Sexta 19 de Abril de 2024

Nacional

BELO HORIZONTE

A raiva da população contra seu “capitão-do-mato”: os conflitos em BH e um debate sobre o que a mídia chamou de vândalos e a violência dos agentes da repressão

04 Jul 2013   |   comentários

As grandes marchas que foram protagonizadas nas últimas duas semanas pela juventude e outros setores da sociedade em Belo Horizonte, que ocorreram em dias de jogos da Copa das Confederações e se dirigiram ao Mineirão, tiveram uma marca em comum. Todas as três marchas foram marcadas, em níveis diferentes, pela brutal repressão policial, com suas prisões, bombas, gases – que vêm seguidos por feridos, presos, espancados pela polícia, e até um morto -, e (...)

As grandes marchas que foram protagonizadas nas últimas duas semanas pela juventude e outros setores da sociedade em Belo Horizonte, que ocorreram em dias de jogos da Copa das Confederações e se dirigiram ao Mineirão, tiveram uma marca em comum. Todas as três marchas foram marcadas, em níveis diferentes, pela brutal repressão policial, com suas prisões, bombas, gases – que vêm seguidos por feridos, presos, espancados pela polícia, e até um morto -, e pela resistência da juventude, que combateu nas ruas o batalhão de choque e a cavalaria do governo Anastasia e até mesmo a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) da presidenta Dilma, que teve na UFMG seu forte policial para reprimir a juventude e os trabalhadores. Pudemos observar que as manifestações em todo o país tiveram centenas de feridos e presos por protestar. Todas essas pessoas foram vítimas da mesma força repressiva que se mantém desde a ditadura miliar e cotidianamente age com violência nas periferias, favelas e aglomerados das grandes cidades Brasil afora. É a mesma força responsável pelo recente assassinato de 13 jovens na favela da Maré, no Rio de Janeiro, pela morte recorrente de jovens e crianças nos aglomerados de Belo Horizonte, etc. A FNSP é um corpo policial federal criado em 2004 pelo governo Lula para uso da Presidência da República, e que já foi utilizado por Dilma para reprimir operários em greve em Jirau, Belo Monte e no porto de Suape. Também foi utilizado na repressão aos indígenas da etnia Guarani-Kaiowá. É a mesma força policial que massacra jovens e trabalhadores nas periferias do DF e que recebe seu treinamento de guerra no Haiti. Essa força à mando do Executivo já tinha um currículo invejável de repressão aos movimentos sociais e manifestações dos diversos setores da sociedade, indígenas, operários, moradores de periferias e até experiência internacional. E agora seria utilizada para reprimir as manifestações da juventude contra a miséria da vida, o trabalho precário, a falta de liberdades democráticas e o sistema político degradado, que se colocam contra o governo do PT.

A experiência da juventude

No dia 17 de junho, dia de mobilizações de mais de 250 mil a nível nacional, houve o primeiro grande ato em BH que se dirigiu ao Mineirão, com cerca de 40 mil pessoas. Por duas vezes durante a marcha, cordões policiais foram formados para impedir que os manifestantes prosseguissem. Perto do limite do 2 km da “área FIFA” em torno ao Mineirão, já ao lado das grades da UFMG, formou-se uma barreira, que pretendia ser a definitiva, pelos policiais do Batalhão de Choque. Nesse dia, estava presente no corpo da marcha a Comandante da Polícia Militar em Belo Horizonte, a Coronel Cláudia Romualdo, que estava sendo apoiada por certos setores da marcha, tirando fotos com várias pessoas, sendo protegida por manifestantes e tendo espaço para fazer falas em um carro-de-som. Os poucos manifestantes que repudiavam a ação da PM e a presença da comandante eram tido como “radicais intransigentes”. Uma manifestante – que compunha o bloco pelo passe-livre, contra a repressão e pela aliança operário-estudantil, desde a Filosofia/UFMG – levava um cartaz dizendo “recebe o mérito a farda que pratica o mal”, mas o assunto não recebia uma atenção real do restante da manifestação. Porém nem as supostas ordens da Comandante para que o Batalhão de Choque da PM não reprimisse foram suficientes para impedir que, ao primeiro sinal de determinação por parte dos manifestantes em chegar ao Mineirão, o Batalhão de Choque agisse com violência para cima dos manifestantes. Bombas, tiros de borracha e gás lacrimogêneo foram um primeiro momento da experiência do movimento com a repressão policial que cotidianamente atinge a população negra, trabalhadora, operária e moradora das periferias de Belo Horizonte. Vários manifestantes foram presos, porém a resistência por parte da marcha, levantando barricadas, conseguiu com que o Batalhão de Choque recuasse e permitisse a passagem dos manifestantes pelo cordão policial. Uma armadilha que foi montada para que uma grande parte da marcha ficasse encurralada entre três cordões policiais. Nesse momento a repressão foi retomada pela polícia, atirando bombas para todos os lados com o intuito de dispersar a manifestação. Esse foi o momento em que duas pessoas caíram do viaduto José Alencar, enquanto milhares eram dispersados por dezenas de bombas, gases e carros de polícia. A marcha foi dispersada, mas a juventude e os trabalhadores que estavam nela aprenderam uma lição que não seria facilmente esquecida. A de que não adianta confiar nos agentes da repressão, não importam suas promessas, e sim na resistência popular, para poder garantir o livre direito de se manifestar por suas demandas.

A juventude em massa enfrenta a polícia: vandalismo ou ódio legítimo?

No sábado, dia 22 de junho, se repetiu o mesmo trajeto por parte da manifestação. Agora eram mais de 100 mil manifestantes nas ruas. Seguiriam da praça Sete em direção à av. Antônio Carlos e ao Mineirão. Era um momento de ofensiva por parte da mídia burguesa, que buscou dialogar com o sentimento massivo contra o sistema político e com os preconceitos nacionalistas e pacifistas da classe média para tentar moldar um movimento sob suas rédeas institucionais da democracia burguesa e onde a própria capa do principal veículo de comunicação da imprensa burguesa mineira, o Estado de Minas, chamava as pessoas à irem as ruas no sábado. Por outro lado, era o dia em que estaria em operação, a pedido do governador Antonio Anastasia (PSDB) e autorizados pela presidência de Dilma (PT), um efetivo de 166 homens da Força Nacional de Segurança Pública. O que se viu nas ruas no dia 22 foi um combate de horas, massivo, da juventude que participava do ato, contra o Choque, a cavalaria e a FNSP. Por duas vezes a juventude fez a cavalaria do governo Anastasia recuar. Enquanto resistiam ao ataque da cavalaria por um lado, os manifestantes observaram atônitos o campus da UFMG ser utilizado, com autorização do reitor – aspirante à cargo de ministro da ciência e tecnologia do governo Dilma –, como forte policial pela FNSP, que atirava bombas lá de dentro, escondia militares na mata para observar os manifestantes, e utilizou a entrada e o portão principal da universidade como trincheira para as suas forças. Nesse dia mais quatro pessoas caíram do viaduto José Alencar. A manifestação, que se manteve coesa durante o combate massivo contra a polícia, teve que recuar por inteiro de volta ao centro da cidade, deixando um rastro de ódio contra tudo que representava o poder capitalista pelo caminho. Bancos, concessionárias de luxo e outdoors da Copa foram deixados em chamas pelos manifestantes, que não tocaram em pequenos comércios e nos instrumentos de trabalho que estavam nos canteiros de obras pelo caminho. No movimento de conjunto começava a se gestar um ponto de ligação importante com a sensibilidade dos setores mais precarizados da juventude trabalhadora, que é o ódio contra a polícia que reprime cotidianamente a população na grande BH e nos aglomerados. O retorno ao centro foi marcado pela revolta contra a repressão policial. Também o ódio à polícia passou a vigorar com mais unanimidade entre os manifestantes, sendo que nesse mesmo caminho de volta várias palavras de ordem foram gritadas contra a polícia e contra o estado capitalista violento e opressor.

Na marcha seguinte, dia 26 de junho, estava em curso uma ofensiva da mídia burguesa em dizer que existiam dois setores nas marchas, para esconder o combate massivo que se deu no sábado. Vândalos encapuzados, que causavam confusão se enfrentando com as forças de repressão, e manifestantes pacíficos, que não queriam o conflito. A PM e o prefeito Márcio Lacerda se pronunciaram dizendo que nesse dia seria “tolerância zero” contra os vândalos, que a polícia prendeu pouco e usou muito pouco de seus cassetetes no sábado. A Coronel Cláudia se pronuncia dizendo que quem saísse para se manifestar no dia 26 estaria cometendo suicídio. 60 mil pessoas foram às ruas. Um setor massivo da juventude queria respostas para a violência que sofre cotidianamente e à repressão que sofreu nos último atos, e se aglomeravam no local do último conflito. Mais uma vez a repressão foi brutal, e apesar da resistência por parte dos que estavam no local, muitos foram presos, e nesse dia caíram mais duas pessoas do viaduto José Alencar. Esse foi o dia em que um jovem metalúrgico de 21 anos, Douglas Henrique, faleceu após a queda. Seja na mão da sanguinária Força Nacional do governo do PT, seja na mão da PM do governo Anastasia, pudemos ver o que oferecem os governos para a juventude trabalhadora. O resultado da política de “tolerância zero” da polícia de Anastasia escoltada pela Força Nacional de Dilma, foi um morto, dezenas de presos, centenas de feridos e o toque de recolher da polícia no centro da cidade anunciado através de um carro de som em ruas escuras após desligamento da iluminação pública por parte da prefeitura.

Polícia: instituição de repressão à serviço da ordem e do Estado da burguesia

Não podemos esquecer que o maior ponto de inflexão das manifestações a nível nacional, a segunda-feira, dia 17 de junho, ocorreu logo após uma brutal repressão policial em São Paulo no dia 13 de junho, que chocou o país com a brutalidade da violência que sofreram a juventude e os trabalhadores que tentaram chegar à Av. Paulista para se manifestar. O ódio legítimo da população contra essa instituição que os reprime cotidianamente e os massacra nas periferias e nos bairros, fez que, em Belo Horizonte, após o enfrentamento massivo do sábado (22/06), a mídia burguesa tentasse impor uma divisão ao movimento, colocando de um lado os manifestantes pacíficos, que não viam porque repudiar os agentes da repressão, e de outro lado a juventude que se enfrentava contra as forças da repressão, chamando-os de vândalos e pedindo uma repressão mais violenta, mais prisões, mais gases e mais cassetetes. A presidente Dilma já havia inaugurado este discurso reacionário no dia 17/06, quando se pronunciou através de sua secretaria de imprensa, dizendo que apoiava (?) todas as manifestações pacíficas, mas que não toleraria a violência e o vandalismo por parte dos manifestantes.

O debate que queremos fazer neste breve artigo, e que a juventude sentiu na pele nas últimas marchas, é sobre o caráter desta instituição. A polícia não poderá nunca estar do lado dos trabalhadores e da população, quando estes se põe em movimento pelos seus direitos e contra a opressão capitalista. Para compreender isso mais profundamente, além da experiência nas ruas (feita tanto pelas marchas, quanto pela população cotidianamente), trazemos também algumas elaborações do marxismo para aclarar a questão. Sobre o surgimento da polícia como uma força armada separada da população, em O Estado e a Revolução, diz Lênin:

“O segundo traço característico do Estado Burguês é a instituição de um poder público que já não corresponde diretamente à população e se organiza também como força armada. Esse poder público separado é indispensável, porque a organização espontânea da população em armas se tornou impossível desde que a sociedade se dividiu em classes. (…) Se essa cisão não existisse, a ‘organização espontânea da população em armas’ se distinguiria certamente, por sua complexidade, por sua técnica, etc., da organização primitiva de um bando de macacos armados de cacetes, ou da de homens primitivos ou associados em clãs, mas seria possível. É porém, impossível, porque a sociedade civilizada está dividida em classes hostis e irreconciliáveis cujo armamento ‘espontâneo’ provocaria a luta armada. Forma-se o Estado; cria-se uma força especial, criam-se corpos armados, e a cada revolução, destruindo o aparelho governamental, põe em evidência como a classe dominante se empenha em reconstituir, a seu serviço, corpos de homens armados (…)”.

O que as ruas do Brasil mostraram nas últimas duas semanas, e as experiências da classe trabalhadora em tomar os céus por assalto nos diversos processos revolucionários da história recente também mostraram mais profundamente, é o caráter da polícia. Não é possível que a classe trabalhadora consiga impor seu poder contra a burguesia e seu Estado, sem enfrentar e dissolver suas forças repressivas. Nem é possível que estas forças repressivas cumpram outro papel que não o de cão-de-guarda da burguesia , de sua propriedade e de seus interesses políticos. Nesse sentido, as propostas de “desmilitarização da PM” ou de “polícia humanitária” estão preocupadas em responder apenas a reformas cosméticas de uma força que existe para reprimir a juventude e os trabalhadores quando esses lutam por seus direitos. Como poderemos desmilitarizar ou humanizar uma instituição que existe unicamente para cumprir o papel de ser uma força militar da burguesia contra os trabalhadores e o povo? Sob o pretexto de ter algo mais “dialogável”, diversos grupos de esquerda se adaptam ao que o PT (que hoje comanda a Força Nacional) defendia antes de entrar no governo, essas propostas que não respondem de maneira concreta como a juventude e os trabalhadores devem se preparar para encarar as forças repressivas do Estado que precisam enfrentar. Nós, da LER–QI, somos pela organização independente dos trabalhadores, que devem recuperar as lições históricas de sua luta, sintetizadas no marxismo revolucionário; essa classe, que é a peça chave da ordem burguesa, deve subvertê-la e romper com suas instituições repressivas, construindo um Estado à serviço dos interesses de toda a população. Como dizemos em outro artigo: “Queremos violar esta ordem maldita junto às mobilizações nacionais, e as massas, tão desprezadas pelo governo federal, não querem ‘outra’ polícia, ‘mais pacífica’ (não se vê essa demanda nas ruas). Para momentos mais agudos da luta de classes, em situações revolucionárias que perpassarão o mundo, devemos nos preparar programaticamente para que os trabalhadores enxerguem a importância de dirigir com suas próprias forças a sua guerra de classes: a polícia deve ser dissolvida e substituída por milícias operárias e populares que operem sua auto-defesa contra a polícia burguesa que vão dissolver, essa é a resposta contra a violência de classe da polícia militar (…) Isso é pelo que substituiremos essa corja racista, fascista e pró-imperialista da polícia." [1]

Abaixo a repressão! Liberdade aos presos políticos! Arquivamento de todos os inquéritos policias contra manifestantes! Retirada de todos os mandatos de prisão aos manifestantes! A PM e a Força de segurança nacional são responsáveis pela morte de Douglas Henrique! Fora PM e Força Nacional! Liberdade aos presos nas greves operárias de Jirau, Belo Monte, Suape, entre outros! Fora FNSP do território Guarani-Kaiowá! Dissolução da polícia! Pelo desmantelamento do aparato repressivo mantido desde a ditadura militar e pela punição de todos os responsáveis, civis e militares, por mortes, torturas e desaparecimentos no período!

[1Andy Acier “Em memória dos 13 mortos no Complexo da Maré, no RJ, pela polícia militar: “desmilitarização” ou dissolução como saída?“,http://blogiskra.com.br/?p=384”.

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