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Gênero e Sexualidade

MULHER TRABALHADORA

A PEC das domésticas: uma pequena concessão que não garante todos os direitos da CLT e flexibiliza a jornada de trabalho

29 May 2013   |   comentários

O setor do trabalho doméstico é um grande mercado de trabalho para 7,2 milhões de trabalhadoras no Brasil, maior país do mundo em relação ao número de domésticas, que em sua esmagadora maioria são mulheres negras e acima de 30 anos. É ainda um setor marcado pelo trabalho precário e pela baixa formalização. Ou seja, em torno de 26% das domésticas possuem carteira assinada - um dado abaixo da média nacional - e recebem em média historicamente abaixo do salário mínimo [1] em todas as regiões do país, com destaque para os baixíssimos salários no Nordeste. Para as mulheres negras [2] no Brasil, o trabalho doméstico é ainda mais precário uma herança vergonhosa da escravidão, que são as que recebem os piores salários e respondem (em 2009) por 63% das domésticas.

Tamanha precariedade é expressão de como o capitalismo, por meio do Estado burguês - ferramenta de dominação de classe da burguesia e de manutenção da propriedade privada -, se apropria do machismo e do racismo (pois as mulheres negras recebem salários ainda menores) para garantir um custo ínfimo de reprodução do trabalhador (ou seja, a limpeza do lar, as roupas lavadas e passadas, a alimentação além do cuidado dos filhos e idosos...) para o capitalista, que passa a estarem sob a responsabilidade das mulheres, das domésticas, donas de casa. Porém aqui, vemos dois tipos de trabalho doméstico, um deles é o que garante a reprodução do trabalhador numa família proletária, e a outra face do trabalho doméstico é o trabalho prestado em famílias mais endinheiradas que permitem o luxo herdeiro da escravidão.

É com pelo menos 70 anos de atraso que no dia 27 de março desse ano o parlamento aprovou um projeto de Lei chamado PEC das domésticas [3] , que concederia formalmente às trabalhadoras e trabalhadores domésticos os mesmos direitos democráticos de qualquer trabalhador sob o regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho criada em 1943), que fez 70 anos no último 1º de maio. O Estado burguês tem seus recortes de classe, e na aprovação da PEC isso fica evidente: esta já nasce sem qualquer garantia efetivas dos direitos, deixando vários direitos de fora, a serem regulamentados num período indefinido, como o adicional noturno, licença maternidade, auxilio creche e escola, direitos fundamentais para as mulheres trabalhadoras. Ou seja, trata-se de uma concessão parcial que não garante efetivamente nem mesmo todos os direitos da CLT, além do que mesmo os direitos que ao final forem regulamentados não atingirão a maior parte das empregadas domésticas devido ao alto grau de informalidade do setor que é de mais de 70%. Uma esmagadora maioria de domésticas em condições informais e precárias (como as diaristas) de trabalho não terá acesso aos direitos mais básicos como aposentadoria, FGTS, descanso semanal, férias remuneradas e seguro desemprego.

No projeto de regulamentação da PEC o governo já deu aval à proposta [4] do deputado Romero Jucá (PMDB/PR) para a flexibilização neoliberal da jornada de trabalho das domésticas, que retira o limite do número de horas extras por dia. Ou seja, institui o banco de horas, que obviamente se transformará em uma ferramenta para que as domésticas continuem tendo que se submeter a jornadas determinadas ao bel prazer de seus patrões.

O desemprego e a falta de acesso à educação, saúde e moradia de qualidade, afetam particularmente as mulheres e o trabalho doméstico é a expressão dessa particular precariedade, que é não só do trabalho, mas também da vida, num mundo onde apenas 10% das domésticas tem seus direitos trabalhistas garantidos, segundo a OIT (Organização Internacional doTrabalho). Recentemente, no México mulheres saíram às ruas [5] pela regulamentação do trabalho doméstico, exigindo igualdade de direitos, porém colocando como se tratava da exigência de uma vida com dignidade, com os mínimos direitos humanos garantidos, pois além de enfrentarem uma dupla jornada de trabalho (trabalhando duas vezes em suas próprias casas sem receberem nada a mais por isso) a realidade das domésticas no país (não diferente do restante do mundo) é de humilhações, assédio moral e sexual.

No “Brasil para todos” de Dilma, quem sai no lucro são os capitalistas, enquanto para os trabalhadores e para as mulheres sobram pequenas concessões e faltam mudanças estruturais.

Embora o crescimento econômico dos últimos anos tenha permitido relativa melhora das condições de vida dos setores mais pobres da população, dentre os quais se encontram as domésticas, ainda não vemos mudanças estruturais. Vê-se facilmente isso na falta de creches públicas e de qualidade para seus filhos, casa abrigos para os idosos da família, infraestrutura (água encanada, rede de esgoto, iluminação pública e asfalto) para moradia decente, postos de saúde, centros médicos, escolas de tempo integral públicas e de qualidade, transporte público, gratuito e de qualidade, lazer para si e para seus filhos em sobretudo, carecem um salário que atenda ao menos às suas necessidades básicas e condições de trabalho dignas.

É preciso avançar na organização das trabalhadoras domésticas em aliança com os demais setores da classe trabalhadora e do povo pobre para conquistar suas demandas com sua ação independente a partir dos métodos da luta de classes!

É fundamental que os sindicatos, em especial aqueles que estão na direção da organização das domésticas nacional e estadualmente, além das centrais como a CUT, CTB e Força Sindical construam uma campanha democrática pela garantia e pela extensão dos direitos da CLT a todas as domésticas, inclusive às diaristas, com o piso nacional do salário mínimo do DIEESE [6] (hoje em R$ 2.892,47), se colocando ativamente contra qualquer política dos governos de rifar e flexibilizar esses direitos, como vem sendo feito com o Simples das Domésticas e com as propostas de flexibilização da jornada. Colocamos também que, para a CSP-Conlutas e a Intersindical, que agrupam os setores anti-governistas, é central levantar uma política de exigência e denúncia às direções do movimento de domésticas para que estes sindicatos encampem de fato essa campanha democrática. As trabalhadoras domésticas devem acreditar em suas próprias forças, junto aos demais setores da classe operária e do povo pobre, sem qualquer confiança nas patronais e nos governos!

A luta por uma sociedade livre de toda a opressão e exploração de uma classe por outra onde seja possível a plena emancipação das mulheres com o fim da escravidão doméstica passa por defendemos que o Estado assuma como sua a responsabilidade social pelas tarefas de reprodução do trabalho e da vida que hoje se dão na esfera privada e individual. Para isso é necessário que o Estado garanta restaurantes com qualidade nutritiva, lavanderias, creches e abrigos públicos, com emprego e condições de vida dignas para todos. Essa é uma tarefa necessária para que possam existir condições materiais concretas para que a humanidade se liberte plenamente do trabalho doméstico.

[1Em termos de renda, apesar de um ganho real próximo a 20% no período (1999 a 2009), as domésticas ainda receberam em média R$ 386,45 mensais em 2009, abaixo do salário mínimo corrente naquele ano, de R$ 465,00.(fonte pesquisa IPEA 2009).

[2“A cor da pele, por exemplo, é um fator decisivo. O índice das trabalhadoras negras com registro em carteira era de apenas 24,6% em 2009, 16% abaixo da taxa de suas colegas brancas, de 29,3%. E a renda apurada pelas domésticas negras, de R$ 364,84, representava apenas 86,5% da remuneração das brancas, de R$ 421,58.” Pesquisa IPEA -2009.

[3Emenda Constitucional 72, aprovada em 27 de março, que concede 17 direitos aos empregados domésticos, já assegurados aos demais trabalhadores já contratados pelo regime da CLT, sendo que sete deles ainda precisam de regulamentação para as domésticas, como o pagamento de FGTS, adicional noturno, demissão sem justa causa e assistência gratuita a filhos e dependentes até cinco anos em creches e pré-escolas.

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