Sexta 29 de Março de 2024

Cultura

A sobra da arte

20 anos de arte contemporânea no Itaú Cultural

29 Apr 2007 | Até dia 27 de maio estará exposta no Itaú Cultural uma restrita parte do acervo do Banco Itaú que detém mais de 3000 obras datadas da época pré-colombiana até a atualidade. A exposição apresenta apenas 127 produções de artistas brasileiros, ditas contemporâneas, de 1981 a 2006. José Teixeira Coelho Netto, atual curador-coordenador do MASP (Museu de Arte de São Paulo), assina a curadoria da exposição junto a Bia Lessa, responsável pela concepção espacial, e Lauro Escorel, design de luz.   |   comentários

Antes de contemplar as obras, os visitantes se deparam com um dos textos do curador estampado na parede que dá acesso ao início da exposição: “Nada mais contemporâneo que o conceito de multidão. Ali onde antes prevaleciam, por ideologia, a classe e o povo agora surge a multidão (...). Multidão como arte da novíssima mídia, da transmídia, do holograma ao xérox e à projeção sobre edifícios, desclassificando tudo, cambiando tudo, surgindo e desaparecendo de tudo e em tudo, sendo e deixando de ser conceitual enquanto transforma o observador em ente conceitual.”

Contraditoriamente ao discurso de Teixeira Coelho, a exposição é composta principalmente de produções de tinta óleo sobre tela e esculturas em bronze. A nova arte, feita a partir do vídeo, da projeção, do xérox, pouco aparece ali. Sob o pretexto que de na multidão desapareceriam as classes, nesta novíssima arte desaparece o artista que cria partindo do mundo e da realidade com a intenção de instigá-lo e modificá-lo, é assim que ela se desclassifica e torna-se conceitual ’ discute e pensa apenas a si mesma, a arte pela arte. O discurso da curadoria tenta afastar a obra da realidade, apaga o próprio cenário que a forja, define como arte efêmera, que não tem durabilidade e afastada, no plano do discurso, do real, nega o que nem dentro de galerias pode-se esconder: sim, existe a multidão e ela é composta pelas classes e o povo.

À entrada de cada sala há um vídeo didático apresentado pelo curador orientado o público na compreensão das obras dispostas. Na intenção pedagógica de tornar inteligível a exposição de arte contemporânea a qualquer pessoa, a organização da exposição retira do observador a possibilidade de contemplação e interpretação própria.

No trajeto da exposição, quem se depara com os diversos textos e observa as produções se questiona até onde tais explicações auxiliam no entendimento da obras, que estão lá para legitimar o discurso da arte multitudo ’ aquela que não pertence a nenhum movimento artístico e não apresenta objetivo definido ’ que o curador coloca em relação à arte.

Entre cópias e originais

Convivem lado a lado na exposição, obras que têm um efeito sensibilizador, crítico e reflexivo com obras ausentes de conteúdo. Pinturas de vinte anos atrás consideradas inovadoras aparecem dispostas conjuntamente com outras muito similares produzidas recentemente. Alguns quadros deixam em dúvida se são citações, homenagens ou plágios explícitos de pintores famosos como Piet Mondrian.

Integram a exposição artistas relevantes às artes plásticas no Brasil como Farnese de Andrade, João Câmara, Vik Muniz, Iberê Camargo e Tomie Ohtake. Artistas que produziram obras importantes do ponto de vista da inovação nas artes plásticas brasileira, e influenciaram diversos artistas.

Destaca-se entre os jovens artistas o grafiteiro e fotógrafo Alexandre Órion. Seu processo de criação consiste em capturar através de fotografia as intervenções feitas em suas obras, lambe-lambes colados nos muros da cidade. Não por acaso, as duas fotografias de Alexandre Órion estão dispostas isoladas no único corredor que dá acesso a entrada e saída da exposição. Elas destoam do conjunto das obras selecionadas pelo seu conteúdo que discute mais do que a arte em si e procura intervir, infiltrando sua arte no cotidiano urbano.

Arte: propriedade dos bancos

Itaú Cultural, Centro Cultural Banco do Brasil, HSBC Belas Artes, Espaço Unibanco de Cinema, Conjunto Cultural da Caixa, Credicard Hall entre outros; grande parte da considerada boa arte se encontra hoje acessível apenas sobre o domínio das instituições financeiras e da iniciativa privada. Não à toa, no mesmo período em que surgem os espaços culturais citados os museus públicos passam por crises financeiras, como exemplo, em março de 2006 o MASP contabilizava uma dívida de R$ 3.919.899,87 com o INSS.

Assim, diante da decadência dos museus brasileiros vemos os acervos públicos literalmente apodrecendo por ausência de condições mínimas de conservação e os acervos das instituições financeiras, privadas e coleções particulares absorvendo as obras brasileiras do passado e do presente.

O slogan do cinema Reserva Cultural é esclarecedor quanto à elitização da arte, o cinema mais caro da cidade (ingresso: 25 reais!), é aquele “onde a indústria cultural não entra” e teoricamente onde o cinema dito arte tem espaço.

A sobra

A própria indústria cultural se diversifica contrapondo a arte para o grande público, massificada, e a considerada boa arte, propriedade dos bancos e das grandes corporações. Mesmo que menos acessível à compreensão da maioria a boa arte é muitas vezes tão vazia de conteúdo quanto o King Kong. Como mesmo disse Teixeira Coelho, “o que se vê é a sobra da obra; o registro de uma arte que se foi, se chegou a existir” . Então a arte ’ expressão de sentimentos, idéias, críticas, rupturas, angústias, prazeres humanos’ agora é descartável, é sobra, ou nunca existiu? Pode-se classificar, uma ou duas dúzias de artistas de galeria, que falam de si para si como a novíssima arte e fechar os olhos, para o que por fora das galerias continua a expressar em si, a necessidade de arte para a vida e sua possibilidade de existir mesmo que constantemente esmagada por essa especulação cultural/imobiliária.

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