Sexta 19 de Abril de 2024

Nacional

EDITORIAL

A “democracia” da corrupção e as conseqüências da inflação

16 Jun 2008   |   comentários

Um fosso separa atualmente a situação do presidente Lula e do seu governo, da situação das demais instituições da democracia dos ricos. Enquanto Lula é um dos presidentes mais populares da história do país, e o governo, apesar das denúncias contra ministros importantes como Dilma Roussef, continua relativamente fortalecido, o Congresso Nacional principalmente, mas também outras instituições, amargam uma crise contínua de legitimidade.

Com crise de legitimidade, queremos expressar que a política brasileira se transformou, mais do que nunca, num balcão de negócios e que a corrupção assumiu um papel tão grande, que é preponderante nas relações entre os partidos, entre executivo, legislativo e judiciário. Nesse marco, a alta popularidade do presidente funciona como uma “blindagem” e garante a ele e ao seu governo a possibilidade de controlar o Congresso Nacional pela via da corrupção direta e indireta e atuar como uma espécie de árbitros nas disputas entre os seus aliados. Essa popularidade, que se apóia no crescimento da economia, no assistencialismo do bolsa-família, e no governismo das principais direções do movimento de massas, é peça chave para evitar que a crise de legitimidade do regime democrático-burguês provoque uma situação de instabilidade política.

Recentemente essa crise de legitimidade que atinge as instituições e partidos da burguesia se aprofundou, com os tucanos entrando com tudo no vendaval de escândalos a partir da crise no governo do Rio Grande do Sul. Nesse caso, o que mostra o tamanho da crise é que foi o próprio vice-governador (do Dem ’ ex. PFL) que utilizou gravadores escondidos para denunciar a corrupção no governo tucano, talvez com a esperança de assumir o governo do estado no lugar de Yeda Crusius. Além disso, no Rio de Janeiro, começam a vir a publico as relações profundas entre a policia, as milícias e os principais políticos do estado (ver artigo “Garotinho e as milícias: debilitamento do regime e elementos de crise do Estado burguês no Rio de Janeiro” na página 05).
A questão que se coloca é se a crise de legitimidade das instituições e partidos burgueses vai atingir também o presidente Lula e desestabilizar o cenário político nacional ou se a burguesia vai continuar se apoiando na popularidade do presidente e conseguir fazer mudanças cosméticas que garantam que tudo continue como está. Essa questão será definida por como vão evoluir os demais fatores da situação nacional: de um lado a economia e de outro a luta de classes.

As bases da popularidade de Lula e as contradições da economia

O crescimento da economia, que se baseia fundamentalmente no ciclo de valorização das matérias primas e alimentos, no aumento do nível de emprego e do crédito, tem garantido uma situação de estabilidade para o governo Lula, apesar do debilitamento das instituições e das eventuais dificuldades encontradas no Congresso ou com o aumento do desmatamento na Amazónia.

No plano externo, a continuidade do crescimento brasileiro apesar da recessão dos EUA e o potencial energético do Brasil, com as descobertas de novos campos de petróleo e o seu potencial em hidro e bio-energia, têm transformado o Brasil em um dos principais destinos dos investimentos capitalistas em todo o mundo semi-colonial e inclusive entre os Bric (Brasil, Rússia, Ã ndia e China).

Internamente, esse crescimento é o que tem permitido ao governo Lula, com a ajuda da burocracia sindical da CUT, da CTB e da Força Sindical, conter as contradições sociais que foram agravadas pela ofensiva neoliberal, ao mesmo tempo em que mantém os pontos fundamentais da política económica neoliberal de FHC ’ juros altos, real valorizado e outras benesses para atrair capitais estrangeiros, pagamento em dia da divida externa e interna, precarização e terceirização do trabalho, privatização (ainda que num ritmo menor e de forma mais mascarada). E Lula contém as contradições geradas pela política neoliberal não só se apoiando no seu “carisma” , mas distribuindo concessões a setores burgueses e setores populares prejudicados pela sua política económica.

Para os setores burgueses industriais e exportadores: bilhões do BNDES, renegociação da divida bilionária do agronegócio, incentivos fiscais para setores exportadores da industria, fortalecimento das empresas estatais que restaram como a Petrobrás (o que beneficia diretamente a burocracia estatal burguesa que controla essas empresas), corrupção desenfreada em todos os níveis para contentar os aliados políticos. Para os trabalhadores e o povo, se por um lado os empregos criados são precários e os salários ainda que tenham sido levemente aumentados se mantêm tão rebaixados como os da época de FHC; por outro lado houve aumento do salário mínimo acima da inflação, recorde de novos postos de trabalho com carteira assinada e bolsa-família para cerca de 40 milhões de pessoas.

A questão é que ao mesmo tempo em que se anuncia que o PIB continuou crescendo acima de 5% no primeiro trimestre de 2008, as primeiras conseqüências da recessão nos EUA, somadas as conseqüências da própria política económica neoliberal de Lula, começam a afetar o Brasil e podem reduzir a margem de Lula para seguir oferecendo concessões. A inflação, gerada pela combinação entre o aumento do preço internacional das matérias primas e o crescente consumo interno, está corroendo os aumentos salariais, principalmente para quem ganha menos, e pode ser o estopim das lutas dos trabalhadores.

A política do Banco Central é combater a inflação esfriando o crescimento económico e o consumo. Isso pode interromper o ciclo de crescimento, gerando novos processos de demissões em massa. Também poderia valorizar ainda mais o real e provocar descontentamento de setores industriais que hoje apóiam o governo debilitando a base de apoio de Lula entre os setores burgueses. E ainda por cima, além de aumentar as pressões deficitárias na balança de pagamentos, pode não conter a inflação, que tem causas mundiais que vão para além do controle do BC.

Esses elementos mostram que apesar da continuidade do crescimento interno, a economia, ponto fundamental onde hoje se apóia a estabilidade política do país e a popularidade de Lula, pode a médio prazo se converter em um foco de instabilidade, principalmente se a inflação continuar a subir.

O papel da Conlutas

Nessa situação, onde prima a estabilidade política apesar da crise de legitimidade das instituições, ainda predomina entre os trabalhadores a passividade. As ações de setores indígenas contra o avanço do desmatamento, ou as ações dos camponeses sem terra contra o agro-negócio, não têm sido capazes de romper a passividade imperante.
Mesmo assim, entre os setores precarizados e terceirizados se desenvolve um inicial processo de lutas, cuja principal delas foi a greve da Revap, terceirizados da Petrobrás que, enfrentando a burocracia sindical em uma greve massiva e radicalizada que durou um mês, apontam o caminho a seguir para lutar contra a inflação e a precarização.

A Conlutas deve buscar unificar os setores de vanguarda a partir de uma política de independência de classe, que rompa com o coorporativismo sindical que se expressa nas datas-base, a partir de um programa que atenda aos interesses dos setores mais explorados dos trabalhadores, como a luta pelo salário mínimo do Dieese (cerca de R$1900), pela redução da jornada de trabalho para acabar com o desemprego e pela incorporação dos trabalhadores terceirizados às empresas principais em que trabalham com salários e direitos iguais aos não terceirizados. Para isso, um primeiro passo seria passar das palavras à ação, para unificar as lutas em curso, convocando uma campanha salarial unificada contra a inflação para lutar pela recuperação das perdas e reajuste mensal automático dos salários de acordo com o aumento do custo de vida e apoiar a luta de setores populares, índios e camponeses sem-terra.

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