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Nacional

Sobre a morte de Antônio Ermírio de Moraes

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26 Aug 2014   |   comentários

Ontem, 24/08, morreu Antônio Ermírio de Moraes. Há décadas detentor do título de um dos homens mais ricos do país e membro constante da lista Forbes dos homens mais ricos do mundo. Presidente do Grupo Votorantim, maior grupo privado brasileiro, detentor de quase um monopólio na área de cimentos, alumínio, celulose e grande empresário também nas finanças e no setor de suco de (...)

Ontem, 24/08, morreu Antônio Ermírio de Moraes. Há décadas detentor do título de um dos homens mais ricos do país e membro constante da lista Forbes dos homens mais ricos do mundo. Presidente do Grupo Votorantim, maior grupo privado brasileiro, detentor de quase um monopólio na área de cimentos, alumínio, celulose e grande empresário também nas finanças e no setor de suco de laranja.

Depois de morto não lhe faltam honrarias dos governos Dilma e Alckmin, nem dos empresários. A grande mídia nacional não ficou atrás. Ao contrário da elegia oficial que quer lhe erguer como um “herói” nacional, nacionalista e do “povo”, que enriqueceu com seu esforço, mostraremos as mentiras desta elegia e parte de seu vasto legado contra os trabalhadores e o povo brasileiro.

A elegia da Folha e outros meios

Desde a antiguidade a elegia é um gênero literário, com formas rítmicas específicas e que se mostrou muito usada para epígrafes e outras homenagens aos mortos. A grande mídia brasileira está se especializando, recentemente, em um gênero de elegia pretensamente jornalística. Com imensos exageros e omissões estão buscando uma inovação literária que é aproximar a elegia da sátira. O maior destaque nesta empreitada cabe a Folha de São Paulo onde o bilionário foi colunista por mais de duas décadas.

Depois de santificar Eduardo Campos, com vasto legado contrário aos trabalhadores e ao povo, como pagar um dos piores salários de professores na federação, agora querem transformar o empresário bilionário defensor das privatizações em nacionalista e autor de outras façanhas pessoais e políticas.

A elegia pessoal de Ermírio de Moraes quer fazer dele um self-made man tupiniquim, membro destacado de uma geração (praticamente morta) de empresários que haviam começado, supostamente, pobres, humildes e haviam alcançado a fortuna graças a seu esforço. Membros desta geração seriam, supostamente, Silvio Santos, o próprio Antônio Ermírio, Samuel Klein das Casas Bahia, entre outros. Esta estória do Antônio Ermírio que começou de baixo e com o esforço formou um império não resiste, nem de perto, aos fatos.

Herdeiro de um império nascente, foi educado nos Estados Unidos, ao retornar ao Brasil nos 50 foi herdando o controle do grupo Votorantim de seu pai. Terminou de assumir o império em 1962 quando seu pai, senador, virara ministro de Jango. Ou seja, não só era extremamente rico de nascimento como era “bem conectado”.

Defensor da democracia ou da entrega dos anéis para manter os dedos?

Todos os grandes meios de comunicação do país estão destacando três aspectos políticos de sua longa vida empresarial e política. Sua oposição à ditadura, sua tentativa de tornar-se governador de São Paulo e seu suposto nacionalismo. Mostraremos a outra cara desta estória.

Em todos grandes meios encontramos menção a uma recusa de Antônio Ermírio em receber um prêmio de empreendedor da ditadura em 77 e sua assinatura junto a outros 7 mega-empresários de uma carta em 78, que ficou conhecida como “carta dos 8”, que pedia mudança na política econômica e o restabelecimento da democracia (burguesa).

Nestas passagens “heroicas”, os grandes meios estão omitindo que tudo que ele havia protestado em 77 era contra o “milagre econômico”, que qualquer um que não estivesse comprado pela ditadura naquele ano já sabia que havia se esgotado, e também omitem as “pequenas mudanças” que havia passado o país de 74 até 78, data desta carta, bem como omitem o caráter preventivo da posição que tomavam aqueles empresários temerosos do que estava despertando do subsolo brasileiro, o proletariado.

Desde 74 a oposição (legal, do MDB) vinha ganhando eleições nos grandes centros urbanos. Estava instalado o debate, até mesmo dentro dos porões da ditadura, em como “redemocratizar”, ou seja, entregar os anéis para manter os dedos, organizando, como dizia o todo poderoso ministro militar Golbery, uma “abertura lenta gradual e segura”. De 1974 a 1977 ressurgiu um poderoso movimento estudantil e já em 1978 começam as gigantescas greves no ABC paulista. É neste contexto que estes empresários se pronunciaram. Mesmo querendo tornar-lhe um herói não encontram nenhuma oposição de Ermírio de Moraes à ditadura nos duros anos de 68-74. Se é fato que também não parece ter sido um colaborador da ditadura é querer demais torná-lo um “grande democrata”.

E mais, para fazer esta elegia-sátira do grupo Votorantim democrático, omitem, propositalmente, como seu pai, ao mesmo tempo que era um ministro de Jango, era um financiador do IPES [1]. , que junto ao IBAD, era um instituto civil que, junto aos militares e o imperialismo, articulou o golpe. Ou seja, seu pai, tal como ele, manteve um pé em cada canoa. Enquanto era uma cara pública do janguismo, também flertava – e financiava – o golpe. Se depois do golpe não há evidências – conhecidas – de ter financiado a OBAN ou algum aspecto do regime militar, não há até 1977 nenhuma referência a alguma crítica de Antônio Ermírio de Moraes ao regime. Ou seja, até os militares começarem a perder base e estarem ameaçados por novo ascenso operário, o empresário supostamente democrático guardou um silêncio de Pilatos. Ermírio de Moraes, aprendera com seu pai, podia ter seus pensamentos, mas seus negócios exigiam sempre manter diferentes portas abertas.

Nacionalista?

É ainda mais exagerada a elegia que está sendo feita a seu “nacionalismo”. Consta que em 1981 e em várias ocasiões posteriores havia criticado os empresários nacionais que se associavam a empresários estrangeiros ou que vendiam suas empresas. Porém, este mesmo senhor foi apoiador ativo de Collor, escrevia colunas semanalmente na Folha defendendo as privatizações, associou-se à gigantesca Anglo American para tentar comprar a Vale do Rio Doce e só não arrebatou a empresa pois, como até setores da grande mídia contam hoje, FHC impediu que isto ocorresse, fazendo o fundo de pensão do Banco do Brasil (Previ) preferir Steinbruch do grupo Vicunha nesta empreitada.

Este pretenso nacionalismo de Antônio Ermírio de Moraes, além de não resistir ao fato de ser um apoiador ativo das privatizações, era convergente com seus interesses empresariais. Diferente de empresários de outros ramos, onde era possível associar-se ao imperialismo, o presidente do grupo Votorantim não tinha muitas opções. O mercado mundial de alumínio estava tomado pelo imperialismo, não havia espaço para associação. Seu domínio do setor de cimentos no país o colocava em rota de colisão com interesses imperialistas, pois qualquer empresa para fazer grandes investimentos no país precisava negociar com ele. E, por fim, na área das privatizações tucanas não pôde se beneficiar porque a política daquele período não era a de formar “gigantes nacionais”, mas de buscar compor uma nova burguesia nacional ainda mais débil e associada ao imperialismo. Antônio Ermírio era grande demais para este objetivo do imperialismo, cuidadosamente zelado por FHC e os tucanos. Não fosse isto, teríamos em Antônio Ermírio um Carlos Slim brasileiro.

Como bom burguês, seu nacionalismo nunca esteve acima de seu interesse pelos lucros. “Nacionalista” nunca viu-se uma linha de crítica dele ao preço da venda da Vale, até ele perder o leilão. Ou seja, quando tratava-se de arrancar riquezas do subsolo nacional para seu enriquecimento, quanto menor melhor, tendo perdido, aí não faltavam críticas...

Crítico a associar a empresas estrangerias, associou-se ao maior monopólio internacional de mineração nesta tentativa frustrada de compra da Vale. Como também sua suposta soberba a depender dos governos e de empréstimos não resiste aos fatos. No estourar da crise em 2008 e 2009 não se viu o “independente” Antônio Ermírio reclamar da intervenção de Lula para que o Banco do Brasil arrematasse parte do controle de seu Banco Votorantim e evitar sua quebra, nem viu-se nenhuma crítica aos bilhões pagos pelo BNDES para que ele se tornasse um “gigante nacional” da celulose ao unir a Aracruz e sua Votorantim Celulose, quando ambas poderiam quebrar devido a maus negócios nos derivativos.

Um legado de ataques aos trabalhadores

Não rendemos homenagem a Antônio Ermírio de Moraes não só porque era um empresário que vivia do suor arrancado dos trabalhadores de seu conglomerado, porque enriquecia com a riqueza arrancada do subsolo nacional, nem por seu falso nacionalismo privatizador. Não é só por estas “generalidades” que não lhe rendemos homenagens, mas também por especificidades de seu legado.

Antônio Ermírio sempre foi um defensor da “flexibilização da CLT”, ou seja, que vários dos benefícios consagrados em lei que os trabalhadores ainda gozam fossem retirados. Tudo isto em nome de que isto dinamizaria a economia nacional. Ou seja, defendia que aumentasse a exploração, para assim aumentar os lucros, para quem sabe assim a burguesia nacional e o imperialismo investirem mais. Queria, às custas do trabalhador brasileiro, tornar o país mais “atrativo” ao capital.

É chamativo deste legado neoliberal de Ermírio de Moraes, agora oculto na elegia oficial, que um dos maiores “especialistas” em flexibilização da relações trabalhistas, um dos mais famosos intelectuais neoliberais do país, o professor José Luis Pastore, da FEA-USP, fosse seu amigo pessoal e quem escreveu sua biografia autorizada.

Por fim, algo que não aparecerá em nenhuma elegia da grande mídia, sua empresa do ramo financeiro, o Banco Votorantim, foi condenada por trabalho infantil ilegal no interior de São Paulo em 2013 [2]. Se fazia isto no ramo financeiro, devemos imaginar as condições que ocorrem em suas empresas de cimento, mineração, celulose, suco de laranja, espalhadas pelos mais remotos rincões do país e em mais de 20 países.

Calpúrnia, esposa de Júlio César, diz a ele na peça de Shakespeare toda uma máxima que serve para nossas últimas semanas no Brasil: “Quando morrem mendigos não se vê surgir cometas, mas o céu se incumbe de iluminar a morte dos monarcas.”

[1René Armand Dreifus. 1964: A conquista do Estado - Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Editora Vozes: Petrópolis, 1981. Pgs 501 e 549

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