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Nacional

PÓS-LULA

A continuidade com Dilma, sem Lula

24 Feb 2010   |   comentários

Dilma Rousseff é a candidata oficial à sucessão de Lula, homologada festivamente no IV Congresso do PT, encerrado no sábado (21/02). Em clima de euforia e aclamação Dilma disse receber “a honrosa tarefa de dar continuidade à magnífica obra de um grande brasileiro”, o presidente Lula. Cabal confissão de que se eleita não tem projeto distinto, cabendo-lhe continuar o que foi feito nesses dois mandatos lulistas. Também é uma senha para dar confiança aos monopólios imperialistas e nacionais, industriais e financeiros – os que realmente determinam a política nacional – de que seus negócios e lucros estarão garantidos. A candidata Dilma reafirmou os pilares econômicos do último ciclo de acumulação capitalista: “Vamos manter o equilíbrio fiscal, o controle da inflação e a política de câmbio flutuante”. Esses fundamentos da política econômica foram seguidos à risca pelo governo Lula, que em 2002, na Carta ao Povo Brasileiro, lançava a senha de que os capitalistas nacionais e internacionais poderiam confiar que ele seguiria aplicando o que vinha do governo FHC.

Desde a década de 1980 até início da década de 1990, os planos econômicos primavam por medidas que garantissem aos capitalistas a transferência de renda extraordinária – acima da mais-valia extraída da exploração dos trabalhadores – pelo processo inflacionário, elevando os preços de produtos e serviços enquanto os assalariados, mesmo quando indexados, não acompanhavam a escalada inflacionária. O novo processo de acumulação capitalista iniciado no início da década de 1990 (Collor) com a abertura comercial e financeira e as privatizações colocou à frente os interesses do sistema financeiro nacional e dos mercados internacionais (fundos de investimentos, bolsas de valores). Os negócios com títulos da dívida pública passaram a ter papel preponderante. O governo devia financiar a rolagem da dívida, e para isso necessitava de capitais. O setor financeiro e bancário passou, então, a ser o maior detentor de títulos da dívida [1], ganhando fabulosos lucros com os juros que recebia, além de poder utilizar esses papéis (a valor de face, conhecidas “moedas podres”) nas privatizações.

Dívida pública: carga insuportável para o povo e o país e fonte de lucro para os capitalistas

O tripé econômico que Lula herdou de FHC – equilíbrio fiscal, controle inflacionário e política de câmbio –, e que Dilma promete continuar, responde aos interesses dessa fração burguesa bancária e financeira que há mais de uma década determina as finanças públicas em prol dos seus lucros e extração de renda extra. O superávit primário e a Lei de Responsabilidade Fiscal (para governos estaduais e municipais), cerne das finanças públicas, foram instituídos por FHC. Por esses mecanismos os orçamentos públicos federal, estaduais e municipais têm que separar primeiro o dinheiro para pagar os juros dos títulos da dívida pública em mãos dos banqueiros, fundos de investimentos, de pensão e detentores individuais. Depois, com o que sobrar, pode-se tentar “planejar” gastos sociais e políticas públicas. Por isso sempre os capitalistas exigem a diminuição dos gastos públicos – salários dos servidores, educação, saúde, transporte, moradia popular, saneamento etc. – com o falso argumento de “equilíbrio fiscal” (receitas e despesas).
Desde o Plano Real (FHC), pode-se dizer que quase tudo que a maioria da população – que vive de salários e vende sua força de trabalho legal ou informalmente – produz é apropriado por uma minoria de parasitas – capitalistas bancários e financeiros mas também os capitalistas “produtivos”. No final de 1994 a dívida pública (maior parte externa) era de US$ 148 bilhões. Em 1998 pulou para US$ 235 bilhões – crescimento de 63% ou 15,7% por ano. Mesmo crescendo tudo isso, nestes quatro anos os capitalistas detentores dos títulos da dívida receberam US$ 126 bilhões em juros. [2] Em quatro anos a dívida aumentou US$ 87 bilhões mesmo tendo sido transferido diretamente aos capitalistas – a título de juros – uma vez e meia a dívida original.

Durante o governo Lula a dívida pública continua sendo o principal fator de acumulação capitalista, beneficiando os mesmos setores burgueses – banqueiros, financistas, monopólios nacionais e estrangeiros. Não à toa ele, que em 2002 “assustava” esses capitalistas passou a ser venerado como garantidor da estabilidade econômica, política e social que permitiu preservar os mecanismos de acumulação capitalista.
A candidata Dilma discursou repisando que “reduzimos a dívida em relação ao Produto Interno Bruto”. A dívida líquida, durante o governo Lula, realmente caiu de 49,2% do PIB para 45,7%. Ocorre que o conceito de dívida pública não computa todas as medidas governamentais que foram largamente utilizadas para segurar a economia pós-crise capitalista mundial. Por exemplo, os R$ 145 bilhões que o Tesouro emprestou em outubro passado, sendo R$ 129 bi ao BNDES e R$ 16 bi à Caixa Econômica Federal não entram na dívida líquida. As reservas cambiais que tanto são cantadas como grande trunfo do governo Lula também não entram. Dilma disse que “aumentamos nossas reservas de 38 bilhões de dólares para mais de 241 bilhões”, mas também não quer explicar o custo dessa “empreitada” e quem ganha com isso. Quando o governo aumentou as reservas cambiais ele teve que comprar dólares, e para isso fez empréstimos, vendendo títulos da dívida pública, pagado juros. O governo paga os juros dos títulos da dívida aos seus detentores (débito) e o que recebe (crédito) pelas reservas aplicadas fora é bem menos.

Por isso é fácil para Lula e Dilma falar apenas que reduziu a dívida líquida. Mas eles, interessadamente, deixam de falar do principal (que mostra a vulnerabilidade das finanças nacionais): a dívida bruta – divida total – pública (federal, estaduais, municipais e INSS). Em outubro de 2009, a dívida bruta estava em R$ 1,98 trilhão (64,1% do PIB). “Cresceu de 53,1% para 66,8% do Produto Interno Bruto (PIB) durante o governo Lula (...) e já há previsões de que possa ultrapassar 70%.” Mesmo descontando da dívida bruta (66,8% do PIB) as reservas acumuladas (13,6% do PIB) cairia para 53,2% do PIB, ou seja, 7,5% acima da dívida líquida (45,7%). A explicação para essa diferença, que aumentou muito em 2009, é a “escalada de empréstimos do Tesouro aos bancos federais”. O economista Alexandre Marinis, da Mosaico Economia Política, desde 2006 se preocupa com a dívida bruta, “nota que ela hoje está no seu mais alto nível histórico. O pico anterior, de setembro de 2002, era de 60,1% do PIB, quase sete pontos porcentuais abaixo do nível atual. Nessa data, momento da crise de pânico que antecedeu a chegada de Lula ao poder, a dívida líquida do governo geral chegou ao seu recorde histórico, batendo em 54,3% do PIB. ‘Embora a dívida líquida esteja abaixo do pico e o mercado a julgue sob controle, a dívida bruta está no pico histórico e a sua velocidade de crescimento é a maior da série.’" [3]

O que será o pós-Lula com Dilma eleita

Como a candidata Dilma afirma com todas as letras que tudo será como antes, pode-se prever que o país estará ameaçado pela carga e custo da dívida pública. A Europa já vive o segundo capítulo da crise mundial, com a quebradeira fiscal de Estados (não mais apenas de bancos e empresas) com dívidas elevadíssimas que agora entram em default – incapacidade de pagamentos. Os mal chamados PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) podem contagiar não apenas a Europa mas países como o Brasil, que tem em sua dívida pública a principal alavanca econômica, vulnerável aos choques internos e externos contra a moeda, as reservas, os títulos. Os capitalistas e governantes desses países lançam a velha receita (que os trabalhadores paguem a crise): corte de gastos públicos, demissões, arrocho salarial, fechamento de empresas, dinheiro para salvar os capitalistas.

Se o Brasil pode nesses anos de governo Lula seguir a política de FHC, voltada para os lucros capitalistas (e dos setores bancários e financeiros) com alguns planos assistenciais para a massa pobre e a geração de empregos com salários e direitos precarizados, contando com condições favoráveis da economia (exportações de commodities, consumo estimulado por crédito e isenção de impostos, empréstimos para empresas e bancos) que permitiram manter um clima de conformismo social, consumismo e expectativas no governo, sem a necessidade de ataques diretos e frontais contra os trabalhadores e as massas (a não ser a famigerada repressão e violência policial corriqueira), trata-se de preparar os espíritos para situações especiais em que os choques entre as classes – pela divisão da riqueza nacional – não mais seja tão passivo e tranquilo, posto que os capitalistas vão, ameaçados pela crise, ser mais agressivos contra a massa trabalhadora e os cofres públicos, sem se preocupar se o país vai quebrar ou não (como estamos vendo na Europa), desde que continuem lucrando mais e mais.

As interrogações que pairam: Dilma, mesmo ganhando as eleições, poderá navegar em águas turbulentas como Lula surfou as marolas? O pacto entre a burguesia, o imperialismo e as direções sindicais governistas que se formou em torno de Lula será mantido com Dilma? Ela, que é uma forasteira até mesmo no PT, sem relações orgânicas com as massas trabalhadoras (menos ainda com setores da classe média), diante de turbulências econômicas – em que as classes dominantes não vacilarão para se salvar a afundar as massas – conseguirá conter o descontentamento popular e operário, evitando que lutas sociais e operárias entrem na cena política nacional? Num contexto de enfrentamento de classes – trabalhadores e seus aliados contra os capitalistas – apenas a burocracia sindical cutista e dos movimentos sociais ligados ao petismo, sem Lula, serão capazes de evitar a irrupção de movimentos de base combativos que possam evoluir num escala massiva? O lulismo sobreviverá sem Lula como “guia”?

O próprio chefe de pesquisa econômica do banco Goldman Sachs, Jim O’Neill, criador do termo BRIC, diz estar "um pouco preocupado" com o pós-Lula. “Preocupa-me que o próximo presidente brasileiro tenha alguma dificuldade inicial”, diz ele. "É difícil substituir um líder bem-sucedido. Quando as pessoas me dizem que as próximas eleições não farão diferença, me preocupa, porque provavelmente serão importantes.” [4]

[1“(...) os dois maiores detentores da dívida pública brasileira são o sistema bancário nacional e os Fundos de Investimento, sendo que a participação relativa nos ativos dos Fundos de Investimento é muito mais acentuada (média de 73% entre 2000 e 2006) do que a do sistema bancário (média de 27% entre 1995 e 2006).” Notas sobre a dívida pública no novo período de acumulação brasileiro. Fábio Marvulle Bueno. http://www.espacoacademico.com.br/074/74buenofabio.htm

[2Dívida pública brasileira: problema superado? Sandra Quintela. http://www.jubileubrasil.org.br/artigos/divida-publica-brasileira-problema-superado/

[4Brasil pós-Lula preocupa "pai dos Brics". Folha de S. Paulo. 21/02/2010.

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