Sábado 20 de Abril de 2024

Teses sobre a situação nacional*

A posição do proletariado

07 Sep 2005   |   comentários

O aguçamento das contradições no campo das classes dominantes, vindo após uma prolongada época de reação triunfante, abre novas possibilidades à ação do proletariado.

1. Surto industrial e superexploração do trabalho

O grande surto registrado na produção industrial do país foi acompanhado de uma alta enorme nos preços dos gêneros de primeira necessidade e da desvalorização interna do mil réis: os salários fora portanto rebaixados, tanto absoluta como relativamente. Entretanto, apesar da intensificação da exploração do trabalho, o proletariado, garroteado pelo estado de guerra, não pode mexer-se, não tugiu nem mugiu.

A produção industrial atingiu cifras recordes mesmo cotejadas com os melhores anos de antes da crise de 30. em São Paulo, a produção fabril passava, em contos, de pouco acima de 2 milhões em 1928-29, para 3.600.000 contos de 1935 para 1936. O proletariado industrial urbano paulista mais do que dobrou os seus efetivos de 1930 ao ano passado, subindo de 119.296 operários a 213.668 em 1935.

Como desde 1931 impera o decreto proibindo a importação de novas maquinarias para as industriais principais do país, sob o pretexto de superprodução, todo o formidável acréscimo produtivo se deve quase exclusivamente à intensificação extrema da produtividade do trabalho na base de um capital constante que relativamente pouco aumentou. De 1934 a 1935, o valor da produção fabril paulista aumentou de 571.958 contos, enquanto o número de operários subiu de 10.796 e os capitais empregados cresceram de 276.853 contos. Esses novos capitais empregados não o foram em novos estabelecimentos fabris porque o número deles diminuiu de 753, entre um ano e outro. Não o foram tampouco, em quantidade apreciável, na aquisição de novas maquinarias, porque mais da metade das maquinas importadas para a indústria em 1935, no número de 881, se destinava a substituir velhas maquinarias de capacidade idêntica, nas industrias consideradas por lei em superprodução. Assim quase todo o crescimento de novos empregos de capitais foi para a aquisição de força de trabalho suplementar e de matéria prima consumida em maior quantidade.

Essa intensificação na produtividade do trabalho se traduziu no formidável aumento das horas de trabalho verificado em todas as indústrias. As fábricas, notadamente as de tecido, chegaram a trabalhar praticamente sem interrupção: não eram poucas as que funcionavam de 16 a 24 horas ao dia. Entretanto, os salários, longe de se elevarem na proporção dessa super-exploração, continuaram abaixo mesmo do nível de antes dessa monstruosa intensificação do trabalho e da utilização ao máximo do capital de base em quase nada ampliado. Eles, vêem sofrendo mesmo uma baixa progressiva de mês em mês. É que o deslocamento das atividades agrícolas para a produção de matérias primas, com prejuízo da cultura de cereais, vem provocando um sensível encarecimento nos preços dos gêneros de primeira necessidade. Por cálculos feitos verificou-se, nos últimos tempos, um crescimento de 90% na carestia de vida. A exportação de cereais para os mercados platinos e as manobras dos acambarcadores agravaram esse fenómeno. Do mesmo modo não permite uma perspectiva de melhoria próxima, nesse sentido o processo que se acentua da desvalorização interna da moeda em virtude das emissões continuas a que vem recorrendo o governo, já em marcha para a inflação pura e simples. Esses fatos indicam que a capacidade aquisitiva das massas só tende a diminuir. Já uma autoridade insuspeita, como a do presidente do Centro Industrial de Juiz de Fora, calculou, em faço do preço de vida, atualmente, que as despesas mínimas de um operário têxtil, num mês, montam a 414$500, ao passo que, como ele próprio reconheceu, “é a mínima porcentagem dos trabalhadores que ganham além de 300$000, mesmo entre os empregados do comércio.”

Os industriais começam a inquietar-se com a situação. Eles já reclamam veementemente contra o preço do feijão, do arroz, da farinha etc., porque teme que essa alta continuada venha a provocar insatisfação e a luta pelo aumento de salários entre os seus operários. Como se o pavor de uma perspectiva de aumento de salário não bastasse, os industriais tremem diante de sinais que anunciam a possibilidade de uma crise próxima de engarrafamento do mercado. Os grandes fabricantes dos grandes centros urbanos já se queixam da concorrência dos pequenos estabelecimentos isentos do pagamento das respectivas licenças, e das fábricas instaladas no interior. É que essas e aqueles não só escapam com maior facilidade aos entraves e ónus da fiscalização e legislação social, como os salários que pagam ainda são menores. Por mais desrespeitadas que sejam as famosas leis sociais, mesmo nas grandes cidades, é evidente que a classe operária é nelas mais capaz de reivindicar e defender os seus direitos. Diante disto, não é por acaso que todas as associações patronais não vêm outro meio de prevenir a crise senão o da “reforma da legislação social, especialmente no que se refere à lei de férias e horário de trabalho” .

Os industriais de tecidos preconizam a reforma da lei de 8 horas, a limitação da jornada de trabalho a 10 horas, a abolição das turmas diárias, substituídas por uma só, sem aumento de salários, e sob o regime extorsivo das “tarefas” . Desse modo, procuram aumentar ainda mais, se é possível, a exploração da produtividade do trabalho, sem que acarrete, no entanto, crescimento no conjunto da produção. Os industriais recusam-se a baixar o custo da produção recorrendo as melhorias técnicas e do aumentos da composição orgânica do capital; o que pretendem pe aumentar o valor do produto pelo acréscimo da mais-valia com a baixa de salários. Essa é a situação na indústria principal do país, a de tecidos. O que se passa nas outras não é diferente.

Na indústria de calçados, que é a segunda do país, em capitais empregados, os seus grandes fabricantes temem até diante do pobre remendão, reclamando a supressão, a decreto, dos artesãos, quando exigem que seja negado a estes o direito de comprar selos de imposto de consumo, desde que o seu registro de licença federal seja gratuito. Embora a produção total de calçados, por ano, seja apenas de 20 milhões de pares de sapatos, inclusivo sandálias, chinelos e as diversas espécies de alpargatas ’ para mais de 40 milhões de habitantes ’ os grandes fabricantes querem contudo obrigar, por lei, a andarem calçados, os milhões de proletários miseráveis que transitam, de pés descalços, pelo perímetro urbano das cidades e vilas de todo o Brasil.

A indústria do cimento ’ a primeira indústria pesada instalada no país ’ está sob a ameaça crescente do “dumping” dos grandes produtores estrangeiros, especialmente, ingleses, alemães e italianos. O cimento nacional não se escoa para além do local de sua produção: os mercados nortistas e sulinos mais afastados das grandes fábricas nacionais não são supridos pelo produto desses estabelecimentos, mas pelo cimento estrangeiro.

Fatores de outra ordem, como climáticos, tem concorrido ultimamente para os mesmos efeitos restritivos dos mercados nacionais, entre os quais avultam as inundações ocorridas nas minas de carvão do Sul, e a seca, que destruiu no Nordeste, metade da safra açucareira de Pernambuco e adjacências, já no ano passado, acarretando, além de uma perda de 1.800.000 sacas, o desemprego de cerca de 20 mil trabalhadores. Ora, somente a indústria paulista manda para ali perto de um terço de suas exportações nacionais. O mercado nordestino consumiu, em 1935, 180 mil contos dessas exportações cabendo a Pernambuco, em particular, 80 mil.

Como se nada disto bastasse, a política ultimamente adotada pelo governo federal, de provocar a alta de câmbio abre de par em par as portas dos mercados nacionais à importação dos produtos manufaturados da indústria estrangeira. Sob a pressão financeira imperialista, o governo foi forçado a intervir no câmbio a fim de facilitar o pagamento das últimas quotas dos serviços das dívidas externas ([...ilegível...] Oswaldo Aranha, termina este ano) e também a transferência para as suas sedes, dos juros e dividendos das empresas estrangeiras aqui instaladas. O Ministro da Fazenda, ao [...ilegível...] assim mostras de boa conduta e boa vontade, quer fazer jus a uma boa recepção dos seus patrões de New York. O resultado é que o crescimento das importações tem sido nos últimos meses bem maior do que o das exportações. Os mercados nacionais estão sendo assim cada vez mais invadidos pelos produtos industriais estrangeiros, e, agora mesmo, os imperialistas americanos estão à espera do Ministro da Fazendo para não só fazer valer o tratado comercial negociado com o Brasil, como brecar quaisquer medidas ulteriores de protecionismo que possam prejudicar de algum modo as disposições daquele tratado.

Todos esses fatores de ordem permanente ou transitórios, ora conjugados, indicam que a luta pela defesa e extensão dos mercados nacionais só tende a agravar-se. E essa perspectiva não é de molde a acomodar, facilmente, dentro do saco de gatos dos interesses em choque, os diversos grupos da burguesia nacional. A produção industrial já não se desenvolve no mesmo ritmo dos últimos anos passados; tudo prenunciando uma nova crise no campo da indústria. A luta de classes tende a intensificar-se. A agitação política ganha amplidão, e aos poucos atingirá camaradas cada vez mais vastas não só da pequena burguesia como do proletariado. Tudo faz crer pois que vamos ter mar alto pela proa.

2. A indiferença aparente do proletariado

Diante dos dissídios que lavram no seio das classes dominantes, em face da sucessão presidencial, parece, à primeira vista, que o proletariado olha para tudo isso com indiferença, como quem diz: são brancos, lá sem entendam.

A indiferença é apenas aparente. A atitude das massas trabalhadoras é de expectativa e reserva. Essa reserva se compreende: é fruto das decepções sofridas ainda recentemente ’ em novembro de 1935. desde fins daquele ano que o proletariado vive sob o tacão da mais infame reação já desencadeada no Brasil. A derrota aliancista-stalinista, seguida da ditadura policial, paralisou a vontade das massas, a fez recuar sem luta e resignar-se à passividade, suportando, caladas, a ofensiva patronal contra o seu nível de vida e condições de trabalho já tão precárias.

Exatamente quando o proletariado mais precisa reunir suas forças e energias para resistir à intensificação da exploração patronal, é que se viu manietado pelas condições políticas adversas, criadas em conseqüência do fracasso do “putsch” stalinista-prestista. Durante esses tempos de sítio e estados de guerra, as fábricas eram dirigidas pela polícia. Nenhum operário, nenhum trabalhador é aceito ou despedido sem que falem os tiras da ordem social. Os patrões abdicaram gostosamente da prerrogativa fundamental do fabricante capitalista ’ a de dispor, a seu talante, da força de trabalho ’ nas mãos da ditadura dos serafins e apolonios. O estado de guerra não foi inventado apenas para prender alguns políticos burgueses, condenar, de qualquer jeito, os elementos real ou supostamente envolvidos no levante e conservar nas masmorras os militantes operários. Uma das maiores finalidades do estado de guerra foi precisamente esta ’ impedir que o grande surto produtivo industrial, conseguido na base quase exclusiva de uma monstruosa intensificação na exploração do trabalho e não na base de novos investimentos de capital constante, provocasse, como fatalmente provocaria, uma nova onda de greves de massa.

Já em 1934, com a recuperação económica em franco desenvolvimento, iniciava-se um novo processo de diferenciação política no campo das classes dominantes, em bases completamente diversas das que alicerçaram o bloco que derrubou Washington. Esse processo só não tomou maior impulso devido ao hiato produzido pela infeliz aventura golpista de 1935. essa aventura, pondo a nu as tremendas contradições de classe, revelando um começo de gangrena no organismo burguês, estancou o processo que apenas começava a entumescer. Em face do perigo iminente, o instinto de classe predominou, passando à frente de qualquer outro sentimento ou necessidade. Fez-se então união sagrada em torno do governo que já vinha perdendo paulatinamente as suas principais bases de apoio. O levante de novembro retardou, assim, o processo de diferenciação política nos círculos burgueses dominantes de quase dois anos.

Só aos poucos, com enorme cautelas, é que os grupos burgueses mais descontentes recomeçaram a ocupar as posições políticas que principiavam a tomar quando estalou o “putsch” . Agora as relações de força parecem outra vez como favoráveis à burguesia. As esquerdas vencidas jazem dispersas e desorientadas. Enquanto a reação fazia a sua obra de esmagamento da vanguarda e de amordaçamento das massas, as contradições económicas prosseguiam na sua evolução surda até alcançarem, como agora, a sua forma mais aguçada, quando a burguesia já se sente bastante forte para tentar resolvê-las politicamente.

Os estrategistas stalinistas, com Prestes à frente, revelaram apenas a sua total incompreensão do desenvolvimento político nas classes dominantes e uma sofreguidão desastrosa de pequenos burgueses incapazes de pesar o processo molecular que se elaborava, surdamente, na infra-estrutura da sociedade. Esse erro custou muito caro ao proletariado, retardando a evolução política das massas. É preciso agora que a vanguarda operária saiba dirigir-se através do labirinto dos acontecimentos, preparando-se para liquidar as conseqüências fatais daquele erro pelo reerguimento da consciência de classe das massas, poluída e esfumaçada pelo oportunismo aliancista e a degenerescência e desmoralização ideológica do stalinismo.

3. Os candidatos se lembram das massas...

Arrastadas fatalmente à luta política em torno do bolo presidencial, as classes dominantes esperam tirar partido do estado de insatisfação das massas, canalizando esse descontentamento como veículo de realização de seus fins. José Américo e Armando Salles querem servir-se das massas como trampolim para o salto ao Catete. Os corruptos burocratas sindicais ministerialistas que, graças aos manejos do Ministério do Trabalho conjugados às violências policiais, se encontram à frente das organizações operárias legais, não perdem vasa nem rusgas, entre quaisquer comparsas políticos burgueses, para se manifestar publicamente, “em nome do proletariado” . Armando de Salles tentou criar em São Paulo uma “união sindical” que era uma verdadeira arapuca de caçar votos, enquanto Agamêmnon tenta transformar as organizações trabalhistas reconhecidas em outras tantas arapucas, a serviço de sua miserável politicagem e do patronato. José Américo, pro seu lado, que nunca viu um sindicato operário, assim que o seu nome foi escolhido, pelo governo federal, para candidato à presidência da república, imediatamente se lembrou de receber “manifestações operárias” à antiga maneira do cravo vermelho de Bernardes e Júlio Prestes.

A pulverização da vanguarda, acrescida do oportunismo e menchevismo cínicos do ex-partido comunista, facilita a penetração dos mistificadores burgueses no seio do proletariado. Se José Américo, pequeno burguês empedernido, inteiramente a serviço do governo semi-fascista de Getúlio, transformado num cego instrumento das camadas burguesas economicamente mais retrógradas ’ grandes proprietárias latifundiários, aliados a certas forças capitalistas urbanas, - faz mesuras, para a galeria pequeno-burguesa das grandes cidades, contra a Light, é, por outro lado, arrastado no curso do movimento, a abrigar-se sob as asas do imperialismo yankee. E já se sente obrigado a fazer juras de respeito ao capital estrangeiro nos jornais americanos. O seu ecletismo exuberante ainda o leva a proclamar, publicamente, que aproveitará, no seu governo, tudo o que houver de “bom” no programa do sigma! Armando Salles, por sua vez brande aos olhos da massa a palavra mágica ’ democracia! Prometendo, ao mesmo tempo, prosperidade para todos, enquanto se prepara a fazer o jogo dos industriais contra as massas.

Apesar da clareza das posições dos dois candidatos, política de um partido que, para desgraça do proletariado ainda conserva a pretensão chamar-se comunista, consiste em pesar qual dos dois faz promessas mais sedutoras as massas. E nesta base vacila entre dar apoio a um ou a outro, ou a ambos. Não há nessa miserável atitude a mais leve tinta de espírito de classe. Stalinistas e prestistas são realistas: isto é, em vez de apelar para as massas exploradas e descontentes se fiam em palavras ocas dos homens escolhidos pela burguesia para prosseguir, depois de Getúlio, a mesma política de opressão. É difícil conceber-se posição mais indigna para um partido que se diz representante dos interesses da classe operária. A tática do ex-partido comunista é hoje a mesma dos velhos corruptos da social-democracia, cuja única sabedoria consistia em perguntar: como fazer para não causar medo à burguesia? E em resposta ajoelharem-se aos pés dos representantes mais diretos do capital financeiro e dos políticos mais reacionários, enterrarem as suas armas de classe e suprimir o proletariado até mesmo de seu vocabulário.

4. A senha da hora

A palavra democracia anda nos lábios de todos os políticos burgueses, inclusive nos de Plínio Salgado. É esta palavra a senha da hora. Bastaria essa unanimidade no campo da burguesia para dar que desconfiar. Foi em nome dela que de Getúlio a Armando Salles, de Rao a José Américo, de Flores a Juracy, toda a canalha política burguesa dominante instaurou o mais infame regime de exceção que já se conheceu no Brasil. Foi com os aplausos de toda essa gente e toda a venalíssima imprensa burguesa que se criaram as medidas mais teratológicas no domínio da repressão e do obscurantismo: estado de guerra, leis sceleradissimas, reformas constitucionais retrógradas, tribunais monstros etc., etc. Em nome dela os sindicatos operários foram fechados, ou, pior que isto, transformados em agencias policiais e repartições burocráticas do Ministério do Trabalho. Em nome dela, operários, empregados, soldados, marinheiros, professores foram expulsos de seus lugares e perderam seu ganha pão. Em nome dela, toda a vanguarda foi perseguida, assassinada, jogada nas ilhas infectas ou nos cubículos nauseabundos. Em nome dela, a polícia assassinou, espancou, serviciou, torturou, desrespeitou lares, humilhou até senadores da república deles! Tudo foi permitido para que Getúlio defendesse a democracia!

Agora é ainda em nome da democracia que esses mesmos homens pretendem tapear as massas espoliadas e espezinhadas que mantiveram e mantém sob o jugo do estado de guerra ou das leis mais hediondas! A vanguarda revolucionária não pode consentir nesta farsa bestial.

A democracia, porém, não é nenhum regime ou norma ideal abstrata, acima das classes, independente do próprio desenvolvimento económico. A democracia, formal ou parlamentar, nasceu com a burguesia e com ela desenvolveu-se e evoluiu. No início do regime capitalista, os benefícios da democracia não se estendiam senão às camaradas mais aquinhoadas da população ’ os proprietários e industriais. Somente quando as conseqüências do novo regime económico generalizadas por toda a parte, se revelaram em todo o seu horror, é que o direito de sufrágio foi estendido a todos os cidadãos, no intuito de dar, por este meio, ao povo, a ilusão de que participava também no governo. A conquista do sufrágio universal custou às massas anos e anos de luta e de sacrifícios, inclusive revoluções políticas. Esse direito político formal dado a todos os cidadãos, indistintamente, correspondeu, no terreno económico, ao começo da grande concentração de capital e da produção da economia moderna. O velho Lafargue, já em seu tempo, expós claramente o fenómeno: “Na sociedade burguesa, quanto mais considerável é o património social, tanto menor é o número dos que dele se apropriam; a mesma coisa se passa com o poder: à medida que crescem a massa dos cidadãos gozando de direitos políticos e o número dos governos eleitos, o poder se concentra, tornando-se o monopólio de um grupo de personalidades que cada diminui mais” .

Enquanto as forças produtivas capitalistas se mantiveram em ascensão, absorvendo cada vez maior número de proletários, as formas democráticas foram também se expandindo até chegar ao sufrágio universal, direto e secreto. O parlamentarismo conheceu, então, o seu apogeu. Nessa mesma época, o proletariado, sob a direção da social-democracia, crescia não só em número como principalmente em organização e maturidade.

Esta época acabou porém com a grande guerra, explosão das forças produtivas acanhadas dentro da camisola de força do Estado Nacional. A concentração da produção e do capital chegava à plenitude dentro dos limites da propriedade privada. As economias nacionais extravasando tendem a transformar-se numa só economia de âmbito mundial. Os países capitalistas mais poderosos dividem entre si os mercados do mundo, tentando, cada qual, organizar a economia mundial nos moldes de seus interesses. Os mercados mundiais são insuficientes para dar vazão ao crescimento das forças produtivas. A luta livre da concorrência nos mercados tende a ser substituída pelo monopólio e os trusts internacionais. Fenómeno paralelo se passa no terreno político: a luta livre da concorrência eleitoral no campo parlamentar tende a ser substituída pela monopolização do poder por um só partido totalitário em detrimento dos outros. É a época em que, sob a forma disfarçada, ou sob a forma crua, a sociedade jaz sob a mesma dominação social ’ a ditadura do capital financeiro. Esse processo de decadência da democracia burguesa é inevitável, e só a revolução proletária pode detÊ-lo.

Já em 1920, antes mesmo do advento de Mussolini, era precisamente esse o pensamento central da Terceira Internacional que acabava de fundar-se. E então Trotsky já dizia, com grande clarividência: “No domínio económico” , afirmava, rebatendo o cretinismo parlamentar de Kautsky, “o imperialismo supunha à queda definitiva do papel da pequena burguesia; no domínio político, significava o aniquilamento total da democracia, pela transformação de sua contextura mesma e pela subordinação de todos os seus meios e de todas as suas instituições aos objetivos do imperialismo... Em todos os países, a questão do poder governamental se colocou nitidamente entre a camarilha capitalista reinando abertamente ou não... e o proletariado revolucionário insurreto, na presença das classes médias espavoridas, perdidas e prostradas... A história não transformou a nação num clube de votar solenemente ’ por maioria de votos ’ a revolução social. Ao contrário, a revolução violenta tornou-se uma necessidade justamente porque as exigências imediatas da história não podiam ser satisfeitas pelo aparelho da democracia parlamentar... A burguesia capitalista” , prossegue Trotsky, “disse consigo: submeterei espiritualmente a pequena burguesia obtusa, conservadora, desprovida de caráter, como ela me é submetida materialmente... Quando, descontente, ela murmurar, criarei válvulas de segurança e pára-raios, às dúzias. Suscitarei, quando for preciso, partidos de oposição, que desaparecerão assim que tiverem preenchido a sua missão de dar à pequena burguesia a ocasião de manifestar a sua revolta sem causar o menor prejuízo ao capitalismo... Corromperei, enganarei, aterrorizarei as camadas mais privilegiadas do proletariado. Enquanto os instrumentos de opressão e de intimidação permanecerem em minhas mãos, pela coordenação de todas estas medidas, não permitirei à vanguarda da classe operária ganhar a consciência da maioria do povo” .

Este é o processo da democracia feito pela análise marxista até à sua atual degenerescência e ao fascismo, em que, de queda em queda, tende fatalmente a desembocar, [...ilegível...] as massas, antes, não tiverem sacudido o jugo do capitalismo.

5. A democracia nos países novos ou dependentes

Assim como o modo de produção capitalista não poderá jamais atingir, nos países novos ou retardados, a mesma plenitude de desenvolvimento e equilíbrio alcançada pelo capitalismo nos velhos países industrializados, assim também no domínio político, o desenrolar da luta de classes naqueles primeiros países já não deixa lograr para qualquer desenvolvimento pleno, orgânico, à européia, das formas democráticas de dominação burguesa. A sorte dos regimes políticos burgueses nos países dependentes está intimamente ligada ao desenvolvimento desigual de suas economias, do grau de pressão imperialista e a fraqueza congênita de seu Estado.

As classes médias, nesses países, do mesmo modo que se podem amoldar dentro dos quadros de uma economia ou de um Estado colonizado, podem prescindir também das galas democráticas do parlamentarismo. Elas trocam gostosamente certas vantagens e decorações políticas por um certo desafogo económico e mesmo por alguma tranqüilidade.

Somente o proletariado e as camadas mais proletarizadas da pequena burguesia são diretamente interessados no vicejamento de um autêntico regime democrático. É o proletariado a única classe que precisa tanto de liberdade quanto de pão, pois sem aquela este não está garantido. Acompanhando paralelamente a expansão de forças produtivas capitalistas, o proletariado pode também desenvolver os seus próprios órgãos de defesa, de expressão e de luta ’ sindicatos, partidos, cooperativas, clubes etc. De modo que quando o capitalismo chegou a sua fase atual imperialista ’ que a Terceira Internacional, ao ser fundada, definiu como época final de guerras e revoluções ’ a classe operária já estava organizada, dispondo se uma armadura social e política em condições de resistir à contra-ofensiva do inimigo acuado. Quando o capital financeiro sentiu que não podia suportar mais os choques cada vez mais violentos entre os dois campos opostos do proletariado e da burguesia, mobilizados como dois exércitos inimigos, decidiu-se contra-atacar para retomar as posições conquistadas pela classe operária. Desde então a política burguesa toma cada vez mais o caráter de uma contra-revolução, em permanência. E o instrumento dessa contra-revolução é constituído precisamente pelos bandos armados do fascismo, pagos pelo capital financeiro com o objetivo principal de destruir os baluartes de defesa e de ataque construídos pelo proletariado dentro da sociedade burguesa ’ as suas organizações próprias: políticas, económicas e sociais. Sem elas o proletariado perde o sei caráter de classe adversa, organizada, pulverizando-se em uma multidão dispersa de assalariados individuais. É precisamente isso o que visa o fascismo.

Nos países dependentes, de economia pouco desenvolvida, o proletariado é jovem, não tendo tão pouco nem o desenvolvimento nem a maturidade da classe operária dos velhos países industrializados. Os seus organismos de classe ainda são rudimentares, como rudimentar é ainda a sua expressão político-partidária. O proletariado precisa ainda de tempo, de espaço e liberdade de ação para organizar-se autonomamente. Mas a burguesia, por sua vez, já não lhe pode dar lazeres para tanto, e sua política consiste, justamente, em lançar mão de todos os seus recurso para impedir à sua classe operária organizar-se livremente.

Se na aurora do capitalismo,a própria burguesia teve que sustentar luta heróicas para conquistar a igualdade política contra os privilégios feudais, nos países novos, principalmente no Novo Mundo, isso não se deu. A burguesia, nesses países, nasceu no campo e, por isso mesmo, assinalou-se desde o início da sociedade colonial, como a classe mais reacionária. A democracia, para ela, não passou nunca, por conseguinte, de uma nova superestrutura estatal rígida, uma ordem jurídica estática que importou, pronta, como um figurino dos Estados mais adiantados. A democracia para ela não representa uma conquista ganha, na luta, exprimindo a ascensão histórica de uma classe, como o caso dos países do Velho Mundo, onde medrou, durante séculos, a sociedade feudal.

O proletariado é assim forçado a lutar pela conquista das liberdades democráticas sozinho, e contra a própria burguesia. A luta democrática é, pois, nos países de capitalismo incipiente, como o Brasil, uma luta eminentemente de classe. Passando a democracia a ser [...ilegível...] do interesse da classe operária, a burguesia perde, na mesma proporção, todo o encanto por ela. Não é por [...ilegível...] pura, ou por efeito do clima, ou falta de leitura, que os políticos burgueses, na América do Sul, se transformam tão facilmente, chegando ao poder, em sobas [...ilegível...].

A pequena burguesia, por sua vez, espiritualmente dominada e conduzida pela grande burguesia, cedo também tende a perder o encanto pela democracia, sobretudo porque o peso social e a influência política do proletariado não tem nesses países a preponderância que tem nos países de grande indústria. Facilmente explorável pelas piores forças reacionárias, a pequena burguesia tende a fazer recair parte da culpa pelos males de que padece sobre as costas do proletariado, cuja ação e cujas lutas ela se inclina a condenar como “prematuras” . Condenando a “impaciência” do proletariado, os pequenos burgueses inocentam a própria burguesia nacional. Em compensação descarregam parte de seu ódio sobre o capital estrangeiro, mas despido de qualquer conteúdo social, separado das classes em lutam transformado em abstrações como o “banqueirismo internacional” etc. No máximo, concretizam-no em determinadas empresas imperialistas monopolizadoras de serviços públicos, como a Light etc. Dessa forma, a luta anti-imperialista ’ que é a expressão mais alta da luta de classes ’ se disfarça numa campanha amorfa, sem sentido de classe, numa explosão confusa de xenofobismo, isto é, num dos melhores entorpecentes para cretinizar o pequeno burguês e arrastá-lo ao campo fascista.

6. O fascismo colonial

Nos países como o Brasil, a democracia tem um caráter precário, devendo ser a cada momento reconquistada. Nos países de grande indústria, o capital financeiro, ao armar os seus bandos, mobiliza, graças a um programa ultrademagógico, a pequena burguesia, em desespero para atirá-la contra a classe operária e destruir as suas organizações. Nos países novos, porém, o proletariado, ainda fraco relativamente ao número e a organização, ainda não representa um perigo iminente para o regime dominante: por isso mesmo o fascismo não pode aparecer como uma força autónoma especializada em destroçar o estado de organização coletiva a que chegou a classe operária. O fascismo surge, antes, como uma força auxiliar, preventiva, do aparelho repressivo do Estado.

Nos velhos países, para a realização de sua obra de destruição das organizações operárias, ao fascismo não basta arregimentar os seus gangsteres, mas precisa apresentar um programa fundamentalmente demagógico, com fortes tintas de socialismo. Do contrário, não poderia criar um vasto movimento de massas, abrangendo mesmo certas camadas proletárias. Nos países de capitalismo incipiente, como o nosso, é difícil ao fascismo adotar um tal programa, pois, no campo, proletário, as expressões de consciência de classes e experiência política não alcançaram ainda um grau superior, traduzido principalmente por um partido revolucionário socialista de massa. Não tendo como tarefa imediata, primordial, arrancar as massas da influência da ideologia socialista, a demagogia fascista colonial tende a tomar outro caráter. A falta de concentração do proletariado, a falta de uma posição hegemónica deste no aparelho de produção, a ausência de consciência de classe desenvolvida, a fraqueza de suas organizações e partidos etc., podem dispensar o fascismo da necessidade absoluta de um apoio realmente de massa, ativo e dinâmico.

Por outro lado, o caldo de cultura mais adequado à proliferação fascista, que é a pequena burguesia, não tem, no Brasil, homogeneidade nem sobretudo é vinculada por interesses gerais comuns. Ela se reparte em grupos separados uns dos outros, sem comunicações entre si, sem tradições, idênticas, sem condições económicas e sociais sincronizadas. Todos esses fatores estorvam a sua sedimentação através do país.

A pequena burguesia urbana pode ser um instrumento maleável do fascismo. Mas também poderá ser facilmente conduzida pelo proletariado, dadas as miseráveis condições de sua existência nas grandes cidades. E tanto mais facilmente poderá marchar atrás da classe operária quando mais audaciosa e dinâmica for a ação independente desta e a capacidade de que der provar de guiar as grandes massas para uma nova saída.

7. O papel do Estado nos países dependentes

Na ausência de tradições políticas comuns, de cobesão dos diversos grupos sociais burgueses, a pobreza geral da população nos países coloniais, ou dependentes, como o Brasil, concorre para dar ao aparelho do Estado uma importância\ que ele não tem nos países altamente desenvolvidos. Além disso, a decadência e o enferrujamento das molas automáticos do capitalismo solicitam, por toda a parte, e cada vez mais, a intervenção do Estado no aparelho económico a fim de assegurar-lhe já não mais a defesa, mas o próprio funcionamento. Nos países menos desenvolvidos, essa intervenção passa a tomar logo uma feição política acentuando-se a tendência natural do Estado em pairar acima das classes.

O Estado nacional, nesses países, é caracterizado sobretudo pela sua impotência, inteiramente ajustado, que é, desde as suas origens, aos interesses imperialistas mesmo com prejuízo dos interesses da economia e da burguesia nacionais (isso não implica em considerar essa burguesia como classe oprimida como querem os nacional-stalinistas).

O Estado, do mesmo modo que é inageitável ao desenvolvimento da economia nacional, politicamente, também, essa inadaptabilidade se revela pela fraqueza da sua própria burguesia em face dele, e, na mesma proporção, mas em sentido inverso, pela sua independência em relação a ela.

8. A tática integralista

Sem um amplo movimento de massa que só lhe poderia ser dado pela participação ativa das massas assalariadas, o fascismo colonial é forçado a procurar o apoio de que carece infiltrando-se no aparelho do Estado, por entre militares, funcionários, com o fito de obter por cima os seus objetivos, isto é, o poder. Mas fazer da infiltração no aparelho do Estado uma tática política fundamental obriga fatalmente a uma política dúplice, de meia cara, de cambalachos e conspiratas, com prejuízo da sua combatividade e do caráter plebeu necessários a sugestionar as massas. Eis porque não é de se prever uma vitória (que não será muito fácil) do fascismo, no Brasil, pelas vias clássicas européias, isto é, com,o arremate de um movimento de massa ascendente até impor uma solução aparentemente legal, conforme o próprio ritual democrático vigente. Antes, essa vitória poderia vir mais provavelmente através de golpes de Estado bruscos, desfechados de colaboração com uma parte das forças armadas, encabeçadas por generais salvadores, como na Espanha, Polónia etc. Sem a mão de dirigentes ocasionais do Estado, sem a cooperação de generais reacionários, o caminho para o poder estará bloqueado ao fascismo. Tudo indica que essa é a situação do integralismo aqui nas nossas paragens. As suas esperanças se voltam cada vez mais, nesse sentido, para as ligações secretas, que mantém com grandes figurões militares e burocráticos do Estado. O seu cínico namoro atual com Getúlio, Macedo Soares & Cia. é indiciador.

O seu advento ao poder através de um pronunciamento militar, ou de um golpe súbito, serio o início da chinezação do país, desmembrado e repartido entre os diversos imperialismos rivais. Nesse sentido, o integralismo subordina cada vez mais a sua sorte à sorte do imperialismo alemão no tabuleiro internacional; o seu triunfo determinaria uma modificação radical nas relações de forças da competição inter-imperialista no Brasil. Daí o perigo do nacional-libertadorismo abstrato, do anti-imperialismo separado da luta de classes.

Nas condições nacionais e internacionais existentes hoje, nenhum grupo político burguês nacional pode lutar independentemente sem que termine arrimando-se; ao fim de contas, num dos imperialismos. O anti-banqueirismo de Plínio Salgado, Geraldo Rocha & Cia. não é mais do que o disfarce com que o imperialismo alemão esconde a sua ofensiva contra a tradicional hegemonia anglo-americana no Brasil. Do mesmo modo o anti-fascismo de Salles de Oliveiro e o “anti-lightismo” de José Américo são expressões demagógicas com que o capital inglês e o capital americano procuram encapar as suas posições privilegiadas e o seu monopólio sobre o conjunto da economia brasileira.

9. O confusionismo esquerdista

Diante de toda essa trama de interesses em jogo, nessa cortina de fumaça que é a política burguesa, o dever da vanguarda operária não consiste apenas em por a nu, aos olhos da massa, toda a vasa que escorre por baixo dos programas, gestos e palavreados dos partidos e representantes da burguesia. A gravidade do momento reside em que a confusão, a mistificação não é apenas obra do inimigo de classe. A confusão maior e mais perigosa provem do campo das chamadas “esquerdas” . E dentre essas sobressai, nesse trabalho, como o grande mistificador, o partido stalinista. Negando a luta de classes, o stalinismo substituiu-a por um combate entre duas entidades metafísicas ’ a democracia ideal e o fascismo também ideal, isto é, sem base de classe.

Depois da longa noite de obscurantismo em que viveu durante quase dois anos, o proletariado é solicitado a tomar parte ativa na campanha eleitoral. As forças de esquerda, entretanto, desorientadas pelo stalinismo, não procuram conduzir as massas por um caminho independente. Elas são as primeiras a espalhar, entre as massas, as piores ilusões eleitoralistas, ao invés de utilizar as eleições para fazer a educação política dos trabalhadores. Elas levam o proletariado a reboque da burguesia, e preparam assim, a sua desilusão próxima, quando, com os seus votos e o apoio das correntes de esquerda, tende à frente aqueles que pare ele são os representantes tradicionais da vanguarda revolucionária ’ os comunistas ’ tiverem concorrido para eleger qualquer dos dois candidatos burgueses. Essa desilusão causada pelos seus condutores pequeno burgueses pode estender-se à própria bandeira do comunismo que, mal ou bom, esses elementos ainda representam aos olhos dele, o que poderia abrir o flanco da classe operária à demagogia fascista. E essa perspectiva pode reforçar-se pelo fato do integralismo apresentar-se às eleições com uma terceira bandeira, ainda virgem das mazelas do poder, aparentemente livre dos compromissos e chagas das bandeiras carcomidas que José Américo e Armando Salles carregam.

Eis o sério perigo que aguarda o movimento operário ao fim da palhaçada eleitoral, caso a vanguarda mais consciente não saiba evitar esse desastre, despertando, no seio das massas, um movimento independente com um claro caráter de classe. É preciso que nós, bolcheviques-leninistas agrupados no PARTIDO OPERÃ RIO LENINISTA, rompamos marcha e, juntamente com todos os militantes de vanguarda, inclusive os stalinistas que ainda conservem certo puder de classe, saibamos encontrar um ponto de união para a luta prática contra a onda confusionista que ameaça envenenar as grandes massas trabalhadoras. Essa luta imediata em comum é tanto mais necessária quanto todas as condições económicas e políticas atualmente dominantes, tanto internacionais como nacionais, favorecem ao desencadeamento de um movimento de classe independente, capaz de dar carta de maturidade política ao proletariado brasileiro.

10. A tática eleitoral leninista

A tática eleitoral da vanguarda revolucionária não mudou nem envelheceu só porque Stálin e seus discípulos renegaram o comunismo. As ilusões democráticas não nos pegam, o cretinismo eleitoral é uma doença que não nos atinge, a nós, marxistas revolucionários. As eleições sob o regime burguês não constituem, para nós, um fim. É apenas um meio de educação política das massas, um veículo para desenrolar perante elas todo o vasto programa revolucionário do socialismo.

Da mesma forma que não padecemos de ilusões sobre o alcance real das eleições, não sofremos tão pouco do cretinismo antieleitoral do anarquismo. É preciso participar das eleições burguesas: a tática leninista manda que se utilize de todos os meios legais para levar às massas as palavras de ordem revolucionárias. Mas não é com o voto que se defendem os interesses das massas exploradas. O voto é um meio secundário de combate. Para o desenvolvimento da luta de classes e da consciência política dos operários uma greve de massa tem infinitamente mais importância do que uma eleição. As questões decisivas de interesse vital das classes se resolvem pela violência organizada, e não pelo voto. Enquanto a burguesia capitalista “tiver as terras, as usinas, as fábricas, os bancos, a imprensa, as escolas, as universidades, enquanto tiver ’ e isso é o essencial ’ o exército, o mecanismo da democracia, de qualquer forma que o reforme, continuará submetido a vontade da burguesia” - (Trotsky).

Muitos pequenos burgueses, sinceros mas ingênuos, insuflados pelo consciente oportunismo stalinista, assim colocam a questão: Devemos votar no candidato que der garantias, incluindo no seu programa tais e tais pontos, como, por exemplo, a anistia e a luta contra o integralismo.

Primeiramente, incluir esta ou aquela reivindicação democrática nas plataformas políticas não significa nenhuma garantia: haja vista a plataforma de Getúlio e o programa da Aliança Liberal. As promessas de liberdades contidas naqueles documentos foram as mais claras e solenes. No entanto, o governo de Getúlio está aí para mostrar o que valem programas e promessas de candidatos burgueses.

Esperar que a vitória de Salles ou de José Américo barre o caminho a Plínio Salgado é acreditar que benzimento cura doença. Na Alemanha, os social-democratas elegeram Hindenburg presidente da república para evitar que Hitler subisse ao poder. Esse exemplo basta para esclarecer a questão. Depois dele, preconizar a eleição de qualquer dos dois candidatos burgueses para cortar as asas de Plínio Salgado já não é mais ingenuidade, mas estupidez criminosa ou má fé.

11. Defesa da democracia burguesa contra os botes fascistas

Pensar que, nos quadros do regime capitalista, o fascismo pode ser destroçado pela raiz, é pura insensatez. Para extirpar o fascismo da face da terra é preciso extirpar com ele o capitalismo.

Contra um bote fascista como o de Franco, na Espanha, os revolucionários marxistas lutam, sem condições, de armas na mão, em defesa da democracia. Mas isso não significa que a vanguarda revolucionária se reconcilie com os democratas burgueses. Nada disso: ela continuará combatendo-os, da mesma forma de Lênin não cessou a oposição a Kerenski contra o golpe de Kornilov. É que os marxistas, os comunistas, preferem a democracia formal, mesmo insuficiente, a qualquer regime de ditadura burguesa aberta. Sob as formas democráticas de dominação burguesa, o proletariado tem maiores possibilidades de organizar-se autonomamente. O fascismo não pode sobreviver tolerando a existência de outros partidos e de organizações de classe independentes. Essa é a razão fundamental pela qual a vanguarda proletária está sempre disposta a defender, mesmo de armas na mão, contra os assaltos fascistas, os governos democratas burgueses que a perseguem e oprimem. Eis a posição de um verdadeiro militantes revolucionário em face da luta contra o fascismo e pela democracia.

12. A comédia do fechamento do fascismo em regime burguês

A tarefa essencial imediata da vanguarda revolucionária é transformar o profundo descontentamento das massas num movimento de classe independente. Está na formação de um tal movimento a única e real garantia de combate eficiente ao integralismo e de conquista das liberdades democráticas. O integralismo não se combate com votos dados a Armando Salles ou ao seu rival. As liberdades democráticas só serão conquistadas e asseguradas se por elas os trabalhadores se atirarem com decisão à luta. Elas podem estar cem vezes inscritas no texto constitucional e nunca passarão de letra morta se não lhes der vida uma ação de massas continuada, inspirada pela luta de classes e a ideologia proletária. Haja visto o que sucedeu com a autonomia sindical pomposamente assegurada na Constituição de Julho. O que foi feito desta “autonomia” , já o disse com todo o cinismo, da tribuna parlamentar, o Ministro do Trabalho.

Dadas as condições atuais do país, diante da perspectiva de um novo movimento ascendente de massas, diante da formidável ascensão do proletariado que se constata em todo o mundo, o integralismo não poderá com vantagens esse movimento, desde que o proletariado brasileiro possa realmente utilizar-se das liberdades democráticas.

O proletariado não tem razão para crer em fechamento do fascismo sob as leis e o regime burgueses. Nesse sentido, não é preciso recorrer aos exemplos históricos da Itália, Alemanha, Espanha e até mesmo da França. Neste último país, o fascismo já foi fechado várias vezes, inclusive pelo governo da Frente Popular. No entanto, o fascismo, sob diversas formas, continua a passar muito bem ali, e cada vez ressurge melhor armado e equipado. Mas nós temos um exemplo de casa ainda fresquinho. Juracy Magalhães fechou os núcleos integralistas no seu Estado, prendendo mesmo o chefe principal da Bahia, mas com que resultado? Meses depois o próprio governo da república é quem recebe acintosamente em palácio o chefe preso por Juracy. Os juízes burgueses, por seu turno, não levam em consideração as provas apresentadas por Juracy, continuando os camisas-verdes a desafiar o pequeno governador baiano, protegidos pela cumplicidade das leis e de seus executores burgueses.

13. Vinhos da mesma pipa...ou classe contra classe

O nosso dever está assim traçado por todo o desenvolvimento da situação; é evidente que a vanguarda não poderá ficar de braços cruzados diante da febre eleitoral que começa a empolgar todos os espíritos, limitando-se a pronunciar julgamentos infalíveis e pedantes. É preciso que no meio de toda a confusão surja uma palavra de ordem clara, um programa revolucionário límpido, inspirado pelo marxismo e animado de um profundo senso de classe. O proletariado deve tomar parte na campanha eleitoral mas não miseravelmente a reboque das classes dominantes. José Américo e Armando Salles são vinhos da mesma pipa. Os trabalhadores nada tem a ver com esses senhores. Impelir as massas trabalhadoras a votar em qualquer candidato burguês é cometer uma pura traição de classe: é desertar do verdadeiro combate pelas liberdades democráticas, e contra o fascismo e a reação. A reivindicação de uma verdadeira anistia, ampla, sem restrições, não cabe na colcha de retalho das várias plataformas burguesas. A anistia, hoje, é uma palavra de ordem das massas trabalhadoras, é uma reivindicação de classe. A justiça burguesa condenou os insurretos de Novembro de 1935 em nome da defesa da ordem social capitalista; o que, principalmente, os condenou a dezenas de anos de prisão foi o labéo de comunistas e não a etiqueta de nacional-libertadores, democratas ou coisa parecida. Para a burguesia, o levante aliancista foi um movimento social, uma espécie de primeiro ensaio de revolução social no Brasil. Nessas condições, reivindicar hoje a anistia ’ como primeiro dever revolucionário ’ é dar a mesma um profundo sentido de luta de classes. Cabe, pois, ao proletariado e às massas exploradas tomar a peito a luta pela anistia afim de arrancar das garras do inimigo de classe as vítimas do tribunal monstro. E mesmo que José Américo ou Salles Oliveira, por mero expediente de caçar votos, viesse a se manifestar, desde já, favorável à anistia, fiar-se nessas manifestações platónicas, para aguardar, da vitória de um deles, a concessão, por cima, de mão beijada, da anistia para Luiz Carlos Prestes, Harry Berger e companheiros, seria dar provas não só de cegueira como de covardia.

Luiz Carlos Prestes, que, na realidade, não passa hoje de um caudilho, de um pequeno burguês frenético, embora sincero ’ mas o inferno está cheio de boas intenções ’ refratário à ideologia proletária, foi transformado, em virtude de circunstâncias singulares, pela burguesia, no seu principal inimigo ’ isto é, na figura mais representativa do comunismo no Brasil. Ele mesmo, por um resto de coerência puramente formal, confirmou, ao ser preso, a sua credencial de comunista. Com a derrota do movimento de Novembro e sua condenação, Prestes se tornou, nessa etapa atual do movimento, no símbolo mais alto da luta de classes no Brasil. E por isso o seu nome encarna hoje a idéia da anistia. Lutar por sua libertação é lutar agora pelo direito do proletariado organizar-se livremente, pelo direito do proletariado construir os seus sindicatos e associações, e dirigi-los com toda a autonomia, pelo direito de ter os seus partidos políticos no mesmo pé de igualdade dos partidos burgueses, pelo direito, enfim, de preparar, na legalidade, os alicerces de sua futura emancipação.

O Partido Comunista, como a Terceira Internacional, de comunista só conserva o nome. Luiz Carlos Prestes também, de comunista só tem a fama. Nem ele, nem o seu partido, representam, na realidade, os interesses históricos da classe trabalhadora, encarnados na bandeira comunista tal como Lênin a recebeu de Marx. A dialética da luta de classes, porém, transformou momentaneamente esse pequeno burguês oportunista na expressão da revolução proletária no Brasil. Nessa qualidade, a burguesia o condenou a quase 20 anos de prisão e de degredo num campo de concentração. Ele, por isso mesmo, se tornou, aos olhos de toda a massa, no chefe, o comunista mais conhecido do país. Nas condições presentes, em que o antigo partido comunista jaz hoje desmoralizado, sem sentido de classe, na cauda dos piores reacionários, em que o proletariado ainda não pode criar o seu verdadeiro partido revolucionário de massa, e, muito menos, os seus verdadeiros chefes, o seu estado maior bolchevique-leninista, o inimigo de classe já nos indicou, de antemão, o nome que devemos levar às urnas nas próximas eleições para presidente da república: Luiz Carlos Prestes. Votar em Prestes para presidente da república, é votar pela anistia, é reerguer, num gesto de desafio revolucionário, de classe contra classe, a bandeira do comunismo que o stalinismo, de que o próprio Prestes é um instrumento, deixou cair na lama do oportunismo.

14. Uma bandeira eleitoral para as massas

Quando nós, revolucionários marxistas, concitamos toda a massa trabalhadora, a pequena burguesia proletarizada, o campesinato pobre, a votar em Luiz Carlos Prestes, não queremos semear ilusões democráticas prejudiciais. Pelas próprias leis burguesas, Prestes não pode ser registrado como candidato. Mas não se trata de elevá-lo à presidência da república. Trata-se de por essa forma ar um meio de expressão à vontade real, profunda, das massas. Dentro dos quadros eleitorais de agora, dentro da moldura dos candidatos burgueses, as massas não terão meios de exprimir o seu anseio pela anistia, a sua aspiração pelas liberdades democráticas, o seu desejo de dirigir por si mesma os seus sindicatos, ter os seus partidos de classe, revolucionários ou reformistas, perfeitamente legalizados. Votando em qualquer candidato burguês, elas não poderão exprimir-se sobre essas questões vitais para elas.

Ao votar em Prestes, o proletariado não criará a ilusão de que possa eleger algum dia um candidato seu à presidência da república. Se tal coisa pudesse realizar-se dentro dos limites e restrições das leis burguesas, nada resolveria: porque, ou as classes dominantes fariam como fizeram no Peru, com a eleição do candidato aprista, em que decidiram simplesmente anular os votos dados àquele candidato, ou então, caso as relações de forças fossem favoráveis ao proletariado, a questão iria ser decidida, desta vez, no prélio das armas.

A apuração legal dos votos dados a Prestes não tem importância: o que importa é que esses votos sejam contados, seja lá por que maneira for. E nesse sentido pode-se afirmar, desde já, que quanto maior for a popularidade desta palavra de ordem ’ votar em Prestes para presidente da república! ’ tanto mais facilmente serão conhecidos os votos a ele dados. O maior ou menor interesses das massas por esta palavra de ordem será o meio de fiscalização mais eficiente para se tornar pública a votação da a Prestes.

Votando em Prestes, temos a possibilidade de contar praticamente as forças de esquerda, dos comunistas autênticos aos anti-fascistas conseqüentes; demonstraremos à burguesia e à reação a vontade real das massas; reergueremos as esperanças na revolução proletária, contrapondo à democracia formal, aos fascismo, ao regime burguês, em geral, a ditadura do proletariado, os soviets, o socialismo.

É com esse objetivo que nós, membros do P.O.L., partidários intransigentes da Quarta Internacional, concitamos toda a vanguarda do proletariado, todos os elementos sinceramente de esquerda, os operários, os marinheiros, soldados e camponeses pobres, todos os, militantes anti-fascistas, a fazerem do nome daquele que o ódio de classe da burguesia transformou no símbolo de momento do comunismo no Brasil a sua bandeira de combate. Nós aceitamos o símbolo que as circunstâncias históricas nos oferecem nesse momento. E, sem endeusar Luiz Carlos Prestes, mantendo todas as críticas com que o temos combatido, conservando intactas as divergências cada vez mais profundas que dele nos separam, opomos, em 3 de Janeiro de 1938, o seu nome, com as insígnias de chefe comunista, isto é, 18 anos de prisão a que o condenou a burguesia ’ aos nomes dos candidatos burgueses, vis instrumentos dos repulsivos interesses do capitalismo.

O dever revolucionário em 3 de Janeiro próximo é opor classe contra classe, lançando o nome de Luiz Carlos Prestes contra os de Armando Salles, José Américo e Plínio Salgado.

*Aprovadas pelo comitê central provisório, junho de 1937









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