Sexta 29 de Março de 2024

Internacional

A marcha do Podemos, da praça às urnas

03 Feb 2015 | A marcha da mudança convocada pelo Podemos transbordou as expectativas e encheu as ruas de Madri. Pablo Iglesias e o Podemos conseguiram uma demonstração de forças, com um ato que se transformou no lançamento de sua campanha eleitoral. Da praça às urnas, uma estratégia reformista em marcha para gerir o estado capitalista.   |   comentários

A marcha da mudança convocada pelo Podemos transbordou as expectativas e encheu as ruas de Madri. Pablo Iglesias e o Podemos conseguiram uma demonstração de forças, com um ato que se transformou no lançamento de sua campanha eleitoral. Da praça às urnas, uma estratégia reformista em marcha para gerir o estado capitalista.

Os principais meios internacionais reproduziram durante o fim de semana as fotografias da Puerta Del Sol, em Madri, repleta de manifestantes na marcha convocada por Podemos.

Os líderes de Podemos convocaram esta manifestação há algumas semanas, como resposta à campanha lançada por meios afins ao PP-PSOE contra seus principais dirigentes. Nas palavras de Pablo Iglesias, “Não o fizemos para pedir nada ao governo ou à oposição, mas para simbolizar e encarnar que a mudança é agora, que não queremos esperar mais, nem confiamos nas medidas cosméticas que os velhos partidos estão propondo.” Um ato sem consignas, a não ser a difusa ideia da “mudança”, com o objetivo de fortalecer o Podemos. A marcha foi um êxito, sem dúvida.

Ao triunfo do Syriza, há apenas uma semana, agrega-se esta demonstração de forças de Podemos, fortalecendo o “polo reformista” no sul da Europa. Ambos os eventos são expressão política do giro à esquerda de amplos setores da população, que há muito tempo não se enxergam representados nas forças políticas tradicionais. Do “não nos representam” do 15M, passou-se a uma “nova representação” política, através de formações reformistas “anti-austeridade”.

A manifestação mostrou a confluência de diferentes setores sociais e políticos, desde as delegações ativistas e simpatizantes de Podemos, chegadas desde todo o Estado em mais de 300 ônibus e automóveis, os simpatizantes e ativistas dos círculos de Madri, até milhares de pessoas que pela primeira vez (ou pelo menos pela primeira vez em muitos anos) participavam de uma manifestação. Casais, famílias, maiores de 60 anos, ou grupos de amigos jovens, esperando para escutar Pablo Iglesias, grande parte desses “cidadãos não organizados” aos quais os líderes do Podemos dirigem permanentemente sua mensagem pela televisão.

“É preciso tirá-los de uma vez” (em alusão ao PP), “eu me conformo com que estes nos roubem” (em alusão ao Podemos), “o país recebeu nas costas o peso da corrupção”, “este sujeito é honesto”, “está chegando a mudança”, eram alguns dos comentários que se podiam ouvir em Sol.

A manifestação do sábado foi um enorme impacto eleitoral, apresentado como manifestação cidadã. Sem consignas, sem “ânimo de protesto”, convocado como um “evento festivo”.

Em seu blog, Juan Luis Sanchez analisa a marcha do Podemos com um título sugestivo: “Podemos e o mando”. Para os leitores fora da Península Ibérica, convém esclarecer que a palavra “mando” se refere tanto à condução, ao poder de dirigir, como também a “controle remoto” da televisão. O autor diz que a 25 de maio de 2014, com as eleições europeias e os resultados do Podemos, fechou-se a etapa de mobilização aberta com o 15M e se abriu outra, uma etapa de “luta de partidos”, onde agora o Podemos tem o “mando”.

O artigo oferece um dado concreto, desde 2013 a 2014, em Madri se convocaram 30% menos concentrações, e não se viu uma manifestação tão massiva desde 22 de março de 2014 – ainda que aquela, convocada pelas Marchas da Dignidade, reuniu muito mais gente: um milhão e meio de pessoas – apenas aproximando-se das manifestações espontâneas nos dias da abdicação do Rei exigindo referendo pela República (às quais os líderes do Podemos preferiram não convocar e manter um “baixo perfil”).

Do 15M a 31J, produziu-se uma “alquimia” da indignação social em força política emergente; e o Podemos soube “aproveitar a oportunidade” (como gostam de dizer seus líderes) para capitalizar esta dinâmica.

Não obstante, se o 15M carecia de “efetividade política” (como justificaram os líderes do Podemos quando se emanciparam da dinâmica assembleária que muitos ativistas propunham nos inícios de Podemos), hoje o Podemos tem um excesso de “mando” e reformismo político, diluindo o movimento social no objetivo parlamentar e na personalidade dos líderes.

O grande paradoxo da mobilização do sábado é que foi uma mobilização convocada, não como primeiro passo para relançar a dinâmica de mobilização e organização da luta social, mas para reafirmar o crescimento do Podemos no espaço eleitoral, como uma engrenagem subordinada a esta estratégia.

Esta concepção de “desmobilização” ficou clara há alguns dias, com a declaração de Carolina Bescansa, que disse que no Podemos o setor de Pablo Iglesias representava “um Podemos para vencer”, ao contrário de um “Podemos para protestar” que atribuiu a setores críticos dentro da organização. Declarações que não estiveram isentas de duras críticas desde os círculos do Podemos.

Bescansa defende uma estratégia na qual “ganhar” a gestão do Estado atual é o objetivo principal. E a mobilização social não só não é uma necessidade, mas inclusive um fator que pode “jogar contra” o objetivo de ampliar (para a direita) a base eleitoral do Podemos. Por isso, desde a direção do Podemos se insistiu tanto em que a marcha do sábado não era um “protesto” mas um “evento festivo” e seu secretário político, Iñigo Errejón, convocou especialmente os “votantes do PP” a participar.

Em uma entrevista publicada em Diagonal há alguns meses, Errejón colocava a mesma ideia de que os “movimentos sociais” e a mobilização são “pouco úteis” para um governo do Podemos.

Ante a pergunta do jornalista, “Como você acredita que estes movimentos poderiam ajudar a governar?”, Errejón respondia sem duvidar: “Para ser sincero, creio que pouco, porque estão instalados em uma cultura da resistência que não os obriga a sujar-se com a discussão concreta de como se fariam as coisas.”

E agregava: “Existe isso de ‘quando se alcançar o governo vamos necessitar dos movimentos sociais para que o apoiem nas ruas’. É complicado, porque muitos dos problemas aos quais se vai enfrentar esse governo não se resolvem depois com mobilizações nas ruas.”

“A ocupação de terreno para ir montando um poder popular e desmontando o poder oligárquico requer dar a batalha no Estado, na gestão e na administração.

Frequentemente prestamos menos atenção a este tipo de formação, e o inimigo não,” defendia Errejón.

Para os dirigentes do Podemos a chave da “mudança” passa pela mudança de mãos da “gestão do Estado”, para “desfazer o poder oligárquico” com bons quadros técnicos nos aparatos de administração. Ou seja, a falsa ideia socialdemocrata (ou “progressista”, diríamos na América Latina) da possibilidade de um Estado “eficiente”, que “governe para todos”, quando os recursos do poder real seguem nas mãos dos capitalistas. Um discurso não muito diferente do que professam os defensores do petismo no Brasil e de outros governos pós-neoliberais na América Latina.

É evidente que o “efeito Syriza” está fortalecendo as ilusões e expectativas de que as mudanças poderão vir “desde cima” e pela “via eleitoral”. A isto se soma um “senso comum conformista”, após anos de desilusões, que está na base da ampliação da base eleitoral do Podemos, com a ideia de que “ao menos estes não roubaram”.

Mas a Grécia será também um terreno de “prova” para estes projetos da esquerda reformista europeia. A aliança do Syriza com a direita nacionalista xenófoba e homofóbica da ANEL (que não foi questionada pelos dirigentes do Podemos), é uma primeira mostra de até que ponto estão dispostos a “sujar-se”, como diria Errejón, em função de conquistar uma “posição” na gestão do Estado capitalista.

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