Sexta 29 de Março de 2024

Internacional

Iraque

A estratégia guerreirista dos Estados Unidos à beira do abismo

12 May 2004   |   comentários

Nas últimas semanas a estratégia guerreirista de Washington na chamada guerra contra o terrorismo e, em particular, na ocupação do Iraque, entrou em um ponto crítico. A invasão do Iraque e a rápida vitória militar haviam permitido um importante avanço estratégico dos Estados Unidos no Oriente Médio e no mundo muçulmano. Isto se evidenciava fundamentalmente no giro de posição do governo da Arábia Saudita, o principal sindicado pelos atentados de 11/9, que passou decididamente a combater ativamente as células da Al Qaeda; a posição mais cómoda do Irã, uma das patas do “eixo do mal” e no comportamento mais moderado, apesar de não totalmente controlado, do governo da Síria. Estes elementos, inimagináveis antes da guerra do Iraque, buscavam conter em longo prazo as tendências radicalizadas do islamismo para assegurar os interesses geopolíticos dos Estados Unidos nesta região chave do mundo. Entretanto, a crise da ocupação no Iraque pode levar a um fracasso estratégico que reverta os avanços conseguidos pelos Estados Unidos nesta zona, e deteriore a posição deste no mundo muçulmano, com enormes implicações em nível internacional. Como disse um analista do Financial Times “As circunstancias nas quais os Estados Unidos eventualmente deixem o Iraque vão determinar seu poder e seu papel no mundo nas décadas que estão por vir” (Philip Stephens, 6/5/2004). A estratégia guerreirista do governo Bush se encontra à beira do abismo. Ou os Estados Unidos revertem rapidamente a sua situação, ou afronta a perspectiva desprezível de uma derrota.

Faluja e Najaf como pontos de inflexão

O fracasso e a falta de vontade do exército norte-americano de sufocar, a sangue e fogo em um combate casa por casa, a insurgência sunita em Faluja e o levantamento de Al-Sadr em Najaf, constituem um ponto de inflexão na atual ocupação do Iraque. A imagem do exército mais poderoso da terra incapaz de lidar com o desafio de algumas centenas de combatentes foi a demonstração mais evidente que alguém poderia imaginar dos limites do poderio militar norte-americano. Como disse Anthony Cordesman, chefe de estratégia do Center for Strategic and International Studies e recém-chegado do Iraque o “curso da batalha em Faluja e Najaf está sendo per-cebido no Iraque e no mundo árabe como uma séria derrota norte-americana. Isto não é simplesmente uma questão de derrubar alguma aura de invencibilidade do exército dos Estados Unidos, mas este é um fator crítico: os insurgentes iraquianos não têm que ganhar, eles meramente têm que demonstrar uma resistência suficientemente determinada, com suficiente habilidade e coragem, para enviar um sinal de que são capazes de um esforço determinado, forte e bem organizado. O total de norte-americanos, aliados e iraquianos amigos mortos e feridos já atingem o ponto que eles atuam como uma virtual “mapa do caminho” para futuras batalhas no Iraque e no resto do mundo. O resultado final é mostrar que uma força árabe assimétrica pode deter e possivelmente por em xeque o mais forte poder militar do mundo, que os árabes não são débeis nem passivos e que podem ”˜recuperar sua nação”™” (“Falu-ja, Sadr e a erosão da posição dos EUA no Iraque” , 30/04). Esta mudança na moral das forças iraquianas e do mundo árabe em geral contrasta com a percepção do exército e crescentemente da população norte-americana que vê que a aventura ira-quiana não tem uma clara estratégia. Tão grave é a situação que segundo o Washington Post, ou mesmo o Pentá-gono, os oficiais que trabalham sobre o Iraque, ainda que tratam de manter publicamente uma boa cara, privadamente estão pessimistas sobre a situação em Bagdá, chegando ao extremo em que nas discussões sobre a política iraquiana se refiram a ela como “É Um Homem Morto Caminhando” (“It”™s ”˜Dead Man Walking”™” ). É sobre esta sensação, de que as operações no Iraque estão fora de controle, que as revelações sobre os casos sistemáticos de abusos e torturas na prisão de Abu Ghraib podem significar um golpe mortal para a estratégia norte-americana e sobretudo do fundamental apoio da população à guerra.

Falta de legitimidade e de um forte poder central

Os recentes levantes e a solução negociada atingida tanto em Faluja como em Najaf, que implicam a entrega da segurança a forças locais iraquianas relacionadas de certa maneira com as forças insurgentes, efetivamente tem legitimado as posições duras dos setores sunitas e xiitas. Significam um duro golpe para a Autoridade Provisória da Coalizão (CPA), o organismo liderado pelo norte-americano Paul Bremer, encarregado de formar o Conselho de Governo Interino e para os amigos iraquianos de Washington e do Pentágono, como o exilado Chalibi. Em outras palavras, a capa-cidade dos Estados Unidos de alcançar “legitimidade” tem sido fortemente reduzida precisamente no momento em que mais a necessita para a transferência de 30 de junho. Tanto é assim que este plano de Washington tem sido descrito como a “eleição de gente seleta por gente seleta por Bremer” .

Para Anthony Cordesman, neste ponto os Estados Unidos carecem de boas opções “outra que não seja brindar todo seu esforço político, de ajuda e de segurança aos iraquianos moderados tão imediato como seja possível, e rezar para que as Nações Unidas possam criar algum tipo de clima para a legitimidade política” .

No entanto, o fracasso dos Estados Unidos em desmantelar as numerosas milícias e exércitos tribais privados, ou integrar a estes em um exército nacional, refletem como o Iraque está se partindo frente à ausência de um forte governo central. Nesta situação que ninguém pode predizer como vai terminar, começam a se traçar outros planos. Já há uma crescente discussão, em que alguns na Administração chamam o “plano B” , apesar de que não existe como tal, de redesenhar uma divisão do Iraque em três mini-estados debilmente unidos, talvez uma Confederação. Em um recente artigo do New York Review of Books, que foi altamente difundido em círculos militares que habitualmente não lêem esta publicação, o ex-embaixador dos Estados Unidos na Croácia, Peter Galbraith, que tem sido associado há tempos com os curdos, afirmou que “o Iraque não é viável como estado unitário” , enquanto agregava também que “...uma ruptura do Iraque não é uma possibilidade realista no presente...” pela hostilidade dos países vizinhos temerosos de demandas similares de autodeterminação de suas próprias comunidades curdas e xiitas. Este ex-diplomático defende uma fragmentação controlada, um sistema que recorda o antigo modelo de repúblicas da Iugoslávia na constituição realizada após a queda de Tito, isto é, repúblicas auto-governadas, auto-suficientes financeiramente e com suas próprias forças policiais e militares e com um governo central débil, rotativo entre as repúblicas com responsabilidades limitadas na política exterior, política monetária e alguma coordenação na defesa. “Enquanto os recursos seriam propriedade das repúblicas, alguma divisão dos lucros do petróleo seria essencial, desde que uma empobrecida região sunita não interesse a ninguém” (NYRB, Vol. 51, nº 8, 13/5/2004). Esta seria a melhor variante.

O perigo é uma ruptura sangrenta ao estilo dos Balcãs com os curdos, os sunitas e os xiitas lutando pelos territórios e recursos em disputa.

Em direção a uma derrota dos Estados Unidos?

A situação iraquiana tem desencadeado uma forte crise política em Washington que tem praticamente liquidado ao até pouco tempo muito forte secretário de defesa, Donald Rumsfeld e a seu segundo, Paul Wolfowitz. Pior ainda, ameaça certamente cada vez mais com custar à presidência a Bush.

Mas o que está em jogo é muito mais que isso. Robert Kagan e William Kristol, no semanário preferido pelos neocon-servadores The Weekly Standar, escrevem alarmados: “Não sabemos o quanto o esforço norte-americano no Iraque pode estar próximo de um irrecuperável fracasso....a perda de confiança de que a guerra pode ser vencida vai mais além da ala esquerda Democrata ou dos Republicanos isolacionistas. A administração Bush parece não reconhecer o quão estendido, e o quão bipartidário, é a visão de que o Iraque já está perdido ou a beira de ser perdido.

A administração em conseqüência poderia não apreciar quando cerca do conjunto da nação está por definir-se decisivamente contra a guerra. Em um sentido, não interessa se esta percepção da situação no Iraque, da população ou da elite é demasiado simplista ou demasiado pessimista. Esta percepção se persiste, poderia destruir o apoio à guerra antes que os eventos tenham uma oportunidade de se provar equivocados” (Vol. 009, nº 34, 17/5/2004). Isto abertos neoconservadores defendem uma dra-mática mudança de curso na estratégia política e militar que reverta a atual trajetória descendente, adiantando para setembro deste ano a convocatória para as eleições com o objetivo de reconduzir as frustrações e ódios dos iraquianos para um novo tema, ao mesmo tempo em que se busca deixar a França e a Alemanha sem desculpas para enviar tropas ao Iraque em apoio às eleições.

Outros analistas menos sonhadores e mais realistas defendem que o modelo de Najaf e Faluja deve ser visto como um modelo de acordo mais geral, no qual as áreas mais populosas do Iraque, ao norte e ao leste do Eufrates, seriam deixadas aos iraquianos que lidariam com elas enquanto os Estados Unidos se moveriam fora desta área do outro lado do Eufrates, onde possam usar sua presença para influenciar os eventos nos países vizinhos sem causar fricções com os iraquianos.

Em outras palavras, os Estados Unidos deixariam a pacificação do Iraque aos iraquianos convencidos de que nenhuma quantidade de tropas podem se impor sobre a resistência e a hostilidade da população e rebaixariam os objetivos demasiado ambiciosos da guerra à questão básica de que nenhum estado dê apoio a Al Qaeda. Se esta divisão de tarefas é factível está por ver-se. No melhor dos casos soa difícil. Para os mais fanáticos esta diminuição dos objetivos e enfocar-se apenas sobre a estabilidade do Iraque é o primeiro passo no sentido de chamar a uma retirada. O que está claro é que as próximas semanas são críticas. Não sabemos se o governo de Bush, apesar de manter publicamente Rumsfeld, esteja reavaliando a sua estratégia no Iraque. O que está claro é que, como tentamos demonstrar através da visão de parte dos mais destacados analistas de política internacional dos países imperialistas, o impensável ’ a derrota norte-americana no Iraque- está se transformando em pensável.

Deixemos que um dos máximos articulistas do Financial Times, Mar-tín Wolf, assinala o quão terrível isto seria para o imperialismo norte-americano: “É impossível exagerar os perigos que sobreviriam devido a um fracasso norte-americano no Iraque: os fundamentalistas islâmicos concluiriam que eles agora derrotaram a uma segunda superpotência; os regimes amigos seriam socavados; e o prestigio norte-americano seria destruído. Iraque não é outro Vietnã. É muito mais perigoso que aquele. Enquanto esta aventura nunca seria tão perigosa militarmente como aquela guerra, desta vez os dominós podem cair.

Uma retirada norte-americana incontinente pode ser um momento decisivo na relação entre os Estados Unidos e o mundo árabe, senão do mundo mulçumano inteiro” (FT, 11/05). A situação que está se abrindo no Iraque e nos Estados Unidos é o momento em que as forças antiimperialistas de todo o mundo, a classe operária, os camponeses e os pobres dos países semicoloniais junto aos seus irmãos de classe, os traba-lhadores e a juventude “não global” dos países imperialistas, aproveitamos a crise da atual estratégia guerrerista do imperialismo norte-americano, e apoiando a resistência nacional iraquiana dermos passos decisivos para paralisar e derrotar a sua maquinaria de guerra.

Mãos à obra!

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