Quinta 25 de Abril de 2024

Teses sobre a situação nacional*

A posição da burguesia

07 Sep 2005   |   comentários

Depois de uma longa estagnação política, que durou desde a derrota constitucionalista, a burguesia brasileira voltou a agitar-se e a dividir-se em duas facções a disputar a sucessão de Getúlio Vargas.

1. A crise foi vencida

As contradições económicas e políticas, que provocaram a explosão de outubro de 1930 e que se manifestaram principalmente como uma luta entre as forças produtivas ascendentes da burguesia gaúcha e o S. Paulo da monocultura cafeeira, fora liquidadas. A ascensão das forças produtivas nacionais verificada a partir de 1933/4 trouxe à tona, não somente novas camadas de pequenos proprietários e lavradores pobres (sobretudo em S. Paulo), como, dentro do próprio campo da burguesia agrária, separou, ou tende a separar, de um lado os velhos proprietários territoriais e latifundiários presos ainda á agricultura extensiva das grandes plantações, e de outro novos proprietários e lavradores, partidários da agricultura intensiva, e principais portadores do capitalismo para o campo. A formação dessas novas camadas burguesas se dá em conseqüência do processo de transição da monocultura para a policultura.

Ao mesmo tempo que no campo da produção agrária se processava a transformação do regime de propriedade, pelo parcelamento da grande, um outra tendência se verificava, que consiste na delimitação cada vez mais precisa entre os interesses da burguesia agrária, diretamente subordinados ao alargamento dos mercados externos, e os interesses da burguesia industrial, esta preocupada sobretudo em criar e ampliar os mercados internos. Essa tendência se vem acentuando, cada vez mais, pelo crescimento ininterrupto, desde logo, da industrialização.

Enquanto a depressão do comércio exterior continuou, o crescimento das forças produtivas se apoiou na ampliação dos mercados internos. A partir de 1935, porém, o comércio mundial se reanima; os preços das matérias-primas conhecem uma alta extraordinária. Os produtos de exportação do Brasil, principalmente as matérias-primas, experimentam um surto vertiginoso (Haja visto a produção algodoeira paulista). As exportações do Brasil superam, em 1936, em volume e em contos, os números de 1930. A crise está vencida. Desde então, as forças produtivas do país são atraídas em direções opostas: produzir para o estrangeiro ou para o consumo interno. A fraca capacidade produtiva do conjunto do aparelho de produção não permite que as exigências dos dois mercados possam ser satisfeitas ao mesmo tempo. Mas, apenas, as de um, em detrimento das do outro.

2. Novas Contradições

Em todas as crises económicas do passado, o país as venceu pelo crescimento de suas exportações; aliás, essas crises eram provocadas, as mais das vezes, pelas variações de conjuntura do mercado mundial. A última crise, porém, não foi vencida como o foram as anteriores. O comércio exportador, continuou ainda por muito tempo em depressão, ao passo que o desenvolvimento da produção prosseguiu, graças à ampliação do mercado nacional. Na base dessa ampliação, o processo de industrialização intensificou-se. Mas eis que em face da grande procura, nos mercados mundiais, das matérias primas, as forças produtivas voltam a ser solicitadas pela exportação. Outrora, a quase totalidade da produção agrária era escoada para fora do país. A situação agora é muito diferente. Grande parte dessa produção é reclamada pelo consumo interno.

A alta das matérias primas no exterior prejudica a sua utilização pela indústria indígena, e restringe a área cultivada com cereais. A exportação destas acarreta a sua escassez interna, fato...[ilegível] de carestia de vida. O aumento da produção de matérias primas desfalca os braços para as outras lavouras. A industrialização crescente aumenta a população operária, demandando portanto maior consumo de cereais e de matérias primas. O aparelho produtivo do Brasil não está preparado para atender, ao mesmo tempo, a extraordinária reanimação dos mercados exteriores e às exigências crescentes do mercado interno. A existência deste, por sua vez, impede que a marcha das forças produtivas retome a direção unilateral do passado: produção agrária, sob o regime das grandes plantações isoladas, de costas viradas às necessidades do consumo interno, inteiramente voltada para fora do país e toda ela destinada a fornecer produtos brutos aos grandes países industriais da Europa e do Novo Mundo.

Sob a ação neutralizante das duas direções contrárias, as forças produtivas, ao alcançar o desenvolvimento atingido atualmente, sentem-se dilaceradas. O seu crescimento, por isso mesmo, tende a tomar uma forma verdadeiramente teratológica de desenvolvimento desigual. O crescimento desproporcional dos vários ramos da produção e o das diversas regiões económicas do país não deixam lugar para um desenvolvimento harmonioso de todo o modo de produção em bloco. O aumento impetuoso da exportação acaba ameaçando o progresso industrial, impondo como condição para que este se realize, reaparelhar-se tecnicamente. Do contrário, o progresso se transformará em regresso. Assim, quanto maior for a atividade das forças produtivas, tanto mais aguçada será a contradição entre as duas tendências opostas que ameaçam esquartejar a estrutura económica do Brasil.

3. A burguesia se divide

Nunca, como hoje, - quando as forças produtivas atingem, em quase todos os domínios, o seu nível de desenvolvimento mais alto na história económica do Brasil, - foi, por isso mesmo, tão aguda essa contradição.

Esta é precisamente a razão pela qual a burguesia nacional, tendo à frente a nova burguesia agrária paulista e os industriais, por mais conciliante e acovardada que seja, viu-se na contingência de não aceitar a prorrogação do “status quo” político, e correr os riscos de uma luta eleitoral pela presidência da República. À frente da luta se colocam a nova burguesia agrária e os industriais, encabeçados pelos seus componentes de São Paulo e Rio Grande do Sul. Armando Salles se fez seu porta-voz político. Em oposição a essa corrente se arregimentam todos os interesses por ela contrariados, desde os representantes mais típicos da velha agricultura latifundiária e monocultura, como a burguesia agrária do Nordeste, que sofre a concorrência, nos mercados externos, dos produtores capitalistas do Sul, dotados de mais recursos e mais bem organizados, até os elementos pequenos burgueses descontentes e revoltados com os abusos do grande capital, cujos efeitos tangíveis são mais evidentes nas grandes cidades. Circunstâncias fortuitas fizeram de José Américo o seu homem do momento.

4. A nova pequena burguesia agrária

O parcelamento da grande, a multiplicação da pequena propriedade, criam não só os mercados necessários ao progresso da indústria, como o ambiente propício à ofensiva política da burguesia industrial. A pequena burguesia agrária não divisa os seus interesses além do âmbito estadual em política, como em economia, ela é localista. Produtora em grande parte de produtos de consumo interno, ela não se preocupa com as altas questões atinentes à política exterior do país. Mesmo quando produzi mercadorias de exportação (café, algodão etc.) são as diversas espécies de intermediários que as adquirem, em geral, no próprio local da produção, que as exportam. O pequeno proprietário tem no grande um inimigo irredutível. Na lavoura cafeeira, sitiantes pobres e grandes fazendeiros não se entendem. Enquanto os últimos, da parceria com os banqueiros, seus financiadores, precisam de todo um complicado e caríssimo aparelho de defesa do café (D.N.C., Institutos de Café etc.) com retenções, queima de café, taxa onerosíssimos, quotas de sacrifício, cafés finos preferenciais etc, etc., o pequeno lavrador só deseja vender o seu café a um preço que, se para [...ilegível...] pode ser remunerador, não o é para o grande proprietário. A última ameaça que sobre ele pesa é o arrançamento dos cafeeiros, como última medida de salvação, ele teme que essa providência cirúrgica seja paga às custas de sua pequena lavoura, na maioria constituída de cafés baixos. A destruição das grandes plantações, defendida pelos grandes proprietários, é o meio que estes encontram de se livrar dos cafezais velhos de fraco rendimento e de obter novos braços, não só de colonos presos aos velhos cafezais, como de sitiantes e lavradores mais pobres que sofreriam assim um processo inverso de reproletarização.

A pequena burguesia campesina do Brasil não tem coesão nacional. Muito isolada ainda nas suas zonas de produção, ela acompanha, nesse ponto, a tendências das velhas lavouras nacionais que nasceram em zonas completamente separadas umas das outras, em épocas diferentes, quase sem comunicações entre si, e sem a menor preocupação de consumo interno. Dessas grandes lavouras extensivas, só o açúcar, que, com o correr dos tempos, foi praticamente expulso dos mercados exteriores, viu-se forçado a procurar no interior do país o seu principal mercado.

É de se lembrar ainda que grande parte dessa nova pequena burguesia camponesa é de formação recente, notadamente em São Paulo. “Egressos da antiga posição de colonos” , segundo a definição de um político constitucionalista de São Paulo, e, e grande número de estrangeiros, ainda estão presos, por mil laços, às tradições e mentalidade trazidas do país de origem. Essa circunstância concorre para o isolá-los ainda mais política e mentalmente dos outros grupos sociais, de base económica congênere, espalhados pelo vasto território.

Se nas condições dadas, essas camadas são atualmente arrastadas pelos interesses capitalistas presos à nova agricultura e pelos interesses industriais, representados, principalmente por São Paulo, - pelo Partido Constitucionalista, nos outros Estados essas mesmas camadas profundamente descontentes podem ser facilmente mobilizáveis pela grande burguesia urbana contra o grande proprietário territorial. A sua incoerência política é presentemente quase uma fatalidade.

5. Desenvolvimento desigual

Tendo o modo de produção nacional chegado, em 1936, ao máximo de seu rendimento, esse fato pos a nu toda a anemia da economia nacional, revelada pela profunda desigualdade de seu desenvolvimento e pelos estreitos limites de sua força expansiva. O problema do desenvolvimento desigual do capitalismo no Brasil não se traduz apenas pela diversidade das zonas geográficas, pelo agiandamento maior de um Estado em relação a outro, mas se já se faz sentir dentro do próprio campo da produção, entre um ramo produtivo e outro. Nas condições atuais, já ele não pode elevar ainda mais o ritmo de desenvolvimento do comercio externo senão com o sacrifício de parte das forças produtivas empenhadas no abastecimento dos mercados internos.

Tudo no país se desenvolve desigualmente, a principiar pela principal fonte da produção ’ o homem. O crescimento da população indígena é não só desigual em virtude de causas mesologicas e económicas, como lento; profundamente desigual também é a densidade de população no Brasil. Enormes deslocamentos migratórios se verificam dentro do país: calcula-se que nos últimos anos, São Paulo arrebatou a Minas Gerais cerca de um milhão de obreiros, atraídos pela industrialização, pela passagem à agricultura intensiva e à policultura e pela nova lavoura algodoeira. As correntes imigratórias tendem a estancar, quando a fome de braços aumenta assustadoramente. Para manter o ritmo de desenvolvimento ultimamente atingido pela sua produção agrária, São Paulo necessita de cerca de 300 mil trabalhadores rurais anualmente, mas, no ano passado, nem 20% dessas necessidades foram satisfeitas. E apesar de tudo isto, o rendimento por hectare na agricultura brasileira é ínfimo, ocupando os últimos lugares, mesmo na América do Sul. No rendimento per capita o Brasil vem na traseira. Se para cada habitante da Argentina se destaca uma média de produção de 2.400 quilos, para cada habitante do Brasil essa medida não passa de 400 quilos. Mesmo quanto ao índice per capita de exportação, a posição do Brasil é de uma inferioridade a toda prova: a exportação Argentina apresenta um coeficiente de 1.247 quilos, per capita, e o Brasil apenas 54.

Esses índices revelam o baixo nível produtivo da velha agricultura extensiva e latifundiária do país. O velho processo de ocupar novas terras e explorá-las por novos braços, indefinidamente, seguido pela velha monocultura latifundiária e extensiva, como o seu principal sistema de acumulação, chegá-lo ao seu termo; novos braços já não chegam para manter as culturas formadas, as vias de comunicação já não podem acompanhar esse irrequieto nomadismo agrário e, finalmente, centros económicos e capitalistas, urbanos e também agrários, já se constituíram com vida própria e estabilidade capazes de resistir a essa crescimento puramente em extensão superficial.

As forças industriais e a nova burguesia agrária capitalista, que tendem a contraria cada vez mais a velha agricultura e seus métodos primitivos de produção [ilegível] são forçados a acelerar, sem perda de tempo, o ritmo da industrialização e da transição à agricultura intensiva.

6. Os mercados internos

Diante do impasse a que chegaram as forças produtivas em expansão, nada de estranhar que Flores da Cunha e Armando Salles se dêem as mãos, e partam para uma nova “cruzada democrática” pelo Brasil. Assegurar a continuidade do desenvolvimento dos mercados internos para a indústria e a produção agropecuária intensiva é um objetivo suficientemente poderoso para justificar a união dos dois partidos situacionistas de São Paulo e Rio Grande do Sul, levando a reboque todos os demais grupos que pelo país giram no círculo dos mesmos interesses. Os mercados internos são de uma importância cada vez maior para o desenvolvimento da produção gaúcha e paulista. A exportação gaúcha, no ano passado, para o estrangeiro, foi de 267;574 contos; a exportação par os portos nacionais elevou-se a 650.717 contos, sendo que 441.212 foram de artigos destinados à alimentação e forragem, 106.696 de artigos manufaturados e 102.510 de matérias primas.

Em 1936, o comércio de cabotagem de São Paulo e Rio Grande do Sul reunidos constituem três quintos do comércio de cabotagem de todo o país. Para um valor total de cabotagem de 3.794.000 contos, no último ano, esses dois Estados contribuíram com 2.276.000. Os saldos da balança comercial do Rio Grande do Sul com o exterior desceram de 96.766 contos, em 1930, a 37.797 em 1936, mas os saldos provenientes do seu comercio interno subiram de 83.248 contos, em 30, a 124.400 contos no ano passado. Quanto a São Paulo a preponderância do comercio externo sobre o interno é absoluta. Mas enquanto o ritmo de crescimento dos saldos do comercio interno tende a acelerar-se e é contínuo, o crescimento dos saldos de exportação é mais lento e varia bruscamente de ano para ano. Em valor ouro, foram mesmo, nos dois últimos anos, inferiores aos saldos dos três primeiros do qüinqüênio de 1932-1936. Em moeda nacional, eles passam de 633.000 contos, em 1930, para 912.00 em 1936. A balança comercial interna entre São Paulo e os cortos nacionais era, até 1930, constantemente deficitária. Em 1931, ela deu o primeiro saldo. De então por diante, os saldos continuaram a crescer. Se em 1930 ela deu um déficit de 38.364 contos, em 1936 dava um saldo de 144.847 contos. Juntando ao comercio de cabotagem destes dois Estados, o do Distrito Federal, tem-se a quase totalidade nacional desse comércio.

7. Centralização versus Federação... e outra vez centralização?

A estrutura agrária do país (monocultura, grandes propriedades, agricultura extensiva) foi determinada não só pela fraca densidade da população num vasto território e pelas diversidades climáticas e naturais, como pela colonização litorânea destinada a servir a metrópole. Suprimida a centralização burocrática da monarquia, as grandes plantações tropicais, que constituíram a produção agrária do país, impuseram, com a República, a Federação. Abolida a escravidão e instaurada a República, a Federação veio permitir, em torça de um desenvolvimento mais lento, mas mais geral e igual para todo o país, assessorado pachorrentamente pelo poder central monárquico, um aceleramento muito maior, embora adstrito a determinadas regiões, do progresso económico e do crescimento das forças produtivas. Se os interesses industriais tendem a tomar uma expressão nacional, os interesses agrários conservam a maior parte de seu regionalismo. Estes interesses constituem, na verdade, a base económica sobre que se alicerça o edifício federativo. Este fato explica o paradoxo de virem dos grandes Estados mais industrializados as vozes mais ciosas da autonomia dos Estados, centro da Federação.

Enquanto perdurou o predomínio absoluto das grandes plantações tropicais produzindo para os mercados externos, sob a forma da monocultura e da grande propriedade latifundiária, não houve propriamente uma economia nacional, mas várias economias estaduais quase estranhas umas às outras. A economia paulista, depois da abolição, organizou-se primeiro que as outras, e daí a formidável dianteira tomada por São Paulo sobre os demais componentes da Federação. A economia nacional exprimiu-se, pela primeira vez, sob uma forma política bastante nítida, em Outubro de 1930, com a revolta de suas forças produtivas contra a hegemonia da monocultura cafeeira. A tendência centralizadora tomou, então, um grande impulso, transformando-se mesmo numa corrente política que por algum tempo chegou a dar as cartas na política federal. E surge aqui uma das contradições fundamentais do regime dominante no Brasil: a tendência centralizadora do desenvolvimento económico se choca com a formula federativa, garantidora, por sua vez, da unidade nacional burguesa.

Sob o velho regime escravocrata, coroado pela burocrática centralização imperial, o Brasil não andava, apenas vegetava. Suprimida a escravidão com a Coroa nela esgastada, o capitalismo trouxe o progresso para determinadas zonas, e a Federação impediu o desmembramento. Hoje, a organização da economia dum ponto de vista estadual ’ fundamento da Federação ’ se, de um lado, acelera o ritmo do progresso, do outro, agrava a desigualdade de desenvolvimento. Daí esse outro paradoxo, de partirem em geral das regiões mais atrasadas, puramente agrárias do país, principalmente do Norte, os apelos mais impacientes à centralização e reforçamento dos poderes da União. Esta contradição é ainda uma sobrevivência da velha estrutura agrícola do país. E, por isso mesmo, toma uma forma antiquada de luta regional e de rivalidades estaduais, hoje, sobretudo, de choque entre o Norte e o Sul. Essa contradição vem agregar-se às contradições provenientes já de um grau mais alto de desenvolvimento, como as que jogam atualmente as forças industriais contra as forças agrárias hostis, dentro mesmo dos Estados mais adiantados.

8. Fórmulas ambíguas

Foi em face desse labirinto de contradições que Armando Salles inventou sua fórmula ambígua: “Nem enfraquecimento do governo federal, precursor do desmembramento, nem o fortalecimento excessivo da autoridade central” . Se, para ele, a centralização significa “desmembramento” , é ele, no entanto, partidário de que sejam conferidos ao governo federal “plenos poderes” , embora em caráter provisório, para dar ao país a “obra de organização que aspira” . Esse equilíbrio instável entre a federação e a centralização, entre a autonomia dos estados e o poder da União é o reflexo das contradições que dilaceram a economia burguesa e condicionam o seu desenvolvimento. A tendência centralizadora é quase, nas condições atuais, uma imposição económica. Mas as forças industriais e capitalista do Sul, principalmente São Paulo, querem realizar a centralização de acordo com os seus interesses: unificação e organização do mercado interno, regulamentação do comércio interestadual, reforma tributária, liberdade imigratória, livre-cambismo interno conjugado tanto quanto possível ao protecionismo no exterior. A sua centralização tende sobretudo a organizar os mercados internos para a sua indústria.

Elas temem, acima de tudo, a centralização na base com que sonha a parte mais atrasada da burguesia agrária do país e, sobretudo, a do Norte. O sintoma mais claro a esse respeito foi expresso no projeto de um deputado nordestino, apresentado à Câmara, criando o “conselho nacional de produção” , com sede no Rio de Janeiro, e sob o controle direto do Governo Federal. As chamadas classes conservadoras de São Paulo se levantaram em peso contra este projeto, e o seu argumento fundamental é que “não tendo os estados do Brasil o mesmo nível de progresso” , não se saberia “dirigi-los por uma centralização, no Rio” , onde, “ou se nivela por cima, ou se nivela por baixo, em ambos os casos prejudicando o todo ’ o Brasil” . Na grita contra o projeto centralizador, levaram a palmo os representantes da grande lavoura cafeeira, um dos quais declarou sem rebuços: “a centralização da produção nacional é um sonho dos que vivem em cidades maravilhosas, longe do campo” .

O governo atual, ao opor-se aos interesses dominantes da grande burguesia paulista e à política situacionista do Rio Grande do Sul, tentou fazer da centralização a sua bandeira de combate. E o seu ministro da fazenda, ao mesmo tempo que afirmava que “a direção da economia é e tem de ser função exclusiva do Governo da República” , preconizava “o aumento do poder da União, a fim de que, soberanamente, determine as medidas que o interesse geral reclama, e constituía, cada vez mais íntima, a interdependência do interesses dos Estados e as necessidades recíprocas” .

A centralização, segundo o espírito do projeto em questão, visa sobretudo subordinar as relações comerciais com o exterior a uma norma uniforme de modo a defender a posição do algodão nordestino nos mercados externos, contra a concorrência do algodão paulista, superior em qualidade, em organização técnica e comercial, dispondo de maiores facilidades de créditos e de transporte, além de desonerado do imposto de exportação, principal fonte fiscal dos Estados do Norte.

9. Velho tema e novas contradições

Esse desconchavo entre a centralização e a autonomia dos Estados é apenas a tradução política do desenvolvimento desigual da economia brasileira. Ela exprime também o estado miserável de fraqueza das forças produtivas incapazes de atender mesmo às exigências elementares da economia geral e da sociedade.

Quando Armando de Salles prega a federação acima da centralização, utiliza-se apenas de uma velha fórmula política correspondente a uma estrutura económica já em fase de envelhecimento e que vale sobretudo pelo conteúdo tradicional que encerra. Desta forma, bajula os preconceitos regionalistas arraigados da pequena burguesia local e respeita os interesses da grande burguesia agrária. Dê-so a remodelação do aparelho de produção de modo a alcançar um nível técnico mais alto e uma produtividade maior, e a velha questão acabará arquivada, como o foi nos Estados Unidos.

Por ora, continua ela a refletir o atraso económico do país, expresso pela luta ainda subsistente, embora mais atenuada, entre Estados ou entre regiões, em prol da hegemonia na Federação ou pela posse da máquina do poder central. Essa luta hoje toma uma forma mais generalizada entre o Sul em marcha para a industrialização e o Norte, cuja economia conhece agora um novo despertar com o incremento de sua exportação para o estrangeiro. Excetuando-se o surto espantoso e meteórico da borracha no extremo norte, nunca o conjunto da produção nortista esteve mais ligado aos mercados mundiais do que agora. Basta ver-se que o comércio exportador do Norte e Nordeste cresceu respectivamente de 1932 a 1936, de 296% e 573%, ao passo que o aumento das porcentagens nas demais zonas do país foi de 51%, na zona leste, 76% no Sul e 191% no Centro (compreendido apenas Mato Grosso, cujo volume muito reduzido permitiu, por isso mesmo, esse crescimento de mais de 100%).

O Norte tende, assim, a sair do isolamento em que vivia há tanto tempo para integrar-se na economia mundial. Ele aspira ligar-se ao intercâmbio internacional no mesmo pé de igualdade do Sul. O seu acréscimo na exportação tende a ser compensado por uma participação maior no total das importações do país. Ainda em 1936 o Norte todo, do Amazonas até o Espírito Santo, não contribuía com mais de 10,98% sobre este total. A maioria das mercadorias, de origem estrangeira, que recebe, é importada pelos portos do Sul, principalmente o Rio de Janeiro, que as distribui, nacionalizadas, pelo resto do país. Esse aumento do seu comercio com o exterior vem abrir ao Norte novas portas à penetração imperialista. A centralização, à base da organização do comércio exterior sob um ponto de vista exclusivamente nacional, viria facilitar aquela penetração, colocando, em bloco, todas as reservas do mercado nacional à mercê das grandes potências dominadoras do mercado mundial, em troca da colocação neste das matérias brutas da produção indígena. A pressão dos imperialismos tornar-se-ia ainda mais pesada, ameaçando a desagregação mais rápida do Estado nacional. A tendência do Norte a desgarrar-se da esfera da economia sulina para passar a gravitar mais diretamente na órbita do imperialismo yankee se aceleraria. Qualquer estagnação ou depressão prolongada das forças produtivas nacionais terá idênticos efeitos.

A centralização, sem o incremento da industrialização, e sobretudo sem a construção de sua base física fundamental ’ a grande indústria pesada - é uma centralização reacionária que viria agravar a dependência do Brasil em relação às grandes potências imperialistas. Por outro lado,intensificar o processo de industrialização significa importar novos capitais estrangeiros, rearmar todo o aparelho de produção, ampliá-lo e elevar o seu nível técnico.

Para isto, a organização interna somente não basta, e é uma tarefa acima das forças isoladas da burguesia nacional. É inevitável, portanto, o apelo ao capital financeiro internacional e a subordinação daquela tarefa as conveniências desse último. Mas o capital que emigra de seu país de origem o que procura é uma taxa maior de rendimento, colocações mais vantajosas. Não é a industria ligeira, ou de transformação, que serve de espinha dorsal aos Estados nacionais independentes. Mas a capacidade de produzir meios de produção é ter a sua indústria pesada. Esta, porém, na fase atual do capitalismo em decadência, já vive, por toda parte, sob os tristes efeitos (para o modo de produção capitalista) da lei da “baixa tendencial da taxa de lucros” . Isto quer dizer que, num país novo e devedor, como o Brasil, de economia dependente, ela não surgirá da iniciativa particular dos capitalistas (nacionais ou estrangeiros) à cata de livros altos. Ela só poderá nascer, ainda mais que a indústria ligeira, sob a tutela de Estado.

Mas que pode fazer o miserável Estado burguês do Brasil quando sua única razão de existência tem sido pagar dívidas externas, cobrar impostos, nutrir os seus funcionários, sem falar, já se vê, na sua missão política fundamental de manter, pela força, na opressão e na miséria, em benefício de um punhado de privilegiados, de dentro e de fora do país, a imensa maioria do povo trabalhador? Ainda no último orçamento da República, 86,47% das despesas eram consumidas pelas verbas-pessoal; dívida pública e compromissos externos inadiáveis. Assim, restavam pouco mais de 300.000 contos para as demais despesas produtivas. Em face de sua dependência financeira, económica e, por conseguinte, política para com o capital financeiro internacional e o imperialismo, em face também das próprias condições naturais do país que, se tem ferro em abundância, carvão já não tem com a mesma abundância e facilidade, construir a sua indústria pesada, antes de ser uma questão económica, é um verdadeiro ato político que a burguesia nacional, por ter chegado tarde demais na história, já é provavelmente incapaz de realizar.

10. Os três pretendentes

Se Armando de Salles Oliveira se apresenta na arena política como representante típico do capital financeiro internacional, José Américo, que encarna hoje as forças políticas e os interesses económicos que se opõe aos representados por seu competidor, não tem outro recurso, para suster-se sobre os pés, senão resignar-se a ser um servo fiel, na sua forma política mais acentuada, do imperialismo yankee, isto é, um mero colaborador de Misters Cordell e Summer Wells.

Resta um terceiro pretendente a salvar a pátria: Plínio Salgado. Mas este não passa de um súdito de terceira ordem dos imperialismos “famintos” , sobretudo do alemão. Sua centralização não seria “totalitária” , mas uma total burocratização destinada a entregar o Estado e toda a economia, juntamente com o povo todo, de pés e mãos atados, a Hitler, tal como Franco tentar fazer, atualmente, na Espanha. O integralismo tende cada vez mais a ser uma forma naturalizada da penetração nazista no Brasil. O fascismo da qual se disfarça o apetite voraz dos imperialismos italiano, alemão e japonês, que foram menos aquinhoados na repartição do mundo do que seus irmãos mais velhos, já saciados. A ofensiva alemã na conquista dos mercados nacionais tem sido tão intensa ultimamente que a Alemanha conseguiu, no ano passado, desbancar os Estados Unidos do primeiro lugar entre os países vendedores ao Brasil. Não é, pois, por acaso que os nazistas alemães e agentes de Hitler, enviados especialmente para o Brasil, preferem envergar, aqui, a camisa verde em vez da camisa caqui.

Do mesmo modo a “democracia” com D maiúsculo, tal como é pregada pelos Armandos Salles e Josés Américos, tal como é concebida em Paris, Londres, Nova York e adjacências, não passa de um biombo pudico atrás do qual os imperialistas satisfeitos procuram esconder, aos olhos das massas inquietas e desconfiadas, o seu ventre empanzinado.

*Aprovadas pelo comitê central provisório, junho de 1937









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