Terça 23 de Abril de 2024

Questão negra

O POVO NEGRO NO BRASIL

121 anos depois da abolição

13 May 2009   |   comentários

No mês em que se completam 121 anos da assinatura da Lei à urea no Brasil, vêm à tona novamente debates sobre o significado histórico desta data e quais as transformações que de fato se efetivaram na vida dos milhões de negros brasileiros, mais da metade da população nacional.

Do ponto de vista histórico, ainda persiste entre as massas a concepção de que a assinatura da Princesa Isabel constituiu-se como um ato de libertação dos negros, idéia proliferada pela elite do nosso país ao longo de todos esses anos. Nas escolas, ainda que em alguns momentos apareça o questionamento aos interesses económicos que se apresentavam no sentido de abolir o trabalho escravo, ainda são escassas as demonstrações de que ao longo de mais de 300 anos os africanos e afro-descendentes organizaram-se de modo a confrontar a escravidão.

Para além dos esforços do movimento negro de expressar uma outra visão histórica, que revele o papel ativo e combativo de processos de levantes, fugas, formação de quilombos, etc, prevalecem ainda as visões de senso comum, que apresentam as contribuições do negro restritas à música, culinária, etc, como se ao longo de séculos, a formação económica e social do Brasil tivesse se desenvolvido sem conflitos e sem luta de classes.

Uma abolição lenta e gradual

No ano passado, quando se completaram 120 anos da abolição, desenvolvemos neste jornal alguns aspectos sobre o movimento abolicionista e o caráter da abolição da escravidão no Brasil. Falávamos justamente sobre a existência de “abolicionismo(s)” , buscando compreender as distintas tendências e frações dentro do movimento abolicionista. Em linhas gerais, podemos lembrar que existiram desde setores que defendiam o fim da escravidão como meio de desenvolvimento económico e social que passaria necessariamente por excluir o povo negro da população. Num outro extremo, apareciam abolicionistas negros que atuavam não apenas pela via legal, mas também combinando essa atuação com atividades clandestinas de libertação dos negros escravizados, com a organização de fugas em massa, como o exemplo de António Bento e os Caifazes.

As décadas anteriores à abolição não poderiam estar isentas de conflitos sociais. Mais do que apenas um movimento abolicionista formado por uma elite intelectual e política, ferviam na cidade e no campo processos de luta contra a escravidão. Tal afirmação pode parecer óbvia, mas não é desnecessária, quando ainda nos deparamos com a reprodução da versão elitista que apresenta os negros num cotidiano pacífico quando são informados da “libertação” pelas mãos brancas da princesa.

No século XIX, a década mais conturbada na Bahia ’ com sucessivos levantes, tendo destaque a Revolta dos Malês ’ foi também iniciada pela primeira lei de proibição do tráfico de africanos. Depois, em 1850, entra em cena uma segunda lei com o mesmo intuito, desta vez conseguindo em grande medida alcançar os interesses ingleses de deter a manutenção do tráfico, como forma de extinguir gradualmente o trabalho escravo. Outras duas leis, a Lei do Ventre Livre (1871) e a Lei dos Sexagenários (1885), são expressões de uma transição que se dava por cima, com leis que mantinham a concepção de que o negro escravizado era uma propriedade do seu senhor, mantendo-se a necessidade de algum tipo de indenização ao proprietário para que o escravizado fosse liberto.

E depois da abolição?

Desde a década de 1970, o movimento negro cumpriu um papel importante do ponto de vista do questionamento ao significado histórico do 13 de maio e a utilização política e ideológica desse processo que as elites fizeram desde então. A denúncia de que a abolição da escravidão não libertou o povo negro até os dias de hoje cumpre um importante papel, tendo em vista as recorrentes ofensivas reacionárias de figuras renomadas que afirmam em jornais como a Folha de São Paulo que o racismo não existe no Brasil e que todo discurso de defesa do povo negro frente à opressão cumpre um papel de criar conflitos inexistentes até então.

Desde antes da abolição da escravidão, o projeto de tornar o Brasil um país muito mais branco foi tema de inúmeros debates. Se por um lado, em fins do século XIX e início do século XX, o Estado voltou-se aos esforços de incentivar a imigração européia para compor uma nova força de trabalho no país, os ditos pesquisadores “cientistas” dedicaram seus estudos a responder à “problemática do negro” . Para estes, os negros eram inferiores biologicamente, incapazes de adaptarem-se à civilização; e para dar passos rumo ao desenvolvimento e à modernidade, era necessário resolver tal problema embranquecendo a população, o que passava por constituir uma classe trabalhadora branca, relegando os negros a determinadas tarefas mais precárias, quando não diretamente ao desemprego.

É nesse contexto, inclusive, que determinadas profissões são consideradas proibidas para os negros ’ mesmo algumas que durante muito tempo foram desempenhadas justamente pelos negros.

No campo, a realidade do negro liberto esteve marcada pela concentração da terra nas mãos dos latifundiários, um dos elementos fundamentais da realidade nacional até os dias de hoje. No mesmo ano em que se deu a segunda lei de proibição do tráfico de africanos, foi imposta também a conhecida Lei de Terras, que estabeleceu que as terras só poderiam ser ocupadas por compra.

No meio urbano, os negros foram expulsos das regiões centrais, processo que se prolongou por muito mais tempo, marcando a formação das favelas e periferias, que até hoje revelam o drama a que estão submetidos os trabalhadores e o povo pobre frente ao problema da moradia. No que diz respeito ao trabalho, o projeto das elites de embranquecimento do país relegou ao trabalhador negros as condições de vida mais precárias, tendo as mulheres negras cumprido muitas vezes o papel de sustentação económica das famílias, mas também submetidas a trabalhos precários, em muitos casos sob condições semelhantes às da escravidão.

Um debate necessário

Hoje, não são escassos os dados estatísticos como uma expressão da realidade, que revelam o abismo que ainda existe entre brancos e negros. Os negros seguem ocupando os empregos com menores salários, indicam maiores índices de desemprego; somos maioria nas favelas e periferias; além de que somos o principal alvo da violência policial.

A abolição lenta e gradual esteve a serviço de garantir as bases para a introdução do trabalho assalariado no país, de modo a caracterizar o negro como trabalhador de segunda categoria, o que persiste até hoje, quando os negros são maioria, por exemplo, entre os trabalhadores terceirizados, que além de baixos salários, estão submetidos a péssimas condições de trabalho.

Toda essa retrospectiva histórica, que podemos e devemos aprofundar em outras oportunidades, não se basta por si só. A denúncia sobre a farsa do 13 de maio é fundamental, mas é necessário partir de uma análise sobre esse processo para discutir como hoje o povo negro deve se organizar para combater o racismo e a super exploração que enfrentamos todos os dias, há gerações.

Principalmente desde a década de 1990, propagaram-se ONGs, muitas delas financiadas por organismos internacionais como Banco Mundial e a ONU, que se apresentaram como uma saída “eficaz” na luta pela “igualdade racial” . Não poderia haver farsa maior. Os mesmos órgãos que são braços do imperialismo, inclusive em suas ocupações genocidas, como é o caso da ONU, fazem propaganda humanitária com seus programas que ganham uma rosto negro com os setores mais reformistas do movimento negro que acreditam que é possível a integração do negro nos marcos da democracia burguesa. Essa concepção leva a uma atuação de “luta contra o racismo” que não apresenta nenhum embate às elites, aos governos e os patrões. Chega-se ao absurdo de existir ONGs dirigidas por nomes reconhecidos do movimento negro que gerenciam programas de “capacitação” para as empresas que querem aparecer com uma cara mais humana e por isso querem provar que não são racistas.

Não temos nenhuma ilusão de que seja possível humanizar os empresários ou torná-los menos racistas. Seu racismo não é apenas uma questão moral, mas material. Eles podem até contratar alguns negros em suas empresas para fazer propaganda dos programas de “promoção da igualdade racial” , mas seu sistema não permite que os milhões de negros nesse país sequer vivam com um salário com o qual possam sustentar suas famílias.

O combate ao racismo, que o capitalismo se utiliza, pagando menores salários, nos jogando nas periferias e nos condenando a morrer nas mãos da polícia, só pode se dar num enfrentamento direto aos interesses das empresas, ou seja, dos capitalistas.

Por isso lutamos para que os trabalhadores tomem defendam e lutem pelas demandas do povo negro, combatendo o racismo que se expressa na vida material da população negra, além de toda expressão ideológica reproduzida inclusive entre os próprios trabalhadores. Toda ideologia racista deve ser combatida sem tréguas. O povo negro está convocado a se colocar na linha de frente na luta pela emancipação do nosso povo, que não poderá se conciliar com projetos de humanização da burguesia e do capitalismo.

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