Quarta 24 de Abril de 2024

Questão negra

COMEMORAR O 20 DE NOVEMBRO: RELEMBRANDO E APRENDENDO COM NOSSA HISTÓRIA

A abolição não foi um presente! Os escravos e também os trabalhadores negros e brancos lutaram por ela!

19 Nov 2012 | Texto publicado em boletim da Juventude Às Ruas Rio de Janeiro.   |   comentários

20 de novembro é dia de lembrar dos milhões seqüestrados, torturados e mortos na escravidão. Dia de lembrar de Zumbi. Zumbi não é um ícone a ser lembrado sem conteúdo, foi um grande estrategista que contribuiu decisivamente para a resistência do quilombo de Palmares, adotando diversas táticas diplomáticas, guerrilha. Zumbi também é um símbolo de quem se levantou contra o regime imposto pela elite branca e deve ser resgatado pelo conjunto da classe trabalhadora brasileira – não só sua maioria negra. É dia de lembrá-lo combatendo a continuidade da escravidão nos trabalhos precários onde se concentram os trabalhadores negros, das chacinas policiais, da repressão e esculacho de cada que passa um negro em sua comunidade com UPP, nos trens da Supervia ou nos ônibus quando um jovem negro é obrigado a descer por policiais que tem uma das seguintes suspeitas sobre ele: a cor de sua pele, o alvo de seu sorriso, o armado de seu cabelo. Lembramos de Zumbi e da luta de milhões de negros em toda a história em tempos que o movimento negro, em sua maioria, apóia o governo Dilma que militariza os canteiros de obras – reprimindo uma maioria negra de trabalhadores precários -, militariza morros e favelas e segue com a ocupação militar do Haiti, país da primeira revolução negra.

Para nós esta data também é para lembrar a história que não é contada. É tempo de lembrar a história da classe trabalhadora e de todos os oprimidos. Por isto dedicamos este artigo a outra data marcante da história dos trabalhadores e dos negros no Brasil. A burguesia e seu Estado negam esta história para contar seu conto da “democracia racial”, do país da “paz”, por isto não aprendemos na escola as histórias das revoltas dos escravos, das lutas de negros escravizados, negros livres e brancos, todos juntos pela abolição. Ao contrário, funcional a esta idéia onde os trabalhadores e os negros não podemos ser sujeitos da história, conta-se a abolição como um presente de uma suposta benevolência da latifundiária princesa Isabel, ou se tanto fruto dos discursos e artigos de parlamentares, de Joaquim Nabuco...

O papel dos trabalhadores negros e brancos para conquistar a abolição

O movimento negro tem cumprido um papel de resgatar as histórias do quilombos, dos Malês, do medo que a burguesia e a corte tinham dos quilombos que haviam na região portuária da capital do império, do grande quilombo de Vassouras tão perto da capital e das cidades imperiais (Petrópolis, Teresópolis). Esta história é chave de ser resgatada pois mostra como ao contrário de ser um presente a abolição foi uma medida defensiva tomada para que não fossem os próprios negros, e os trabalhadores negros e brancos que arrancassem da burguesia a libertação como já estavam começando a fazer em vários centros urbanos e fazendas.

Esta é a história de associações e sindicatos de trabalhadores no Rio de Janeiro, como os gráficos, que, segundo jornal da época “reuniu-se e publicou um manifesto aderindo à Sociedade Cearense Libertadora, resolvendo negar absolutamente os seus serviços aos jornais que se declararam adversos ao movimento abolicionista da província e do país, fazendo publicações de qualquer gênero neste sentido”[1]. Esta mesma categoria que tentou organizar este controle operário da produção teve importante história e contribuição na luta pela abolição. Na segunda greve da história do país em 1858 – a primeira havia sido um ano antes por operários escravos do estaleiro Mauá – publicava artigos em seu jornal defendendo a abolição em meio a sua greve e em todo o período dos anos 1880 juntava dinheiro de seus associados para comprar alforrias, o mesmo que faziam os operários do Arsenal da Marinha[2].

Outras categorias, como os panificadores, com seu dirigente João de Mattos, organizavam fugas de escravos e forjavam alforrias para os negros libertos. Este grande dirigente operário abolicionista, ajudou a montar este sindicato e esta tática pela libertação dos negros sob a proteção de um clube de dança (e assim subversivamente esconder-se dos escravocratas e do Império).

João de Mattos é um nome que precisa ser lembrado e tomarmos como exemplo para erguer uma nova história de luta contra as continuidades da escravidão no trabalho precário e violência policial. Este nome desconhecido de nossa história precisa ser recuperado, este dirigente havia organizado estas fugas em Santos, São Paulo, montado um quilombo em Barra do Piraí (próximo a Volta Redonda) e depois no Rio de Janeiro onde organizou várias greves de operários brancos e negros panificadores bem como estas fugas e falsificações[3].

Não só a classe trabalhadora e os negros tinham diversas táticas de luta pela abolição. Não esperavam passivamente que a monarquia e os escravocratas “concedessem” a abolição. Setores pequeno-burgueses organizados em torno da Escola Politécnica – atual prédio do IFCS/UFRJ – organizavam espécies de arrastões “persuadindo” os donos de escravos a libertarem todos os negros. E assim arrancar dos escravocratas “ruas livres” no Rio. Estes arrastões reuniam-se periodicamente e iam livrando rua a rua do centro do Rio de Janeiro, começando pelo Largo São Francisco onde fica o atual IFCS, seguindo em outro dia em libertar todo rua do ouvidor, do teatro, Uruguaiana...[4]

Com estas breves recuperações de lutas de setores pequeno-burgueses, da classe trabalhadora branca e negra e dos escravos negros pela abolição vemos todo o oposto de pensar que foi uma conquista passiva o fim da escravidão. Os trabalhadores, os negros, e outros setores buscaram arrancá-la.

O exemplo destas lutas faz mais do que nos fazer recuperar uma história não contada, marca também um exemplo para o presente. Hoje a classe trabalhadora está dividida em terceirizados e efetivos, temporários e permanentes, e nas piores posições, naquelas onde há mais risco de acidentes de trabalho, maior exploração, estão os negros em ampla maioria, e os sindicatos em grandíssima maioria conduzidos por uma burocracia sindical que naturaliza esta divisão que não levanta nunca as demandas dos terceirizados, sua incorporação às empresas e repartições públicas onde trabalham. Naturalizando esta divisão também não questionam os esculachos, a opressão cotidiana, estupros e assassinatos que o Estado brasileiro continua cometendo contra os pobres, sobretudo os negros em presídios, morros, favelas e bairros populares. O exemplo dos gráficos, panificadores, dos trabalhadores do arsenal da marinha, nos mostram outro caminho. Um caminho da classe trabalhadora branca e negra junta lutando contra a opressão e exploração não só de sua própria categoria, ou somente de parcela da categoria como fazem a maioria dos sindicatos no país, mas do conjunto da população, sobretudo aqueles mais explorados e oprimidos, os negros. Nos orgulhamos de buscar retomar esta história não só nas palavras, mas nas ações como viemos fazendo nos últimos anos no SINTUSP, defendo os terceirizados, sua organização e sua incorporação sem concurso aos quadros da USP, e denunciando a violência policial nas favelas vizinhas à USP e em todo o país, o que tratamos em outros artigos deste boletim.

[1] Citado em Escravizados e Livres: experiências comuns na formação da classe trabalhadora carioca, de Marcelo Badaró Mattos, Rio de Janeiro, Bom Texto, 2006. pg 155
[2] idem
[3] ver diversas referências no livro supracitado de Marcelo Badaró Mattos.
[4] idem

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