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A hipocrisia das campanhas contrárias ao direito ao aborto

22 Mar 2008   |   comentários

  • Heloísa Helena

As campanhas contrárias ao direito ao aborto têm conquistado cada vez maior repercussão nos meios de comunicação. No Congresso Nacional, a Frente Parlamentar em Defesa da Vida e contra o Aborto reúne mais de 200 parlamentares e, além de colocarem-se contrários aos projetos de descriminalização e legalização do aborto, são responsáveis por um ofensivo plano de combate ao direito ao aborto. No 1º Encontro Brasileiro de Legisladores e Governantes Pela Vida, além de lançar uma campanha pela instauração de uma “CPI do aborto” para investigação das redes clandestinas de aborto, esses parlamentares lançaram também uma campanha que tem as prefeituras e governos estaduais como alvos, no sentido de incentivá-los a promover “políticas públicas em defesa da vida” , ou seja, contra o direito ao aborto. E nesse marco, preparam-se para um encontro internacional contra o direito ao aborto, que será sediado em São Paulo em 2009.

A Frente Parlamentar em Defesa da Vida está ligada ao à Campanha Nacional Pela Vida ’ Brasil sem Aborto, que em 2006 comemorou a eleição de 37 parlamentares para o Congresso, que assinaram o termo de compromisso com a campanha no período de suas candidaturas.

A Igreja Católica, por sua vez, lançou neste ano a Campanha da Fraternidade sob o lema “Escolhe, pois, a vida” , condenando mais uma vez as mulheres que praticam aborto. Recentemente, igrejas no Rio de Janeiro passaram a expor nos altares embriões de plástico. O bispo auxiliar do Rio de Janeiro D. Antonio Augusto Dias Duarte afirmou que as imagens dos fetos são singelas e que essa é uma forma de “conscientizar a população” .

As campanhas de combate ao direito ao aborto colocam como eixo o discurso de defesa da vida. No entanto, não fazem parte da realidade que apresentam o fato de que são milhares as mulheres que morrem todo ano por causa de abortos precários. Assim, a defesa da vida do não nascido sobrepõe-se à defesa da vida das mulheres.

Ao mesmo tempo em que essas campanhas gastam muito dinheiro para se contrapor ao direito ao aborto sob o discurso de defesa da vida, não falam uma palavra e não têm nenhuma ação em defesa da vida das mulheres, não somente daquelas que praticam aborto, mas também daquelas que morrem ou perdem seus filhos nos corredores dos hospitais sem leito e médico. Ou ainda, se defendem tanto a vida, por que nada fazem contra o tráfico de crianças e mulheres e o turismo sexual, que condena milhares a escravizar seus corpos?

Se tratarmos da Igreja, poderíamos perguntar onde esteve a defesa da vida quando a Igreja promoveu a Inquisição na Idade Média, lançando à fogueira todos que ela julgava pecadores; ou quando a Igreja lucrou milhões com o tráfico e escravização de africanos sob o argumento de que esses não eram humanos. Se quisermos falar da atualidade e dos fatos ocorridos no seio da Igreja, onde está a defesa da vida quando padres abusam sexualmente de mulheres e crianças?

É fundamental ver que, por trás de um discurso humanitário, está a condenação às mulheres, arrancando-lhes o direito a decidir sobre o próprio corpo. A maternidade é posta como uma obrigação, impedindo que as mulheres tenham um direito democrático que é decidir quando e em que condições pretendem ser mães ou não. Ou seja, impulsionar uma campanha em defesa do direito ao aborto, não significa fazer apologia ao aborto, incentivar as mulheres a não ser mães. Essa é uma decisão que cabe a cada mulher e somente ela tem condições para analisar todos os fatores ’ sociais, pessoais ’ e decidir. Infelizmente, muitas mulheres que gostariam de ser mães, decidem abortar justamente porque a sociedade em que vivemos não lhes permite criar seus filhos sob condições dignas. E, ao mesmo tempo, não lhes permite praticar o aborto também sob condições dignas.

Entre os argumentos contrários à legalização do aborto, há quem diga que isso incentivaria as mulheres a abortar a todo momento. Isso não condiz com a realidade, pois sabemos que um aborto, ainda mais na sociedade em que vivemos, gera para as mulheres conseqüências sociais e psicológicas muito agressivas.

É por isso que defendemos que, além do direito ao aborto legal, seguro e gratuito para que as mulheres não morram mais por não poder pagar os altos preços de clínicas clandestinas, seja garantido o acesso aos métodos contraceptivos para as mulheres que não querem engravidar. Ainda são muitos os postos de saúde que não dispõem da distribuição gratuita de preservativos e pílulas, e quando dispõem, não garantem um atendimento adequado principalmente às mulheres jovens e adolescentes, obrigadas a responder questionamentos humilhantes.

Como se não bastasse, a Igreja mantém sua posição contrária ao uso dos contraceptivos. Isso significa, na verdade, um controle sobre o direito à sexualidade da mulher. Afinal de contas, se o direito ao aborto não é garantido, se os contraceptivos são igualmente condenados, cabe às mulheres somente duas opções: abrir mão da sua vida sexual ou ter muitos filhos, mesmo sob a miséria a que são condenadas milhões de mulheres que vivem com um salário mínimo, e tirando-lhes o direito a decidir quantos filhos desejam ter.

É preciso arrancar a máscara hipócrita e reacionária das campanhas contrárias ao direito ao aborto. Basta da Igreja influenciar as decisões que serão tomadas pelo Estado. Basta que milhares de mulheres morram sob o discurso de defesa da vida. Pelo acesso a métodos contraceptivos para não abortar. Pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito para não morrer.

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