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Teoria

Ideologia

64 anos do assassinato de Leon Trotsky

10 Sep 2004   |   comentários

Realizou-se na PUC-SP, no dia 19 de agosto, convocado pelo Centro Acadêmico de Ciências Sociais (gestão Guernica), um grande ato em homenagem a Leon Trotsky, a 64 anos de seu brutal assassinato pelas mãos de um agente stalinista, que reuniu cerca de 150 pessoas, e contou com as falas do professor António Rago e de Emílio Albamonte, diretor da revista Estratégia Internacional e dirigente do PTS argentino e da Fração Trotskista ’ Quarta Internacional. Transcrevemos aqui os trechos principais dessa importante homenagem, a qual faz parte de nossos renovados esforços para contribuir em colocar, também no plano ideológico, a teoria da auto-emancipação dos trabalhadores novamente na ofensiva.

Prof António Rago ’ Essa geração do Trotsky foi um grupo de intelectuais revolucionários formado numa dada época histórica, que fizeram uma produção teórica, filosófica e histórica sem precedentes. O mundo atual carece dessa discussão. Nós vivemos um século em que as experiências revolucionárias foram derrotadas e hoje vivemos uma situação muito delicada, porque o capital se fortaleceu de tal modo, se tornou uma espécie de poder bélico que pode decidir tudo na base do massacre de um povo. Precisamos resgatar no próprio Marx a disposição revolucionária de compreender o mundo, entender o que se passou, por que fomos derrotados. Fazer o esforço de compreender o significado dessa obra teórica, de figuras como Lênin, Trotsky, Rosa Luxemburgo, que é uma produção muito elevada. Lênin não era da universidade, Trotsky não era da universidade, nem o próprio Marx era. No entanto eles produziram mais do que mil universidades juntas, com todo o dinheiro que as universidades têm para fazer pesquisa. Essa perspectiva revolucionária de considerar a possibilidade de emancipação do trabalho, significa uma luta muito árdua, porque a revolução não é nacional, ela é internacional.

Porém a esquerda, a nossa esquerda vendida, tenta implementar um projeto para retirar as travas para o capital explorar melhor o trabalho assalariado no Brasil. Então nós vivemos um época muito difícil, em que o referencial da esquerda e das pessoas é o nacionalismo, é o que se vê hoje na tentativa de “recuperar” o Vargas(...)

Não há como superar o capital com uma revolução meramente “trabalhista” e nacional. A luta contra o capital envolve uma ação que tem que ser muito diferente do que a nossa esquerda tem procedido na sua história. A começar pelo caráter, pois o revolucionário não pode ser alguém desumanizado. Temos então que partir de nós mesmos, porque a revolução começa com o auto-revolucionamento pessoal. Há que ter coerência entre vida e pensamento, senão vira uma retórica. Eu gostaria então de ouvir o companheiro Emilio nessa noite muito feliz. Muito obrigado.

Emilio Albamonte ’ Agradeço em primeiro lugar a apresentação generosa que fez o professor Rago. Agradeço também ao Centro Acadêmico de Ciências Sociais da PUC por ter me convidado a estar aqui com vocês.

Esta noite quero falar contra o discurso que há na academia, sobre a morte e o enterro do marxismo. Quero tentar demonstrar que no século XXI as principais elaborações do marxismo revolucionário são uma base para começar a pensar os novos problemas. Ele não pode resolver para nós os novos problemas, porém nos dá um método, uma forma de pensamento que pode nos ajudar a resolver os problemas de hoje.

Vamos tomar duas das principais tendências atuais da academia, para demonstrar que muitas das questões que eles levantam estavam melhor colocadas no pensamento político do marxismo revolucionário, e de Leon Trotsky em particular.(...)

Por um lado está a corrente “globalizadora” , que defende que os Estados nacionais foram absolutamente ultrapassados pelo domínio dos monopólios, ficaram completamente débeis, e que então a única maneira de atuar em política é construir uma sociedade civil mundial que possa controlar os monopólios.

Por exemplo, Toni Negri defende que o Estado nacional não existe mais, que não existe mais lei do valor, nem exploração no sentido marxista do termo, e que então a forma de regulação do capitalismo mundial é um império, e que esse império corrobora a existência dos monopólios, isto é, desapareceram os Estados nacionais, e assim desapareceu a possibilidade de fazer a revolução social em qualquer país do mundo. A revolução poderia estalar em qualquer lugar, mas não se sabe em que consistiria. Para Negri, é preciso desenvolver a sociedade civil e criar uma nova globalização a favor do trabalho.

Frente a esse pensamento simplificador, surge uma outra corrente que se afirma nos países latino-americanos, e que defende que a chave é fortalecer os Estados nacionais, para que estes regulem a marcha do capitalismo e consigam uma melhor distribuição da riqueza. Quer dizer, não haveria que pensar mais no problema da revolução, nem no problema dos modos de produção; esses pensadores tentam difundir a utopia de que é possível impulsionar um projeto nacional, como foram o de Cárdenas no México, o general Perón na Argentina, Getúlio Vargas no Brasil. Essa é uma política completamente utópica, e que reúne figuras como o brasileiro Hélio Jaguaribe, que sustenta que a chave é a unidade burguesa da América Latina; que Brasil, Venezuela, Argentina consigam se transformar num ator novo no cenário mundial... Não há nenhuma possibilidade de que esse projeto se desenvolva, pois ele é completamente utópico. As covardes burguesias nacionais, durante mais de um século demonstraram ser totalmente incapazes de fazer a menor luta séria contra o capital.

Mas essa teoria de defesa dos Estados nacionais não é só uma teoria para os países latino-americanos. Há também, na Europa, intelectuais de renome como Jacques Derrida, que assinou junto com Habermas um manifesto dizendo que a Europa pode ser uma alternativa ao domínio do capital americano. Ou seja, é também uma teoria de que os Estados podem controlar o domínio do capitalismo.

Frente a essas tendências, que são as principais hoje na intelectualidade, gostaria de tomar o pensamento político de Trotsky, isto é, basear-me no marxismo revolucionário para demonstrar o que nós chamamos a insuportável unilateralidade dessa intelectualidade essencialmente acadêmica e não-revolucionária.(...)

Num trabalho chamado O marxismo e nossa época, escrito em 1939, nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, Leon Trotsky, refutando o jornal New York Times, órgão da burguesia financeira norte-americana, mostrava que a mesma imprensa capitalista que tantas vezes tentou negar, contra os marxistas, a própria existência dos monopólios, recorria a esses mesmos monopólios para tentar negar de alguma maneira a anarquia capitalista. O NYT observava ironicamente que se “sessenta famílias” governam a produção nos EUA, então o capitalismo norte-americano, longe de ser anárquico, está muito bem organizado. E Leon Trotsky diz: “esse argumento erra o alvo. O capitalismo foi incapaz de desenvolver uma só de suas tendências até o final. Assim como a concentração da riqueza não suprime a classe média, tampouco o monopólio suprime a competição, apenas a afoga e a contém. Nem o ”˜plano”™ de cada uma das sessenta famílias nem as diversas variantes desses planos se acham interessados minimamente na coordenação dos diferentes ramos da economia, mas apenas no aumento dos lucros de sua camarilha à custa de outras camarilhas e à custa de toda a nação. Em última instância, o choque de semelhantes planos não faz mais que aprofundar a anarquia da economia nacional” .

Trotsky está contestando aquele argumento de que a existência de monopólios que competem é incompatível com o fato de que famílias dominam a vida do país. Está então demonstrando que o capitalismo não póde desenvolver nenhuma de suas tendências até o final. O capitalismo debilitou os Estados nacionais, mas também procura por eles cada vez que fazem falta; assim, pode-se demonstra estatisticamente que a maioria dos monopólios existentes no mundo tem uma base essencialmente nacional: norte-americana, japonesa, ou dos países europeus. Depois da Segunda Guerra, havia generais nos EUA que defendiam que se transformasse a Alemanha numa nação camponesa, impedindo que houvesse desenvolvimento da indústria, para que não voltasse a competir nem a armar-se. E no entanto a interdependência capitalista obrigou ao contrário: os capitalistas disseram “muito bem, porém nós queremos que a Alemanha se desenvolva, que nossos monopólios entrem nessa estrutura capitalista” , e então o que avançou de fato nesse último quarto do século foi a regionalização do capital, isto é, formaram-se três grandes regiões no mundo,

Há gente que afirma que o marxismo se baseia apenas na economia, e Leon Trotsky dizia desde os anos 20 que é preciso tomar três elementos para analisar a situação mundial: um é o curso da economia, o outro é o desenvolvimento da luta de classes, e o terceiro é a intervenção dos grandes Estados capitalistas sobre a economia. Isso que defendia Trotsky se confirmou tanto que, pela primeira vez na história da humanidade, com o Plano Marshall, os vencedores se lançaram a resgatar os derrotados numa guerra, e longe de transformar a Alemanha numa nação camponesa, por suas próprias contradições internas o capitalismo permitiu o desenvolvimento da Alemanha e do Japão até um ponto tal que, já nos anos 70, eles começaram a competir novamente com os Estados Unidos.

Todas as teorias que diziam que a Segunda Guerra havia acabado de vez com a necessidade da guerra e com a necessidade de enfrentamento, foram completamente desmentidas, e assim chegamos à situação que vivemos agora, em que desde o fundo dos oceanos até os satélites que se colocam no espaço, passando por tudo o que existe na superfície terrestre, tornou-se objeto da competição de japoneses, americanos e europeus em busca da taxa de lucro possível nessas atividades produtivas e financeiras que se desenvolvem no mundo.

(...) Trotsky, contra Stalin, defendia que havia que pensar o mundo como uma unidade capitalista mundial, que se dividia em três elementos. Afirmava que, por exemplo, a derrota da revolução espanhola em 1936 significava a última possibilidade de barrar a Segunda Guerra, isto é, que não estava inscrito no desenvolvimento económico da competição em si mesmo que se iria à guerra, pois se triunfasse a revolução na Espanha, seria provável que triunfaria a revolução na França, que vivia uma situação revolucionária nesse momento, e assim poderíamos ter evitado os 70 milhões de mortos na Segunda Guerra Mundial. O pensamento de Trotsky unia economia, política e luta de classes, e dentro dessa unidade oferecia uma importância tremenda ao papel que podia ter a classe trabalhadora.

Voltando às duas correntes que estamos discutindo. Uma, a de Jaguaribe, é completamente otimista de todo grande plano burguês que surge no Brasil, porém esses pensadores, incluindo muitos que se reivindicam de esquerda, são totalmente pessimistas com relação à possibilidade de que a classe operária brasileira, argentina, boliviana, possam dar uma saída à enorme crise de nossos países. A outra também, ao negar a exploração capitalista dos trabalhadores, argumentando que toda a sociedade é explorada de conjunto, nega o papel revolucionário dos trabalhadores e propugna então que estamos limitados a lutar por uma sociedade civil mundial.

(...) A revolução é internacional. Ela é nacional em sua forma, mas internacional em seu conteúdo. Trotsky defendia uma teoria que é muito útil para pensar os problemas de hoje, e que pode ser simplificada ao redor de três grandes eixos. O primeiro dos três grandes eixos da teoria da revolução permanente, defendida por Trotsky, é que nenhum país está condenado a esperar passivamente que outro país o liberte: que em todo país onde sua classe operária consiga fazer um acordo com os camponeses e com os pobres da cidade, pode alcançar sua revolução social sem ter que esperar que a revolução venha da Alemanha ou da Inglaterra, onde a burguesia é mais forte e a revolução é mais difícil. Isso foi uma coisa que vimos aos montes no século XX, ainda que essas revoluções, ao não se desenvolverem no marco internacional, foram degeneradas e derrotadas internamente de distintos modos. A segunda lei da revolução permanente dizia o seguinte: contra a “teoria” do stalinismo, que afirmava que quando os trabalhadores tomavam o poder 90% da revolução estava conquistado, Trotsky defendia que ao contrário ao tomar o poder a revolução iniciava um ciclo de imensas reformas culturais, isto é, a revolução tem que resolver o problema das nacionalidades oprimidas, o problema das mulheres, etc. Assim, a segunda lei significa que a luta de classes aumenta, e não diminui, depois que se toma o poder em um país. Em terceiro lugar, a terceira lei, à qual se referiu o professor Rago, é que a revolução socialista se inicia no terreno nacional, se desenvolve no internacional, e só se completa à escala mundial.

Trotsky então defendia que a revolução poderia estalar nos países atrasados, e que o verdadeiro problema era que se ela não avança rumo aos países adiantados, ela degenera, a revolução pode se burocratizar, porque no interior das fronteiras de um país não podem se desenvolver o suficiente as forças produtivas. Mas que se o proletariado, através de revoluções operárias e socialistas, pode unir as forças produtivas de todo o mundo, existe um potencial impressionante para o desenvolvimento da humanidade.

(...) Se o capitalismo não é desarmado a tempo, a partir do seu interior, vai conduzir a novas guerras. Deste ponto de vista, a teoria da revolução permanente é a teoria da revolução socialista, a teoria da reorganização do mundo, feita pela classe mais homogênea que existe no mundo. Isto quer dizer que não estamos diante de um mero problema acadêmico, mas sim diante do problema dos problemas. Isso porque todas as principais linhas acadêmicas afirmam que o único horizonte possível é aprofundar ou radicalizar essa democracia atual.

Porém a revolução russa inventou uma forma que se chamavam conselhos operários ou soviets, um novo tipo de organismo, baseado nas grandes fábricas, nas empresas, nos campos, no exército, em todas as unidades produtivas e nas unidades de distribuição, que elegiam deputados revogáveis a qualquer momento pela base. Organismos que voltaram a aparecer em todas as revoluções, por exemplo na Hungria em 1956, em Portugal em 1974. Esse tipo de organização é para nós muito superior, porque ela é extremamente democrática para maioria da população, mas não permite a participação dos que vivem de explorar o trabalho alheio.

Frente às duas teorias que definimos aqui, e que se restringem a aprofundar a democracia que existe hoje, defendemos então essa democracia totalmente distinta, uma verdadeira democracia dos explorados, uma democracia baseada nos organismos de tipo soviético.

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