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A medalha e a probabilidade: reflexões sobre o “nobel” de matemática

07 Sep 2014   |   comentários

Pela primeira vez um latino americano ganha o prêmio “nobel” da Matemática, despertando muita curiosidade e discussões. Queremos com este artigo expor muito sucintamente algumas das áreas para as quais a pesquisa deste matemático contribuiu e, ao mesmo tempo, questionar as condições sociais que permitem o surgimento de um “gênio” em um país com uma educação tão precária.

Encontrando “ordem” no caos

As principais contribuições do ganhador da Medalha Fields foram na área de sistemas dinâmicos, que têm como característica principal mudarem com o tempo e são usados para modelar e fazer previsões de sistemas físicos, biológicos, financeiros e etc.

Um sistema dinâmico pode ser definido por regras que especificam como um objeto se relaciona com o tempo. Embora alguns sistemas tenham regras muitos simples, como aqueles que aprendemos em física newtoniana na escola, dependendo das condições iniciais a solução pode se tornar imprevisível (caótico).

Mesmo com comportamento caótico, os sistemas podem apresentar “ilhas” de estabilidade e regularidade. Porém, dependendo de pequenas variações nas condições iniciais, podem causar grandes mudanças na trajetória. O desafio consistia em explicar em um só modelo matemático as regularidades e o caos que apareciam no mesmo sistema.

Em um artigo de Artur Avila, Wellington de Melo e Mikhail Lyubich, que encerrou essa longa linha de pesquisa, foi possível obter este objetivo. Avila e seus co-autores consideraram uma ampla classe de sistemas dinâmicos e provaram que, ao se escolher uma tal aplicação aleatoriamente, ela será ou regular, ou estocástica. A técnica de dar “zoom” em um trecho da função e encontrar padrões similares ao da função como um todo foi a “sacada” brilhante de Ávila, chamada de renormalização. Com o seu trabalho foi possível olhar de forma unificada e abrangente os sistemas dinâmicos, encontrando “ordem” no caos.

O grande destaque de Artur foi resolver alguns problemas que estavam sem solução por muito tempo, encontrando saídas simples, aplicando conceitos de outras áreas da matemática.

O outro lado da medalha

O fato de um brasileiro receber um prêmio de tanta notoriedade internacional nos faz refletir sobre várias contradições. Se por um lado tem-se a visibilidade da carreira de matemático e encorajam-se tantos jovens que já têm algum interesse na área, por outro, as barreiras para a carreira acadêmica continuam sendo o maior impedimento para a realização. Para ser um pesquisador matemático é necessário fazer o curso universitário de Bacharel (4 anos), mestrado (2 anos) e doutorado (4 anos). Durante todos esses 10 anos é muito pouco recomendado que se trabalhe, por isso, é necessário concorrer a bolsas fornecidas pelo governo ou fundações de fomento à pesquisa, para assim conseguir manter-se financeiramente.

Além de todo talento e brilhantismo para a matemática, o carioca estudou em dois dos melhores (e mais caros) colégios do Rio de Janeiro. Destacando-se em Olímpiadas de Matemática, teve contato, ainda no Ensino Médio, com o Instituto de Matemática Pura e Aplicada, um centro de excelência mundial na pesquisa da área. O IMPA oferece a oportunidade de alunos que ainda não terminaram a graduação de realizarem o mestrado, e foi assim que, aos 22 anos, Artur já era doutor em Matemática.

Mas a realidade nacional é bem diferente do caminho trilhado por Artur. A precarização da educação começa nos níveis mais básicos e desde lá pouquíssimas crianças têm ao menos a chance de entender melhor matemática (ou outras disciplinas). Deixando de fora as questões pedagógicas, é nas salas superlotadas, na falta de infraestrutura, nos professores mal remunerados e desmotivados que são desperdiçados tantos talentos futuros. Na mesma semana em que Ávila ganha o prêmio, trabalhadores da USP, a maior e mais importante ilha de excelência no país, lutam contra a privatização e sucateamento da universidade, numa greve que já dura quase 100 dias. As ilhas de excelência convivem com a regular precariedade de nosso sistema de ensino e pesquisa.

Se mesmo depois de todas as dificuldades do ensino básico o jovem decide cursar matemática, ele terá que passar por outro filtro social chamado vestibular. Este é o primeiro dos problemas, uma vez que a maioria dos cursos de bacharelado em matemática oferecidos nas faculdades públicas são diurnos e integrais, tornando praticamente impossível que o aluno tenha um trabalho. Ainda que as famílias aceitem e entendam, o filho de um trabalhador terá uma barreira concreta financeira que o impedirá de cursar a faculdade.

Infelizmente, as instituições de ensino e a estruturação dos cursos e carreiras somente refletem a lógica capitalista de formação de mão de obra. Nesse sistema em que se propagandeia tanto a liberdade de escolha, vemos que este é uma mentira descarada, já que sua escolha profissional está diretamente ligada à classe social que pertence. Não quero dizer que jovens de origem proletária não podem se tornar doutores em matemática, mas as dificuldades impostas pelo capitalismo estão longe de ser superadas com o prêmio desta medalha.

Há apenas uma saída para que as capacidades humanas sejam libertas das questões materiais e possam ser exercidas em seu pleno potencial: uma sociedade sem classes. Hoje, grande parte do conhecimento está a serviço do lucro de uma pequena parcela da sociedade. A classe trabalhadora, que produz toda essa riqueza, é brutalmente privada de acesso de qualquer conhecimento que não sirva ao interesse da burguesia.

Enquanto vivermos na lógica apodrecida do capital, jovens como Ávila continuarão sendo considerados gênios excepcionais (quando além de aptidões individuais tiveram condições sociais que permitiram realizar este potencial), premiados internacionalmente, enquanto aos outros milhões não é ensinado nem mesmo uma conta de somar. É preciso lutar pela radical mudança de sistema, pelo fim da propriedade privada que aprisiona e destrói, dia após dia, as capacidades de realizações da humanidade. Só assim, casos como o de Artur deixarão ser exceção.

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