Sábado 20 de Abril de 2024

Debates

Entrevista

A Revolução de 1917 e a Rússia de hoje

20 Sep 2007   |   comentários

O que permaneceu da Revolução de outubro de 1917 nos dias de hoje?

A.K: Grandes debates e grandes divergências. Ha uma polarização entre aqueles que pensam que foi uma grande catástrofe e os que apóiam a revolução. Dentre os que apóiam a revolução há ainda aqueles que pensam a Revolução Russa como o grande marco da historia do país - uma vez a segunda grande potência no mundo ’ e aqueles que a defendem, de fato, pelas idéias de justiça social. Em suma, são três os pontos de vista: conservadores, nacionalistas e socialistas.

Outra herança não da revolução russa em si, mas do Estado soviético é o sistema de segurança social, a despeito da visão liberal de Yeltsin e Putin, ninguém conseguiu dissolver a Segurança Social, apenas mudanças parciais e superficiais. Gostaria de ressaltar que a economia russa, em sua maior parte, se desenvolveu no período soviético. Todo o sucesso da atual economia se baseia na matéria prima. Esta certo que o novo sistema económico russo teve sua parcela de contribuição para o desenvolvimento do país, como na industria alimentícia ou no setor bancário, porem setores importantes, como o transporte, a construção e a agricultura, ainda se remetem ao sistema soviético. Economistas estão começando a se preocupar com os preços do óleo e do gás no mercado mundial, já que eles não estão garantidos para sempre.

Há um vazio ideológico, entre a queda do regime soviético e a crise do capitalismo, por não avançar, ou avançar insuficientemente. Não há uma nova ideologia entre estes dois eixos.

Na ultima fase do regime soviético, existiam oposições de esquerda contrárias a restauração do capitalismo?

A.K: A oposição tinha bastante peso, mas em sua maior parte, provinha de estruturas arcaicas do Partido Comunista - uma burocracia conservadora. Não havia uma organização de alguma relevância que lutasse contra o capitalismo, e ao mesmo tempo, contra a burocracia. O que havia eram pequenas organizações dispersas. Elas não eram articuladas entre si e incapazes de organizar a defesa dos interesses sociais. Havia dois lados em confronto: os liberais e os stalinistas. Não havia opções para o cidadão comum. As organizações independentes não tinham impacto, como os social-democratas, comunistas independentes e trotskistas - que foram eliminados durante o regime soviético, mas ressurgiram com a Perestroika.

O que aconteceu com a esquerda?

A.K: Em meados da década de 1990, havia uma influência muito grande dos ex-soviéticos, que tinham grande peso no parlamento. Seu período de declínio expressa as posições do passado, eles perderam espaço durante o período da ofensiva capitalista. Houve uma adaptação à situação mundial. Buscavam-se posições estáveis. Não havia necessidade de voltar ao passado. Recentemente, o Partido Comunista vem perdendo o apoio das pessoas. Nas ultimas eleições da Ucrânia, o PC ocupou apenas 4% das cadeiras do parlamento. Na Rússia, ainda há uma base de apoio mais estável, na faixa dos 20% nas ultimas eleições parlamentares.

Que forcas políticas de esquerda existem hoje?

A.K: É importante delimitar o que se entende por esquerda, já que muitos grupos populistas se utilizam consignas de esquerda. Há um grupo nacionalista, "Rússia Justa", que explora a idéia de justiça social com muito vigor - em algumas regiões, exerce um impacto significativo. As organizações da esquerda antiburocrática, puramente democráticas - no sentido de levantar a bandeira da auto-organização, não tem suficiente visibilidade. São apenas pequenos grupos independentes.

Os sindicatos independentes têm impacto em algumas fábricas, mas não tem peso na realidade. O que prevalece são velhos sindicatos, ligados ao aparato governamental, realmente muito próximos, colaboracionistas com a patronal - dirigidos pela velha burocracia stalinista. Putin cooptou grande parte dos sindicatos.

Qual a taxa de desemprego na Rússia atual?

A.K: Inferior a 8%. Em Moscou, 1,5%.

Esse montante inclui os imigrantes?

A.K: Sim. É a força de trabalho mais barata. Com o crescente número de imigrantes provenientes de paises mais pobres que a Rússia, como a Ucrânia, a Moldávia e o Uzbequistão, cresce também a xenofobia no país.

Hoje, pudemos contatar que o tumulo do Lênin é bastante visitado. Qual a visão que os russos fazem de Lênin?

A.K: Ha uma grande polarização na sociedade sobre Lênin e sobre a revolução de 1917. Muitos são favoráveis a Lênin e muitos são contra. Todavia, pesquisas de opinião indicam que Lênin continua sendo a figura histórica mais popular da Rússia. Entre meados de 1990 e o inicio do novo século, a popularidade de Lênin teve um leve declínio, mas continua sendo a figura mais popular. Porém, as pessoas que apóiam o Lênin o vêem, em sua maior parte, como uma figura histórica que impediu o Estado russo de dissolver, não necessariamente sob uma perspectiva socialista. É uma visão demasiadamente superficial.

Qual a visão que se tem sobre Trotsky? Continua sendo um tabu ou não?

A.K: Podemos afirmar categoricamente que Trotsky hoje não é um tabu. Ele é discutido na mídia de massas. Os grupos trotskistas são pequenos, compostos, em sua maior parte, pela juventude.

No PC, recentemente, realizou-se uma campanha contra o "neo-trotskismo" no interior do partido. (risos) Seu resultado imediato foi a expulsão de bons jornalistas que dirigiam o website do PC (www.kprf.ru), acusando-os de "neo-trotskistas". (muitos risos). Calma, há uma explicação lógica pra isso. O PC passa por um processo de transição ao nacionalismo, eles estão abandonando as consignas de esquerda (apenas usam-nas para propaganda, puro populismo).

Existem estudos tentando resgatar a vida e obra de Trotsky, que por tantas décadas foi banido e apagado da historia de seu próprio pais?

A.K: Sim. Entre o final da década de 1980 e o inicio da década de 1990, vários trabalhos do Trotsky foram publicados na Rússia, outros mais recentemente. Especialistas na História da Rússia tratam o Trotsky como uma figura histórica importante. Há um círculo restrito de acadêmicos que buscam resgatar o legado de Trotsky.

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