mais dinâmico da situação internacional é a crise da hegemonia norte-americana. Como aponta um importante analista: "o poder dos EUA é forte o suficiente para estabelecer uma agenda para a atividade internacional, porém é demasiado débil para implementá-la de forma efetiva globalmente. O poder de outros atores, sejam eles estatais ou sub-estatais, é forte o suficiente para resistir a uma agenda norte-americana, porém demasiado débil para dar forma a uma alternativa internacionalmente atrativa ou para implementar uma agenda local duradoura livre de influência exterior". No entanto, esta crise não chega ainda a manifestar-se em (ou confluir com) um deslocamento do sistema económico e/ou interestatal a nível internacional como foi a situação internacional da década de 1930.

2. Esta crise de hegemonia norte-americana está amortizada por um crescimento da economia mundial, baseado centralmente no papel dos EUA como grande consumidor em última instância e da China como nova oficina manufatureira e exportadora a nível mundial. Este crescimento abarca inclusive a maioria dos países da periferia capitalista, como é o caso da América Latina, porém sem que o mesmo constitua um novo período de crescimento "orgânico" da economia mundial como foi o período prévio ao início da época imperialista (de finais do século XIX até 1914-1917), ou parcialmente o chamado boom do segundo pós-guerra. Ao mesmo tempo, continuam se exacerbando as contradições acumuladas pela economia internacional, o que pode conduzir a novas crises financeiras ou económicas, como prenuncia a "terça-feira maldita" de 27/2.

3. A débâcle norte-americana no Iraque segue sendo o ponto mais crítico na situação internacional. Uma derrota humilhante teria profundas conseqüências para o imperialismo norte-americano, não só pela importância estratégica da região, mas também pela maior debilidade dos EUA e a ausência do stalinismo como mediação a nível internacional, se a comparamos com a derrota militar no Vietnã. Ante isso, existe uma possibilidade de que a atual administração norte-americana decida ampliar a guerra ao Irã, atacando suas instalações nucleares. Contudo, apesar do peso da fração mais guerreirista liderada pelo vice-presidente Cheney, não se pode descartar um giro rumo a uma política mais "realista" (negociações diplomáticas) dada a enorme oposição não só do movimento de massas como também de crescentes setores do establishment político e militar de Washington.

4. Qualquer que seja o resultado final da guerra do Iraque, e ante uma eventual mudança da administração norte-americana (e um provável triunfo dos democratas), é altamente improvável que esta possa voltar ao status quo anterior à guerra do Iraque. Pelo contrário, o que se pode prever é que o próximo governo norte-americano se caracterize por sua debilidade no plano internacional, apesar de que retorne a uma política mais pragmática e menos unilateral (inspirada no "multilateralismo soft" de Clinton nos anos 90).

5. Neste marco se desenvolvem fenómenos políticos e de luta de classes, alentados pela crise da hegemonia norte-americana e o fortalecimento estrutural de setores da classe operária, ao calor do crescimento da economia mundial (como é o caso dos mineiros em toda a América Latina). Estes processos abarcam:

a) processos agudos da luta de classes:

No Iraque, uma resistência nacional armada contra a ocupação imperialista, ainda que combinada crescentemente (e de forma reacionária) com uma guerra civil de caráter fratricida;
A primeira derrota militar do Exército sionista de Israel pelas mãos do Hezbollah (acontecimento que pode ter um impacto duradouro nas massas da região) e a tentativa deste de mudar a relação de forças no interior do Líbano, mediante ações de pressão que incluíram manifestações e até a greve geral contra o governo pró-imperialista de Siniora; A resistência à ocupação israelense da Faixa de Gaza e, ultimamente, elementos de guerra civil entre o Hamas, apoiado pelo Irã, e a presidência de Abbas do Fatah, apoiado pelos governos burgueses reacionários árabes da região e fundamentalmente pelo imperialismo.

b) processos em que a classe operária tende a desempenhar um papel mais central, expressando a tendência à lenta recomposição do proletariado, e cujo ponto mais alta no último período foi a Comuna de Oaxaca. Por outro lado, houve fenómenos de luta de setores não operários como foram as mobilizações estudantis multitudinárias no Chile em que chegaram a participar ao redor de 600 mil secundaristas.

c) estes novos fenómenos da luta de classes não se desenvolvem apenas na periferia capitalista, mas têm-se dado crescentemente nos países centrais, com indicam, por exemplo, a luta anti CPE na França; a luta estudantil na Grécia; a mobilização contra a ampliação da base norte-americana em Vicenza, Itália; as lutas dos imigrantes nos EUA e a reativação do movimento anti-guerra nesse mesmo país.

6. A recomposição da classe operária é lenta e tortuosa não somente pelas derrotas acumuladas nas últimas décadas (restauração do capitalismo nos ex-Estados operários burocratizados, precarização trabalhista, e divisão das fileiras operárias devido à ofensiva neoliberal, etc), mas também porque, como subproduto destas derrotas, ela deve enfrentar aparatos historicamente reformista do movimento operário, como a social-democracia, as distintas variantes do stalinismo e as burocracias sindicais, que se transformaram majoritariamente em "social-liberais", desde os anos 1980 e fundamentalmente durante os anos 90. Antes possuíam um caráter socialmente contra-revolucioná rio (faziam tudo o que podiam para evitar a revolução social) porém eram politicamente reformistas (exigiam certas concessões à burguesia, alentando às vezes lutas parciais). Agora vêm abandonando crescentemente este último aspecto, com sua colaboração ativa na ofensiva neoliberal e com a restauração capitalista na Rússia, na China, no leste europeu. Essa passagem ao social-liberalismo é mais aberto nos partidos social-democratas (incluídos a maioria dos ex-stalinistas) que nos sindicatos, onde as burocracias operárias têm de se manter à frente de organizações que, ainda que enormemente corrompidas e adaptadas ao regime burguês, seguem agrupando importantes setores da classe trabalhadora.

Este giro à direita das direções do movimento de massas implica que a emergência da luta da classe operária depende em grande medida da rebelião espontânea das bases, sem receber os impulsos parciais e limitados "a partir de cima" que, por exemplo, lançava às vezes a burocracia stalinista nos países capitalistas como forma de pressionar para alguma negociação (e assim poder depois frear e trair melhor nos ascensos revolucionários) durante a "Guerra Fria". Esta situação, apesar de que retarda os ritmos da luta de classes hoje e facilita que os processos sejam desviados com falas promessas, potencialmente coloca a possibilidade de uma maior radicalização das lutas e do fortalecimento das tendências revolucionárias frente a crises mais agudas, já que as burocracias operárias (políticas e sindicais) são mais débeis que as direções tradicionais reformistas do movimento operário.

7. A Conferência constata que, das novas mediações que apareceram na América Latina, a principal é o chavismo, cuja influência se estende em grande parte do continente. Esta corrente nacionalista é uma variante burguesa light que está muito aquém de outros movimentos nacionalistas burgueses das décadas passadas, como foi o cardenismo ou o peronismo. No entanto, é um importante obstáculo ao início do processo de recomposição do movimento de massas, devido à comparação que estas fazem com os governos fantoches e pró-imperialistas da década passada, como Menem, Fujimori, FHC, Salinas de Gortari, Sánchez de Losada, etc.

Portanto, a Conferência resolve impulsionar uma campanha política permanente, que levante as demandas antiimperialistas do movimento de massas e promova a independência política dos trabalhadores desmascarando o caráter burguês e pseudo nacionalista do chavismo.

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