Quinta 18 de Abril de 2024

Teoria

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A crise mundial e a perplexidade dos intelectuais

01 Nov 2008   |   comentários

Na semana de 21 a 24 de outubro teve lugar na USP o seminário internacional “Hegemonia às avessas - Economia, Política e Cultura na Era da Servidão Financeira” . Patrocinado pelo CENEDIC (Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania), centro uspiano idealizado e encabeçado pelo sociólogo Chico de Oliveira. Não é nosso intuito aqui traçar um panorama completo dos diversos debates realizados, que envolveram várias figuras de proa da intelectualidade brasileira, e nem qualquer coisa parecida com isso. No entanto, algumas reflexões se abrem após o evento.

Pois se por um lado hoje é fundamental uma ampla unidade na esquerda contra os ataques presentes e futuros que os velhos “neoliberais” vão tentar infligir ao movimento de massas e aos setores de vanguarda organizados ’ uma unidade que se manifesta no chamado ao ato unitário de 4/11 contra a repressão na USP, e no manifesto de intelectuais contra a perseguição política ao Sintusp e aos lutadores da ocupação de reitoria de 2007, duas iniciativas que vêm contando com o apoio de vários dos que participaram do seminário ’ por outro lado essa mesma unidade não deve calar a crítica mútua e a polêmica fraterna, que afinal constituem a única via capaz de proporcionar verdadeiros avanços na luta social dos explorados.

É com esse espírito, de unidade na luta e firmeza na crítica, que buscamos aqui, na semana em que vem a público a primeira edição da revista Iskra, levar adiante um dos seus maiores propósitos: identificar os limites dos debates que percorrem nossa esquerda e atuar para contribuir para sua superação.

“Hegemonia às avessas” ?

Com mesas temáticas tais como “O trabalho após o desmanche” , “A cultura da servidão financeira” , “Dominação financeira e mercado de trabalho no Brasil” e “Do apartheid ao neoliberalismo” , para não falar da mesa de encerramento, que comentaremos a seguir, o evento em seu conjunto foi claramente idealizado com um viés ideológico-político bem determinado. Porém, se um espectro rondou os dias do evento, esse espectro era anti-neoliberal.

Na mesa final, cujo título completo era “Hegemonia às avessas: Decifra-me... ou te devoro!” , reuniram-se Chico de Oliveira, Paulo Arantes, Carlos Nelson Coutinho e José Paulo Netto. O mote para o debate era o conceito cunhado por Chico de Oliveira para “explicar” a situação brasileira sob Lula: para ele, estaríamos diante de um governo que representa a hegemonia da classe operária, pois não apenas é encabeçado pelo ex-metalúrgico, como possui de fato uma base social firme entre os operários que apóiam a sua política, que é neoliberal... o “às avessas” daria conta então do fato de que essa mesma hegemonia, longe de ser exercida em benefício da classe operária, entraria em choque com os seus interesses históricos, podendo chegar mesmo a destruí-la.

Um raciocínio um tanto esdrúxulo, que tende a culpar a classe pelo desarvoro de seus representantes traidores e pela ideologia burguesa “neoliberal” que lhe foi imposta após as duras derrotas dos anos 1980 e 1990. No entanto, não caberia que nos detivéssemos aqui mais do que um mínimo, pois vários dos intelectuais presentes, tanto os demais que compuseram a mesa como alguns que falaram do plenário (como Roberto Schwarz) manifestaram seu desacordo, ou até seu espanto, com o contorcionismo cerebral necessário para sustentar tal tese. O que não impediu Paulo Arantes, em seu estilo peculiar, de levar o público às gargalhadas quando tornou explícita a ginástica intelectual que estava disposto a fazer, como “caixeiro viajante” (como se auto-denominou) das idéias do amigo e parceiro.

A crise capitalista e os intelectuais perplexos

Nada disso constitui, porém, o centro dos nossos interesses aqui. Ao contrário, o que queremos ressaltar no debate é um elemento que não esteve presente, ao menos não como deveria: é claro, nos referimos à crise mundial do capitalismo, que avança a cada dia.

Perguntas sobre a crise não faltaram; aliás, dentre as manifestações do plenário, esse foi o grande tema que surgiu em quase todas as perguntas. No entanto, da parte da mesa, vimos apenas respostas fugidias, superficiais, ou então o silêncio.
Carlos Nelson Coutinho foi quem foi mais longe... no caminho oposto ao da realidade. tendo definido mais cedo no debate que vivemos na época da “hegemonia da pequena política” , dizendo que o que o capitalismo conseguiu foi retirar de cena todos os grandes debates e as grandes alternativas históricas (tese que tratou de ilustrar com os exemplos, bastante favoráveis a ele, das disputas eleitorais do tipo Obama X McCain nos EUA, ou mesmo Kassab X Marta em São Paulo); disse a respeito da crise apenas que, seja como for, os seus desdobramentos não vão alterar em nada esse panorama, ou seja, que iremos prosseguir vendo todas as disputas políticas circunscritas ao que chamou de “pequena política” , sem que a crise abra novos momentos de cisão e de abertura de grandes alternativas históricas.
Nada mais distante daquilo para o que devemos nos preparar.

E assim chegamos a uma tarefa fundamental dos novos intelectuais revolucionários:

mostrar que não apenas o marxismo é a única teoria que dá conta de explicar as grandes crises como a que estamos começando a viver (isso, aliás, os setores mais honestos, ou mais inteligentes, da própria burguesia fazem). Mas mostrar também que o marxismo é uma filosofia viva e um guia para a ação, que procura e encontra na realidade o sujeito social capaz de encarnar o seu programa.

No quadro atual, o velho discurso keynesiano que tanto prestígio possui entre a intelectualidade “marxista” não apenas não dá respostas profundas para a necessidade imperiosa de que as massas se defendam dos golpes económicos e políticos dos capitalistas: esse foi apenas o papel do keynesianismo durante o período da ofensiva neoliberal ’ ou seja, o de desarmar a resposta de classe necessária para atravessar aquele período de defensiva histórica com um mínimo de perdas. No contexto atual os remédios keynesianos compõem de fato uma parte significativa do próprio receituário que a burguesia imperialista, seguida pelos governos capachos dos países atrasados, irá tratar de aplicar; é com a máscara de “mais regulação” e de “maior presença estatal” que irão se esconder os duros ataques que governos e patronais irão tentar impor aos trabalhadores de todo o mundo.

Não que a resistência e a preparação da contra-ofensiva contra os ataques neoliberais não estejam na ordem do dia, pois evidentemente estão. Porém, o cerne da questão é que hoje são justamente os neoliberais que mais enfaticamente ilustram que esse padrão de acumulação capitalista está ferido de morte; e que será preciso retroceder de muito do que foi feito nos últimos anos.

Assim é que agora, mais do que nunca, se coloca a necessidade de separar as concepções marxistas das keynesianas, o programa revolucionário do programa desenvolvimentista-reformista, as bandeiras classistas dos engendros de conciliação de classes.

A revista Iskra, que iniciou sua trajetória atacando velhos fantasmas que rondam o pensamento marxista brasileiro, encara a nova etapa que está se abrindo diante de nossos olhos como um momento prenhe de grandes acontecimentos, diante dos quais nossas melhores forças físicas e intelectuais deverão se provar.

Para adquirir um exemplar da Revista ISKRA envie um email para [email protected].

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