Sexta 29 de Março de 2024

Internacional

A batalha de Tikrit: um ponto decisivo na guerra?

14 Mar 2015 | A ofensiva sobre o Estado Islâmico na cidade iraquiana de Tikrit continua. Avançam as tropas governamentais e as milícias ligadas ao Irã com o apoio dos EUA. O que está em disputa na batalha de Tikrit?   |   comentários

A ofensiva sobre o Estado Islâmico na cidade iraquiana de Tikrit continua. Avançam as tropas governamentais e as milícias ligadas ao Irã com o apoio dos EUA. O que está em disputa na batalha de Tikrit?

O estabelecimento do Estado Islâmico em parte do Iraque e da Síria foi, talvez, a mudança mais radical na geografia política do Oriente Médio desde a implementação dos acordos de Sykes-Picot a partir dos quais o imperialismo dividiu a região depois da Primeira Guerra Mundial. A conquista da cidade de Mosul, a segunda mais populosa do Iraque, em junho de 2014 constituiu uma vitória fundamental para o estabelecimento do que hoje conhecemos como Estado Islâmico, que atualmente ocupa parte importante do Iraque e da Síria.

A importância da batalha que se desenvolve em Tikrit consiste, justamente, em que poderia abrir as portas para um avanço estratégico sobre Mosul, a suposta capital do Estado Islâmico (EI). Para capturar com êxito Mosul as forças iraquianas devem primeiro recuperar Tikrit.

Apesar de seu valor estratégico, se trata de uma cidade que não supera os 250 mil habitantes, muito longe de Mosul que tem 1,4 milhões. Entretanto, trata-se de uma batalha cujo resultado terá um importante valor simbólico para a força que termine vencedora.

A batalha é catalogada por muitos como a última oportunidade do primeiro-ministro iraquiano, Haider al Abadi, de demonstrar que pode enfrentar com êxito o EI. Não é a primeira vez que as forças governamentais com apoio norte-americano tentam tomar Tikrit, mas as tentativas anteriores fracassaram estrepitosamente. Da parte do EI, poderia ser a primeira grande derrota desde que começou a ofensiva com apoio norte-americano em setembro de 2014.

Outro elemento fundamental é o peso que teriam em uma hipotética vitória as forças xiitas ligadas ao Irã. Mais de 30 mil soldados e milicianos respaldados por aviões e helicópteros norte-americanos são os que protagonizam a ofensiva. Segundo o próprio chefe do Estado Maior Conjunto dos EUA, o general Martin Dempsey, sua composição é: ao redor de 3.000 membros das forças iraquianas, 1.000 de tribos sunitas e 20.000 milicianos "treinados e equipados" pelo Irã.

Esta colaboração militar entre os EUA e o Irã, que vinha sendo muito mais tácita até agora, fica clara amplamente na batalha de Tikrit. É um dos pontos nodais que atravessam as mudanças na geopolítica da região e que causou a inflamada crítica dos aliados do imperialismo norte-americano na região na semana passada em torno às negociações sobre o programa nuclear iraniano.

O imperialismo e a guerra interreligiosa

A reconquista da cidade de Tikrit, de população sunita, por forças majoritariamente xiitas põe outra vez sobre a mesa a guerra interreligiosa que o imperialismo e as burguesias da região usaram e usam para disputar o domínio no Oriente Médio. As vinganças e ajustes de contas ameaçam aumentar a carnificina que por si só significam os combates.

Sob o governo de Saddam Hussein, Tikrit, era um dos centros da classe dominante iraquiana sunita que oprimia a maioria xiita do país. Depois da invasão norte-americana de 2003, a situação mudou radicalmente. Sob o regime do primeiro-ministro xiita, Nouri al-Maliki, apoiado pelos EUA, a população sunita de cidades como Tikrit ou Mosul sofreu desta vez a opressão por parte do governo.

Este antecedente é fundamental para entender por quê, no caso de Mosul, um punhado de tropas do Estado Islâmico que não superavam os 1500 efetivos puderam derrotar em 2014 as forças do governo que entre o exército, a polícia federal e a local, somavam ao redor de 60 mil membros. Naquele momento, as forças oficiais virtualmente se desintegraram ou fugiram perseguidas pela população local cansada do governo de Maliki.

Quando o Estado Islâmico, que cresceu sob o apoio fundamental da Arábia Saudita para fazer frente à influência xiita, tomou o controle da cidade, dividiu os prisioneiros em sunitas e xiitas e massacrou a estes últimos.

Com um cinismo à prova de balas, digno de seu posto, o general Dempsey assinalou nesta quarta-feira (11) sua preocupação frente às denúncias de ajustes de contas contra a população sunita de Tikrit. "Não sabemos se o Iraque se manterá em um caminho que permita um governo integrador para todos os grupos no país, isso nos preocupa muito", disse.

O certo é que a intervenção do imperialismo e as burguesias da região, assim como as ações do Estado Islâmico – com seus assassinatos sistemáticos de setores da população, sejam membros de outras confissões, homossexuais, ou todo aquele que não compactua com o regime –, sabem potencializar-se mutuamente.

A política imperialista de opressão, guerra e luta interreligiosa, fomenta o apoio a variantes como o Estado Islâmico ou a Al-Qaeda, enquanto que a ação destas organizações leva água ao moinho de guerreirismo imperialista. Um círculo vicioso que só pode ser cortado por uma alternativa revolucionária e anti-imperialista, ausente ainda, mas cada vez mais necessária para evitar o caminho da barbárie.

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