Sábado 20 de Abril de 2024

Trotsky

A Revolução de outubro

10 Oct 2004 | “A história das revoluções é para nós, acima de tudo, a história da irrupção violenta das massas no governo de seus próprios destinos.” Apresentamos a seguir um artigo, escrito originalmente para o jornal La Verdad Obrera do PTS argentino, sobre a grande Revolução Russa de 1917. Nesse mês de outubro, completam-se 87 anos dessa revolução que dividiu a história da humanidade em duas: antes e depois do grande assalto operário ao poder. Para além da oportunidade de comemorar essa data que ficará para sempre como um marco da luta revolucionária dos trabalhadores de todo o mundo, publicamos este artigo com a alegria de contribuir para a formação dos primeiros círculos marxistas, em que trabalhadores, jovens e estudantes se agrupam para estreitar os laços revolucionários entre aqueles que se colocam a tarefa de serem combatentes de vanguarda pela libertação das massas exploradas. E que fazem isso estreitando seus próprios laços com a teoria revolucionária, com o melhor da tradição do movimento operário e com nossa ideologia comunista, proletária e internacionalista. Na história do movimento operário, nunca um grande momento de ascenso revolucionário de massas se deu sem que o tivesse precedido aquela típica efervescência ideológica, que sem deixar de ser restrita a pequenos grupos e setores avançados, reflete um começo de mudança no estado de espírito mais geral da classe trabalhadora. Os círculos operários foram o lugar onde, desde o início de sua tradição de luta revolucionária, os elementos mais tenazes se reuniram para estudar, debater e avançar coletivamente em sua consciência; onde os futuros combatentes se prepararam política, teórica e moralmente para ocupar seus postos insubstituíveis na linha de frente dos levantamentos das massas. Como foi o exemplo dos círculos onde os jovens Marx e Engels, os pais de toda a nossa teoria revolucionária, aprenderam com os operários a ligar suas elaborações ao objetivo histórico de toda uma classe, e ensinaram aos elementos avançados dessa classe que a teoria é uma ferramenta indispensável para que os trabalhadores ganhem a consciência do conteúdo revolucionário de cada uma de suas lutas, mesmo das menores delas. Em círculos assim, na década de 1840, se forjaram vários dos combatentes de vanguarda dos processos revolucionários que sacudiram a Europa e o mundo entre 1848 e 1849. Essa foi também a história que se repetiu na Rússia, onde os bolcheviques, liderados por Lênin, agruparam-se durante anos, nas condições de clandestinidade que a época e o lugar impunham, com os operários mais avançados do país, e prepararam as condições necessárias para a vitória da revolução que relatamos a seguir. Essa é a tradição que lutamos para recuperar e esperamos que o reencontro do melhor da nova e da velha geração nos círculos marxistas possa contribuir para trazer à tona o espírito de ofensiva do proletariado, a classe que não apenas é a mais poderosa que já existiu, como é invencível quando toma em suas mãos o seu próprio destino.   |   comentários

Os meses do duplo poder

Depois da revolução de fevereiro, dois poderes disputavam a soberania na Rússia. O governo provisório era o órgão da burguesia. O Soviet era o órgão de governo dos trabalhadores e dos soldados (que em sua maioria provinham do campesinato). Os dois poderes eram irreconciliáveis como os interesses das classes às quais representavam cada um. No entanto, a maioria nos Soviets estava nas mãos dos partidos, o socialista-revolucionário e o menchevique, cuja estratégia era subordiná-los ao poder burguês. Nessa situação transcorreriam os meses que vão de fevereiro a outubro.

O fogo das barricadas ainda não havia apagado quando, em 20 de abril, o ministro do governo provisório, Miliukov, compromete-se frente aos aliados da Rússia na guerra imperialista a não assinar uma paz separadamente e a buscar uma “vitória decisiva” . Nesse mesmo dia os operários e soldados que haviam se levantado dois meses antes contra a guerra inundam as ruas ao grito de “Abaixo Miliukov!” . No dia seguinte, o comitê local bolchevique convoca uma manifestação. Do bairro operário de Viborg, e logo de outros pontos da cidade, massas de operários marcham rumo ao centro. Simultaneamente, a contra-revolução se mobiliza, sai pela primeira vez às ruas com a intenção de defender o governo. Então os conciliadores chamam o Soviet a suspender as mobilizações e sua proposta é aprovada. O governo provisório salva sua pele.

As jornadas de abril têm como resultado uma situação intermediária e portanto provisória e instável: uma coalizão governamental entre a burguesia e os partidos conciliadores que dirigiam os Soviets. Seis ministros socialistas e dez burgueses conformam o novo governo provisório que agora, pelas mãos dos socialistas, começa a planejar uma nova ofensiva no front confiando em reanimar o patriotismo e reverter a sua própria instabilidade. Mas os motins no front iam aumentando, os soldados se negavam a seguir morrendo pelo governo burguês.

Nesse momento, também os camponeses das províncias, que em fevereiro não haviam acompanhado a revolução, já começavam a tomar as terras utilizando métodos cada vez mais radicais. Por sua vez, a classe operária acelerava sua experiência política com o ritmo vertiginoso dos acontecimentos. A catástrofe económica e a inatividade do governo fazem com que uma a uma as fábricas entrem em greve e o boicote patronal leva os trabalhadores a tomar em suas mãos a organização da produção.

Neste marco, os bolcheviques convocam para 10 de junho uma manifestação sob a consigna de: “Abaixo os dez ministros capitalistas!” . O Executivo do primeiro Congresso dos Soviets de toda a Rússia a proíbe e os bolcheviques, que ainda eram minoria nos Soviets de toda Rússia, submetem-se à proibição. Começa a ofensiva no front e o patriotismo parece aplacar a crise.

Mas chega o mês de julho e todos os partidos, incluindo o bolchevique, encontram-se frente ao fato consumado de que os operários e os soldados de Petrogrado saem às ruas exigindo que todo o poder passe para as mãos dos Soviets. Logo, à convulsão desses dias se soma a notícia do fracasso da ofensiva militar. Os enfrentamentos se fazem mais agudos e conduzem inexoravelmente à insurreição. No entanto, as condições para uma insurreição vitoriosa [1] ainda não estavam dadas. Apesar disso, e por isso mesmo, os bolcheviques se põem à cabeça das mobilizações como fator moderador para evitar que se desse prematuramente o enfrentamento decisivo, como havia acontecido em 1905. O objetivo é alcançado. Apesar de o movimento de julho ser derrotado através de uma brutal repressão, esta não consegue sentar as bases para o triunfo da contra-revolução

Após esses combates, Kerenski, o socialista-revolucionário que havia sido ministro de justiça no primeiro governo provisório e ministro de guerra e marinha no governo de coalizão, é posto à frente do governo. No entanto, os partidos conciliadores já haviam demonstrado que eram incapazes de frear o impulso das massas e então a burguesia começa a apostar na ditadura militar.

No dia 13 de julho os bolcheviques são virtualmente postos fora da lei, suspendem-se suas publicações, e começa a surgir uma ampla campanha oficial que os acusava de serem agentes do imperialismo alemão. Muitos bolcheviques são presos, outros passam à clandestinidade. A Assembléia Constituinte que as massas reclamavam e cujas eleições estavam programadas para setembro é adiada para 28 de novembro. Kerensky se propõe a cumprir o papel de árbitro, contendo as massas e tentando obter a boa vontade da burguesia, mas esta já tinha seu candidato para cumprir esse papel a sangue e fogo: o general Kornilov.

Em agosto Kornilov realiza uma intentona golpista contra Kerensky, que o havia nomeado como comandante em chefe do exército alguns dias antes. O golpe não é repelido pelo governo que se debate entre a parálise e a cumplicidade. São as mesmas tropas que Kornilov havia trazido para cercar Petrogrado as que vão passando uma a uma para o lado da revolução. A intentona fracassa e as forças da revolução começam a se recompor semana a semana.

A insurreição de outubro

A força esmagadora das massas desprendida em fevereiro havia varrido o czar. No entanto, oito meses depois os generais continuavam sendo os mesmos que sob o czarismo, as hierarquias burocráticas se conservavam, os títulos permaneciam vigentes, e sobretudo, os proprietários de terras e a política guerreirista continuavam. A nova insurreição estava chamada a terminar com essa situação. Era necessária uma insurreição organizada, um plano que garantisse que o poder não fosse expropriado outra vez e um partido disposto a dirigi-la.

Esse partido seria o partido bolchevique. Nos meses posteriores a julho sua estrutura partidária se debilita. Suas publicações haviam sido reduzidas a somente 50.000 exemplares, suas finanças não eram melhores. No entanto, aumentavam sua influência constante nos organismos de auto-organização de massas como os comitês de fábrica e os Soviets. É que nesses organismos as massas podiam julgar as estratégias dos diferentes partidos segundo sua própria experiência na ação, e durante os meses que vão de fevereiro a outubro esta experiência havia sido bastante esclarecedora; em especial para a classe operária que havia protagonizado as jornadas de julho em oposição à direção conciliadora dos Soviets, e que, compelida ao enfrentamento direto com a burguesia, se havia visto obrigada a tomar cargo da organização da produção. A classe e seu partido estavam preparados para terminar com o poder burguês.

Na terceira semana de outubro, na véspera do segundo Congresso dos Soviets, o instituto Smolni, sede do Soviet de Petrogrado que agora era presidido por Trotsky, via-se subir um a um os novos delegados provenientes das províncias. Seus rostos curtidos chegados das fábricas e dos fronts contrastavam com aquelas harmoniosas facções que predominavam no primeiro congresso. Sob a intensa chuva daqueles dias começavam os preparativos da insurreição. O Comitê Militar Revolucionário, que havia sido criado por proposta dos conciliadores para defender a cidade de um suposto ataque alemão, é utilizado pelos bolcheviques como cobertura para organizar a insurreição.

O Comitê arma os operários e passa a lista às tropas que em sua maioria se submetem à autoridade do Soviet, ou se mantêm neutros. Aquelas que se mantêm fiéis ao governo e ao Comitê Executivo Central do primeiro Congresso dos Soviets, hegemonizado pelos conciliadores, são ganhas uma a uma pelos agitadores revolucionários, os soldados rompem com a oficialidade.

Na noite de 24 de outubro se põe em prática o plano de operações e se ocupam simultaneamente as posições estratégicas da cidade: as comunicações, os transportes, as pontes, as vias de acesso, os edifícios estatais. No dia 26, enquanto o palácio de inverno está cercado pelas forças revolucionárias, inaugura-se o segundo Congresso dos Soviets. Os canhões do encouraçado Aurora servem de música de fundo para a abertura das seções. O poder está agora nas mão dos Soviets.

Nessa mesma noite as demandas mais sentidas da revolução transformam-se em decretos do novo governo soviético. Imediatamente se aprova uma resolução chamando à paz todos os povos beligerantes e seus governos. Logo Lênin sobe à tribuna do congresso, depois de haver permanecido durante meses na clandestinidade, para ler o decreto sobre a terra. “Artigo1: fica abolida, sem nenhum tipo de indenização, a propriedade territorial da nobreza” . Ao tomar esta medida a classe operária no poder se arma dos instrumentos necessários para estender sua influência a todo o país camponês...

Naquela noite em Smolni se tocou A Internacional. Os ecos do hino dos insurgentes não se detinham nas paredes do Smolni, tampouco em Petrogrado, nem sequer nas fronteiras da Rússia soviética, suas notas estavam destinadas aos operários do mundo, eram um chamado à revolução mundial que prontamente teria sua primeira grande prova na terra natal de Marx e Engels: a Alemanha.

Referências sobre a Revolução Russa:

 Filme Outubro de S. M. Eisenstein;
 Mas, Santiago - A Revolução Rusa de 1917;
 Reed, John - Dez dias que abalaram o mundo;
 Trotsky, León - Historia da Revolução Russa.

[1Ver "La revolución Rusa de 1905" em LVO 144.









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